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sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Majestade perdida - Dora Kramer - VEJA

Conduta errática preocupa e leva o Supremo a cair na boca do povo


O Brasil abandonou a cerimônia em relação ao Supremo Tribunal Federal. É um fato que está nas ruas, nas mentes, nas bocas, em toda parte. Não aconteceu de graça ou de repente. A nossa Corte maior de Justiça vem abdicando de sua majestade há tempos, desde que começou a se dar ao desfrute de engajamentos e comportamentos outros para além dos restritos à interpretação fria, coerente e consistente da Constituição.

A ausência de reverência tem duas mãos. Se de um lado se derrubou na prática o lema de que decisão judicial não se discute para se estabelecer país afora um ambiente de amplo debate em relação a sentenças proferidas no âmbito do STF, de outro os ministros (salvo uma ou duas exceções) abriram espaço para contestações ao optar por exercer protagonismo na vida nacional nem sempre de modo educado e/ou apropriado.

Embora os magistrados se considerem intocáveis, não são mais invioláveis no crivo da opinião pública. Não falo aqui só dos questionamentos de especialistas publicados na imprensa. Basta sintonizar estações de rádio no dia seguinte a um julgamento polêmico no Supremo para ouvir, mesmo nos programas populares, críticas pesadas ou defesas apaixonadas da conduta dos magistrados.

Nunca se viu nada igual. Havia um certo acanhamento em comentar os votos, hoje substituído por absoluto desembaraço no julgamento dos julgadores. A questão não é a crítica, mas os termos em que é feita. Verdade seja dita, suas excelências é que abriram a temporada de contenciosos. Baixaram e continuam baixando a guarda.
O STF ainda se acha intocável, mas já perdeu a aura de inviolável no crivo da opinião pública

Isso ocorreu, por exemplo, quando um juiz se aliou ao presidente do Senado para fazer um gol de mão no processo de impeachment de uma presidente da República. A dupla Ricardo Lewandowski-Renan Calheiros preservou os direitos políticos de Dilma Rousseff e foi desmoralizada pelo eleitorado de Minas Gerais, que lhe negou o mandato de senadora.

Nessa saraivada de tiros no pé, incluem-se as ironias e os insultos trocados entre os pares com transmissão ao vivo, as diatribes provocativas de Gilmar Mendes contra a Lava-Jato em votos que nada têm a ver com a operação, as mudanças de entendimento da Constituição sem justificativas a não ser uma circunstância política. Sem esquecer a censura a publicações, a abertura de inquérito à margem da lei e, para culminar, mais recentemente a atuação desastrosa de Dias Toffoli no caso do compartilhamento de dados dos órgãos de inteligência financeira com instâncias de investigações criminais.
O conjunto dessa obra já desperta no Congresso e no próprio STF uma preocupação com a imagem negativa, refletida em protestos públicos e na pressão para que andem os pedidos de impeachment (dezessete até agora) de ministros. Tanto que há pontes de diálogo nos dois ambientes para que se reduzam a temperatura e a intensidade das polêmicas produzidas no Supremo.

A ordem de baixar a poeira está sinalizada no adiamento do exame do pedido de suspeição de Sergio Moro nos processos de Lula para, se não às calendas gregas, ao menos até o Parlamento tomar uma decisão sobre a volta ou não da prisão em segunda instância.



domingo, 26 de maio de 2019

Passeata é inútil quando o problema é o despreparo

Recuo no caso das armas foi só mais um, desde a bobagem sobre a embaixada em Israel

Vai mal um presidente quando precisa de grupos na rua em manifestações de apoio. Collor precisou. Pode ir mal um país quando seu presidente recomenda aos apoiadores evitar ataques ao Congresso e ao Judiciário. Que apoiadores são esses? Estarão enganados quanto às convicções democráticas de seu líder? Podem ter-se enganado, talvez, quando esse líder repassou em rede um texto sobre a impossibilidade de governar com as instituições. O tom do texto era golpista, mas ele declarou, depois, havê-lo simplesmente repassado.

Por que repassou, se discordava, e sem adicionar uma palavra de rejeição? Isso nunca foi explicado, mas explicar nunca foi o forte desse presidente. Ele comprovou essa qualidade, mais uma vez, ao anunciar um projeto capaz de render mais que o trilhão de reais pretendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com a reforma da Previdência. O projeto, soube-se depois, é uma fórmula para o governo ganhar dinheiro com a atualização de valor de imóveis incluídos na Declaração de Renda. Na prática, seria uma antecipação do imposto pago depois da venda. E se esse bem nunca for vendido? A ideia básica já foi rejeitada em países do mundo rico. Para o presidente e alguns de seus auxiliares, deve ser uma grande novidade. A propósito: o ganho para o Tesouro, se houver, ficará muito longe do trilhão, segundo fonte do próprio governo.

Enquanto o presidente se ocupava da manifestação, estranhamente descrita por alguns como um “protesto a favor do governo”, congressistas ocupavam espaço político, aprovavam na Câmara a medida provisória de recomposição dos ministérios e punham em tramitação um projeto próprio de reforma tributária. Para alguns, a movimentação na Câmara foi um recuo do Centrão, pressionado pelo governo e por seus apoiadores. A visão oposta parece mais adequada. Afinal, os deputados, além de mostrar serviço, negaram a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Justiça e se anteciparam ao projeto governamental de mudança dos impostos e contribuições. Pode-se discutir o alcance de cada um dos projetos, o da Câmara e o do Ministério da Economia, mas o Executivo foi inegavelmente atropelado – e sem invasão de atribuições, acusação dirigida ao presidente no caso do decreto sobre porte de armas. Mais importante ainda, parlamentares de peso, a começar pelos presidentes da Câmara e do Senado, já se declararam comprometidos com a reforma da Previdência, com ou sem atuação do Executivo.

Contestado no Parlamento e no Judiciário, o presidente acabou forçado a editar um novo decreto sobre o assunto, para restringir, por exemplo, o acesso a certo tipo de fuzil. Um dia antes, as ações da Taurus haviam disparado na bolsa paulista, depois de anunciada pela empresa uma fila de 2 mil pessoas interessadas na compra daquela arma. Entre outras mudanças, o segundo decreto reduziu as facilidades para crianças ingressarem nas escolas de tiro e iniciarem a vida no mundo do bangue-bangue, tão valorizado entre muitos bolsonaristas. [epa... valorizado e necessário; usar uma arma sem treinamento é válido, desde que necessário;
mas, o ideal é o  treinamento, intenso e frequente.] 

Mais um recuo foi incluído, portanto, na lista bolsonariana. O presidente já havia recuado, por exemplo, da tentativa de controlar o preço do diesel. Não parece ter abandonado totalmente a ideia, mas foi forçado a amaciar sua atitude depois de uma desastrada pressão sobre a diretoria da Petrobrás. Recuou também da decisão de impor seus critérios, formalmente, à publicidade das estatais. A bobagem estava claramente encaminhada, na área de Comunicação, quando o secretário de Governo, general Santos Cruz, chamou a atenção para a Lei das Estatais. Não pode o Executivo, segundo essa lei, meter-se em decisões administrativas como a publicidade estritamente mercadológica. [desse entendimento, discordamos; sendo o governo o maior acionista de uma estatal - no caso em questão o Banco do Brasil, sociedade de economia mista, sendo o governo o acionista majoritário - é justo que ele possa interferir quando recursos da empresa estão sendo desviados para finalidades que não compensam - no caso o objetivo alegado era aumentar a clientela do BB, só que o público alvo não é numeroso, não compensando gastar muito com publicidade para atrair seus integrantes.]

No começo do mandato o presidente já havia abandonado [adiado para as calendas gregas.], ou pelo menos adiado, o plano de mudar para Jerusalém a embaixada em Israel. Advertido para o custo de uma encrenca com países muçulmanos, grandes importadores de alimentos produzidos no Brasil, reviu sua ideia e substituiu a mudança da embaixada pela instalação de um escritório comercial. Mais que uma decisão econômica, esse remendo foi uma tentativa de mostrar-se fiel ao compromisso de seguir, algum dia, seu líder Donald Trump e ao mesmo tempo contentar os apoiadores evangélicos. Nenhum desses motivos tem relação com os interesses políticos e econômicos de uma diplomacia de respeito.

O Executivo brasileiro recuou também do anunciado abandono do Acordo de Paris sobre o clima. Deu mais um passo atrás ao confirmar, depois de havê-la negado, a realização, em Salvador, de uma conferência regional preparatória para uma grande reunião sobre a questão climática em Santiago do Chile. Alguém próximo do presidente deve ter-lhe apontado os enormes custos diplomáticos e comerciais de suas bravatas anticonservacionistas. Os custos internos do empobrecimento ambiental deveriam ser suficientes, mas a esses o presidente e vários de seus auxiliares parecem absolutamente insensíveis.

Enquanto o presidente passava mais uma semana tropeçando, perdendo tempo e sendo forçado a recuar mais de uma vez, o vice Hamilton Mourão participava de reuniões em Pequim, era recebido pelo presidente Xi Jinping e tentava anular os danos causados por seu chefe e pelo ministro das Relações Exteriores na relação com a China, maior cliente das exportações brasileiras. Além de ser grande compradora, a China tem um importante programa internacional de investimentos em infraestrutura. É preciso, sim, avaliar a conveniência de cada projeto, mas isso é função normal de um governo tecnicamente preparado, competente na ação diplomática e levado a sério pelas autoridades estrangeiras.

Sem essas qualidades, nenhuma passeata de apoio será suficiente para fortalecer um presidente e sua equipe. A ruindade será do governo. Não adianta culpar a democracia.

 
 

terça-feira, 4 de abril de 2017

Para o dia de São Nunca

O julgamento da chapa Dilma/Temer, que deveria começar hoje pela manhã no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pode nem ter início se os ministros aceitarem as chamadas “preliminares” dos advogados de defesa da ex-presidente Dilma. Eles vão pedir mais tempo para a análise dos novos materiais que foram enviados pela Procuradoria-Geral da República e pelo Juiz Sérgio Moro ao TSE, especialmente as delações dos executivos da Odebrecht.

A defesa alega que o prazo de dois dias dado pelo relator Herman Benjamim para as alegações finais foi insuficiente, e pedem no mínimo cinco dias. Acontece que o TSE unificou quatro ações diferentes que pediam a cassação da chapa: uma ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), duas ações de impugnação de mandato eletivo (AIMEs) e uma representação.  A lei das inelegibilidades, que regula as AIJEs, dá um prazo de dois dias para as alegações finais, mas a lei das ações de impugnação é mais elástica, e concede cinco dias. A defesa da ex-presidente considera que o prazo maior deve ser concedido nesses casos, em favor do direito de defesa do acusado.

Essa questão será colocada diante do plenário do TSE antes mesmo que o relator Herman Benjamim leia seu relatório, que precede os votos. Se os juízes acatarem as preliminares da defesa, o julgamento é suspenso, e novo cronograma será divulgado. Se a decisão for a favor do relator, ainda haverá outro obstáculo: o ministro Napoleão Maia pode pedir vista ainda hoje. Aceitas as preliminares, porém, o novo prazo levaria o julgamento para o dia 12, quando começam os feriados de Páscoa do Judiciário. O julgamento começaria, então, dia 18 de abril, mas o ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, tem viagem marcada ao exterior, o que deve jogar para maio o início de julgamento. Nesse caso, o ministro Henrique Neves já terá sido substituído pelo ministro Admar Gonzaga, já nomeado pelo presidente Michel Temer para a vaga.

É provável que ele e o ministro Napoleão Maia, o primeiro a votar depois do relator, peçam vista do processo, Maia por que já disse que o assunto é muito complexo e ele precisa analisar o relatório de mil páginas de Herman Benjamim. Admar Gonzaga, como ministro novato, precisará se inteirar de todo o processo. No meio de maio, outra ministra, Luciana Lóssio, encerrará seu mandato e será substituída. Um novo ministro será nomeado, provavelmente Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, que também poderá pedir vista para se inteirar do processo. Como se vê, será árduo o caminho processual até que um veredicto final seja proferido.

Além das discussões formais e dos pedidos de vista, haverá um debate sobre a indivisibilidade da chapa, prevista na legislação eleitoral, mas que pode ser interpretada. A favor da tese, a possibilidade de Temer vir a ser absolvido das acusações.  O Vice-Procurador eleitoral, Nicolau Dino, por exemplo, disse em seu parecer que o presidente Michel Temer só deve ser cassado por que é impossível separar a chapa, mas admite que não ficou provada a culpa de Temer no uso de dinheiro ilícito na campanha de 2014.

 Dino, que é irmão do governador do Maranhão Flavio Dino, um apoiador dos petistas no PCdoB, diz que "restou demonstrado nos autos que a então candidata Dilma Vana Rousseff tinha conhecimentos sobre a forma dos pagamentos realizados a João Santana, responsável por sua campanha, via caixa dois".

Ele faz essa afirmação com base nos depoimentos dos executivos da Odebrecht, citando especificamente o presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht, que disse "expressamente tal fato", durante passagens de seu depoimento ao TSE, ao mencionar que "João Santana era relação direta Dilma, Guido e eu" ou quando afirmou ter dito à então presidente, sobre João Santana: "Olha, aquele seu amigo está sendo bem atendido".  Para o MPE, as  circunstâncias "atraem a responsabilidade direta para a representada", e, ele pede, além da cassação, a inelegibilidade de Dilma. Já em relação ao presidente Temer, o Vice-Procurador Geral Eleitoral diz que "não há elementos nos autos” que o liguem aos fatos narrados pelos executivos da Odebrecht, referentes aos financiamentos ilícitos da campanha.

 Apesar disso, afirma que é "inviável é a cisão da chapa, no tocante à consequência jurídica de cassação de registro/diploma em ação de investigação judicial eleitoral, sendo incabível cassação de um, sem que tal medida também atinja o outro, vice na mesma chapa".  Mas não o torna inelegível, o que daria mais uma pitada de exotismo a toda essa situação: mesmo cassado, Temer poderia ser eleito presidente da República, desta vez pelo Congresso. Mas antes disso há ainda espaço para recurso no próprio TSE e depois ao STF. Tudo indica que o resultado final ficará para as calendas gregas, ou, mais brasileiramente, para o dia de São Nunca. 


Fonte: Merval Pereira - O Globo