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sexta-feira, 20 de maio de 2022

Os imbecis - Percival Puggina

         “A internet deu voz aos imbecis. Hoje, qualquer um se diz especialista, veste terno, gravata, coloca painel falso de livros e fala desde a guerra da Ucrânia até o preço da gasolina, além de atacar o Judiciário”.  (Ministro Alexandre de Moraes, em recente Congresso de Magistrados).

Passaram-se cinco dias sem que a “mídia tradicional”, designada pelo ministro como “sustentáculo da democracia”, cumprisse seu papel diante dessa afirmação. Creio que a palavra “internet” entrou nessa fala como substituta de “redes sociais”, porque internet (Sua Excelência deve saber) é, hoje, instrumento inerente à vida civilizada, como tomar banho, ou acompanhar a política nacional observando... nossos tribunais superiores. Faz parte. Aliás, não duvido que os próprios confrades do ministro usem a internet para acessar documentos, participar de eventos, ouvir música, assistir filmes, combinar a maldade do dia.

Então, o assunto era outro. Para o ministro, o ninho de imbecis está nas redes sociais. Por quê? Porque elas confrontam os aplausos com que a dita mídia tradicional acolhe a conduta anômala da atual composição do nosso Supremo. 
É nas redes que se manifesta essa característica sagrada da democracia que é o pluralismo, perdido pela “mídia tradicional” no afã das conveniências e paixões. 
São elas, as redes, que clamam à surdez e à arrogância da Corte.

Durante 35 anos atuei na “mídia tradicional” e sei o quanto se foi tornando restrito o espaço destinado às opiniões não comprometidas com as pautas e interesses da esquerda. Ela é um privilegiado lugar de poucos. As redes sociais ao contrário, são lugar de muitos, lugar do povo e o povo não é imbecil.

Elas promovem a cidadania ao democratizar o direito de opinião, algo vital para que o país não se deixe tomar pela tirania dos fazedores de presidentes. Uns, sentem saudades da época em que os candidatos precisavam beijar-lhes as mãos; outros, novatos na atividade, usam a capa e a caneta como anacrônicos personagens dos filmes de capa e espada.

Duas palavras busco e não encontro nas arengas dos confrades do STF: pluralismo e liberdade individual.  
Só ouço falar em Estado de Direito e democracia, como se os dois conceitos ainda fossem proporcionados ao país pelas ações e omissões de sua elite dirigente.

Por isso, estou civicamente empenhado na preservação da liberdade nas redes sociais. Elas deram voz às multidões. Elas permitem que pessoas simples tenham meio e coragem de dizer e escrever – do jeito que podem – aquilo que pensam! Aponte os erros, leitor. Diga o que a “mídia tradicional” não diz, exercite sua cidadania, mostre as muitas lesões e feridas pelas quais a pátria sangra.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sábado, 17 de outubro de 2020

A baderna legal - IstoÉ - Editorial

Consolidou-se o descalabro. Mais cedo ou mais tarde aconteceria. Levado ao pé da letra, o penduricalho na legislação anticorrupção, aprovada recentemente, acabou por provocar uma inominável injustiça e, em consequência, revolta social. O movimento de ataque à Suprema Corte, por conta do ocorrido, é sem precedentes. Ninguém se conforma. E com razão. Sentimentos de perplexidade e indignação tomaram a maioria. O código contrabandeado para dentro do pacote anticrime que abriu a cela do narcotraficante André do Rap, chefão do PCC, a maior facção organizada de drogas no País, é de uma desfaçatez e operacionalidade inconcebíveis.

Para um sistema penal e legal caótico como o brasileiro, anotar a obrigação de se revisar prisões preventivas a cada 90 dias equivale a multiplicar o problema das ações por mil. Com processos abarrotados de recursos de habeas corpus, o Judiciário simplesmente travaria diante da missão hercúlea, caso seguida à risca. Pois o ministro Marco Aurélio Mello achou por bem se apegar a literalidade do texto, sem olhar a “capa” do processo (como disse), ou mesmo o histórico do criminoso e a sua capacidade de delinquir, para colocar nas ruas um marginal com duas condenações em segunda instância que havia ficado foragido por seis anos, responsável por operações que, de uma só sentada, teria enviado mais de quatro toneladas de cocaína à Europa.

Marco Aurélio fez isso, basicamente, por que havia vencido o prazo de 90 dias para a renovação da preventiva. Burocracia pura. Ou seja, por mero decurso de tempo, uma figura do calibre delituoso de André do Rap ganhou a oportunidade de voltar a agir serelepe na vida da bandidagem em alta voltagem. O poder togado falhou, fragorosamente, na opção voluntariosa do ministro Mello. Registre-se que esse era um caso que cabia a sua colega de Corte Rosa Weber, e não a ele. Aponte-se, também, como alegam inúmeros juristas, que um condenado em segunda instância não possui mais o benefício da dúvida, sujeito a julgamentos que o livrem do xilindró. Mas o magistrado Marco Aurélio ignorou detalhes processuais e foi adiante na decisão.

Em qualquer lugar do planeta, alguém com tamanha folha corrida, que exibia quando preso, na mansão onde foi encontrado, dois helicópteros, iate, lancha, carros de luxo, dignos de um capo di tutti capi, conquistados à base de sangue, contrabando de drogas e toda sorte de ilegalidades,é tido como mega marginal, sendo trancafiado em cadeias de segurança máxima, sem chance de perdão ou atenuante. Por aqui, “do Rap” conseguiu sair sereno e candidamente pela porta da frente em uma cena que retrata à perfeição o desmanche do arcabouço legal anticrime no País. É de um surrealismo jurídico sem tamanho.

Como não dimensionar as consequências de tal ato, que mistura barbeiragem técnica, pendor midiático e imprudência de uma autoridade que, monocraticamente, tal qual um monarca, comete tamanha insensatez? 
Como exatamente alguém acha razoável adotar um veredicto assim, em casos como esse? 
Tudo começa lá atrás. Na seara política, que buscava brechas para interromper as longevas prisões da Lava Jato, verifica-se o pecado original. Parlamentares do Centrão maquinaram a artimanha, dominaram a votação e, com o beneplácito e endosso do mandatário Bolsonaro, levaram adiante o benefício matreiro que, evidentemente, abre os portões da impunidade principalmente para os vendilhões da Nação.

Podia não ter sido assim. O então ministro da Justiça Sergio Moro, que conduziu as negociações do projeto da Lei Anticrime, era contra. Alertou o presidente de forma veemente para o risco de soltura em massa e automática, caso o dispositivo vingasse. [o dispositivo foi inserido pelo Congresso e caso o presidente vetasse o veto seria derrubado.] Foi ignorado. O pacote, desfigurado. As mexidas oportunistas na proposta original deram a senha pró bandidagem. Mesmo a permissão para a prisão de condenados em segunda instância ficou escanteada. [escanteada por suprema decisão, 6 a 5, do STF.]  A cleptocracia venceu. No rastro, um mutirão de soltura teve início. André do Rap não é, lamentavelmente, o único exemplo.

O ministro Marco Aurélio — sempre ele! —, que tempos atrás foi responsável também pela liberação do banqueiro Salvatore Cacciola (autor de um golpe financeiro milionário e que se escafedeu após a benevolência do magistrado), já soltou outros 79 criminosos pelo mesmo critério. Da experiência, uma lição implacável: enquanto a Justiça for considerada uma espécie de condomínio fechado, sujeita às interpretações subjetivas e distintas dos luminares da ciência legal, e não um patrimônio indiscutível, claro e objetivo erigido pela própria sociedade e com o seu endosso, não haverá, no Brasil, Justiça alguma. Esse casulo majoritariamente aristocrático, de apreciações e análises diametralmente opostas de um mesmo artigo, coloca em caos o sistema.

Da mesma forma, as tais deliberações monocráticas, em última instância, com hierarquias pronunciadas dignas de soberanos, são — como seguidamente demonstrado — discutíveis, por carregar impulsos quase impenetráveis e escolhas até passionais dos honoráveis juízes. Senão, vejamos: como explicar que, ato contínuo à deliberação de Marco Aurélio, o presidente do STF, Luiz Fux, tenha considerado adequado derrubar a tal liminar e, não satisfeito, em plenário da Corte, a mesma turma, majoritariamente, entendeu que a decisão do colega foi errada? Ou, para usar um termo mais harmonioso, inadequada? A barafunda no ambiente Judiciário está formada.

É assombroso que uma filigrana, meramente de ordem metodológica, que trata de procedimentos, aliás, sem propósito, seja capaz de tamanho estrago. Em conjunto para o desastre e dentro de um conceito garantista do texto, a retórica do ministro Marco Aurélio soa, por assim dizer, bisonha. Dispõe da virulência e da solidez dignas dos monumentos de barro. Trilhando ajaezadas metonímias e saltando com a devida destreza sobre os obstáculos do vernáculo, o magistrado ainda demonstra acreditar, piamente, que vem fazendo justiça.

Marco Aurélio é o verbo em pessoa, ainda que suas palavras circunstancialmente possam soar flácidas. Ele se presta ao papel de homem da lei rigoroso, com a toga cerimonial, mas sua eloquência parece promover, ao longo de sentenças de ontem e de hoje, sem constrangimento algum, o atendimento a demandas de poucos, em um sarau de privilegiados, no avarandado dos poderosos, contra o sentimento de correção do povo subalterno. Para os de fora, não há como afastar a sensação de um sistema legal de castas.

Já o eminente ministro Mello, talvez movido pelo senso de “noblesse oblige”, pressuponha ter uma imutável, quase instintiva, superioridade de discernimento. O problema é que o novelo do escabroso enredo não se esgota no veredicto em si. Foi levantada a participação de um ex-assessor do magistrado, que trabalharia no processo, insinuando suspeitas de favorecimento, que o ministro reputa como injúrias. Não seria o caso — mera pergunta de se declarar impedido a julgar, pela proximidade com o advogado do réu? De tudo resta a crua e triste realidade, fruto da confusão armada: Andre do Rap já está foragido. Sumiu do radar, debandou.

Dizem, para o Paraguai ou vizinhanças e, claro, não vai atender a uma convocação de volta. Nem todo o aparato policialesco, inclusão na lista da Interpol, mobilização de agentes federais e estaduais serão capazes de reabilitar o dano e a consequência. Todo trabalho feito lá atrás foi por água abaixo. Há, não é de hoje, uma distância abissal entre a atuação dos investigadores e dos togados no balé da Justiça. Um grupo prende, o outro, via de regra, manda soltar. Sempre sob o argumento de brechas na lei.

De que adianta tamanho arcabouço regendo um sistema que favorece os maiores infratores? Acomodações que promovem libertação após um sexto da pena cumprida demonstram que muito ainda precisa ser mudado. Saem de esquizofrenias processuais como essa o fato de um ladrão de galinha poder ficar anos no sistema carcerário enquanto chefões da droga são lançados de volta às ruas em meses. Parece certo? Evidente que não. De uma canetada só, para desencanto, desassombro e desespero dos cidadãos de bem, que pagam seus impostos, um marginal de alta periculosidade voltou a ameaçar a sociedade. É essa a Justiça que queremos?

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três


sexta-feira, 2 de janeiro de 2015