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quinta-feira, 16 de março de 2023

Para Lula, o Brasil não deveria existir - Gazeta do Povo

Vozes - Bruna Frascolla

 

Tupinambás prestes a degustar um inimigo, em xilogravura da obra de Hans Staden. - Foto: Domínio público

Só nesta segunda-feira, apareceram dois pronunciamentos de Lula referentes ao povo brasileiro. Num tuíte, escreveu (ou escreveram para ele): “A sociedade brasileira está tomando consciência de que os indígenas não estão ocupando nenhuma terra sem dono. Na verdade, os indígenas estão ocupando 14% de um território nacional que já tiveram 100%. São os outros 86% que estão ocupando uma terra que era deles”. 
A parte que grifei deveria fazer soar o alarme de qualquer cidadão preocupado com o julgamento do marco temporal, porque o que uma das faces do establishment (o tuiteiro de Lula) está dizendo é que o território nacional pertence aos índios.  
Os índios não podem invadir porque os invasores são, grosso modo, os próprios brasileiros. 
O último censo do IBGE, de 2010, registrou quase 900 mil índios. A população brasileira está estimada em 215 milhões agora.  
Se houver 1 milhão de índios entre os brasileiros, não chegam nem a 0,5% da população brasileira. 
Ou seja, segundo o tuíte oficialmente de Lula, algo muito próximo de 100% da população brasileira é invasora de terras indígenas
Se o MST usar índios para invadir fazendas (coisa que, aliás, já faz), suas reivindicações serão legítimas, porque o brasileiro comum é que é o invasor.
 
O brasileiro nasceu aqui, seus antepassados normalmente nasceram aqui, mas ele não passa de um invasor segundo o seu presidente. Um brasileiro como eu, que, dentre outros, descende de índios e de italianos, poderia reivindicar a cidadania italiana com base no jus sanguinis, mas não passaria de um invasor de terras na sua própria terra natal. 
Nem mesmo a ancestralidade indígena ajudaria, porque ser ou não ser índio é algo étnico e burocrático determinado pelos antropólogos da Funai. Quase todos os 9 milhões de habitantes do Pará são descendentes de índios. Ainda assim são “invasores”, segundo esse fantoche do establishment chamado Lula.
 
É possível especularmos como estariam os índios caso o atual território do Brasil (que aliás foi em grande medida determinado pelos “invasores” brasileiros como o santista Alexandre de Gusmão) fosse deixado intocado pelos europeus e africanos desde o século 16 até os dias de hoje.  
Existia aqui uma montanha de tribos, essas tribos viviam guerreando entre si, se escravizando e se canibalizando (literalmente)
Se houvesse uma Mata Atlântica tão densa quanto a de 1500, isso se deveria à alta mortalidade dos índios e à sua baixa expectativa de vida (que manteriam a população humana muito diminuta), e não a uma consciência ecológica bem desenvolvida entre os índios. 
O homem viveria tentando, com pouco sucesso, não ser tragado pela floresta. 
Em meio a essa luta, usaria a coivara, isto é, o desmatamento por meio de incêndio cuja finalidade é a abertura de um pequeno roçado provisório de mandioca. Apenas a pequenez demográfica, mantida por uma alta mortalidade, manteria as florestas preservadas. Não creio que esse seja um jeito humano de lidar com o problema ambiental.[talvez seja, visto que há uma corrente de ambientalistas que tem como lema: 'salvem o planeta, acabe com a humanidade.']

    O brasileiro nasceu aqui, seus antepassados normalmente nasceram aqui, mas ele não passa de um invasor segundo o seu presidente

Sem dúvida, esse território seria algo muito distante da imagem edênica de bons selvagens felizes e em harmonia com a natureza. Mas o mais relevante nessa idealização é uma ausência: a do Brasil.  
A inexistência do Brasil é precondição para essa idealização. 
Quem sonha com essa fantasia edênica sonha com a inexistência do Brasil. Ela começa com o vilipêndio à nossa história, e só pode ser levada a cabo com a nossa aniquilação.
 
A outra manifestação pública de Lula sobre o povo brasileiro também foi num contexto relativo à questão indígena. Ele deitou falatório num evento com índios em Roraima. [quando o apedeuta presidente abre a boca, só expele MENTIRAS, BAZÓFIAS e BOBAGENS.] O jornal Metrópoles, de Brasília, divulgou em vídeo um excerto do discurso e destacou, em texto, uma frase que deveria causar indignação: “‘Toda desgraça que isso causou ao país, causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação’, diz Lula sobre vinda de negros escravizados para o Brasil”. O politicamente correto baniu o uso da palavra “escravo” e substituiu por “escravizados”. Uma porção de perfis de direita compartilhou a suposta frase infeliz. Se fosse só para apontar que a heresia contra um dogma da esquerda progressista passou impune, muito bem. Afinal, Lula está certo nesta: a escravidão negra foi uma coisa ruim da qual vieram coisas boas.

Desde a Independência, por meio do trabalho de Bonifácio, a África é reconhecida como um dos pilares da formação nacional brasileira. Se eu disser que da escravidão africana não veio nada de bom, vou dizer não só que Machado de Assis e Pixinguinha não eram coisas boas, como que eu mesma e quase todo brasileiro que conheço não somos coisas boas. O povo brasileiro e sua cultura resultaram, em parte, da escravidão africana. Se não houvesse escravidão africana, o Brasil seria um outro país.

    Quem sonha com essa fantasia edênica de um território todo para os índios sonha com a inexistência do Brasil. Ela começa com o vilipêndio à nossa história, e só pode ser levada a cabo com a nossa aniquilação

(Um tempo atrás, antes do reinado de Elon Musk, fiz um comentário despretensioso no Twitter sobre como falar mal da escravidão negra era o único jeito socialmente aceito de reclamar que no Brasil tem preto. Uma horda de perfis com selo azul apareceu indignada e nunca devo ter visto tanto cabelo colorido quanto nessa ocasião. O cientista político Felipe Quintas me chamou para conversar sobre isso no canal dele
Na fala de Lula, porém, obviamente não houve cancelamento. 
Afinal, sabe-se que Lula é uma mulher negra, lésbica, transexual, cadeirante e obesa.)

O jornal escolheu destacar apenas essa fala “polêmica”. Vou reproduzir a fala toda que está no excerto em vídeo: “Depois de exterminar com [sic] milhões de índios, resolveram vender a ideia de que era preciso fazer a escravidão vir pro Brasil porque os indígenas eram preguiçosos, não gostavam de trabalhar. E se eles não gostavam de trabalhar, e se não tinha brancos para trabalhar, porque os que vinham da Europa não queriam trabalhar, então resolveram contar a história de que os índios eram preguiçosos e portanto era preciso trazer o povo negro da África para produzir nesse [sic] país. Ora, toda a desgraça que isso causou ao país, causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação. Da mistura entre indígenas, negros e europeus que permitiu que nascesse essa gente bonita aqui que gosta de música, que gosta de dança, que gosta de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhar para sustentar a sua família, e não viver de favor de quem quer que seja.”

A única coisa positiva que Lula falou do Brasil foi justamente a considerada polêmica. Só não digo que foi a única coisa verdadeira, porque de fato existiu essa ideia de que os índios não serviam para trabalhar e era melhor importar africanos. Se era por serem considerados preguiçosos, eu não sei. Sei é que é muito plausível que o filho da terra não se deixasse dominar com tanta facilidade quanto um africano recém-chegado. Sei também que o escravo negro era muito mais caro que escravo índio, portanto não é verossímil que os senhores de engenho fossem jogar dinheiro fora por puro preconceito quando tinham o chicote na mão.

    Ao importar escravos da África, os senhores de engenho portugueses não “trouxeram a escravidão” porque a escravidão já estava neste território muito antes de Cabral aparecer.  
Os índios a praticavam entre si e os portugueses tinham escravos índios

Mas se Lula enfrentasse só um pouco do escrutínio que Bolsonaro enfrentava, as famigeradas (e extintas?) agências de checagem checariam essa fala e poriam uma porção de carimbos de “falso” ou “duvidoso” nessa má aula de história. Em primeiro lugar, é complicado dizer que os europeus exterminaram milhões de índios. Extermínio sugere ato voluntário. Talvez, somando os três séculos de período colonial, levando em conta todo o atual território nacional e todos os agentes europeus (incluindo o Brasil Holandês, as investidas francesas no Maranhão e no Rio de Janeiro, as incursões espanholas no Rio Amazonas), talvez aí dê para dizer que milhões de índios morreram graças a guerras e doenças. Talvez. Essa é uma questão interessante para demógrafos e historiadores. 
 
E, ainda assim, o que aconteceu no Brasil não merece ser chamado de extermínio indígena, já que a transmissão de doenças não foi voluntária e as próprias guerras eram amiúde movidas em associações de europeus de uma dada coroa e índios de uma dada tribo contra outras associações de outros europeus contra outros índios (vide o caso de Hans Staden em São Paulo, que se viu entre uma guerra de portugueses e tupiniquins contra franceses e tupinambás. Sendo alemão e não tendo cara de português, seus captores tupinambás se dispuseram a adiar a sua morte com receio de matar um francês). A expressão “extermínio” é boa para designar o que os Estados Unidos fizeram com os índios à medida que conquistavam o território mexicano e acabavam com os índios já contactados por missões jesuíticas da Coroa Espanhola.

Caberia ainda dizer que o Brasil não trouxe “a escravidão” da África. No ciclo da cana de açúcar, os senhores de engenho portugueses, na Mata Atlântica nordestina e no Velho Oeste paulista, começaram a importar escravos caros da África. Eles não “trouxeram a escravidão” porque a escravidão já estava neste território muito antes de Cabral aparecer. Os índios a praticavam entre si e os portugueses tinham escravos índios. Se Antonio Vieira é conhecido por lutar contra a escravidão indígena, é porque a escravidão indígena existiu. A novidade da cana foi a vinda de negros, não a presença de escravos.

No mais, Lula repete o vício comum na esquerda de falar da história do Brasil como se nossos 522 anos fossem um compacto de Casa Grande & Senzala (não lido) mais ditadura militar. Primeiro os negros eram escravos em engenhos açucareiros, e depois os militares deram um golpe. Pronto.

Num engenho de Casa Grande & Senzala, de fato os brancos (portugueses e pernambucanos) eram os donos do capital e da terra, compravam servos e não pegavam no batente. Se a esquerda lesse a obra de Freyre, porém, veria que o Brasil era a terra de uma porção de portugueses pobres: desde o aventureiro até os degredados da Inquisição, que eram enviados para cá pelos motivos mais variados. Os portugueses eram merceeiros, caixeiros viajantes, vaqueiros: uma porção de profissões modestas. Com a imigração europeia dos séculos 19 e 20, fica ainda mais difícil dizer que os europeus não trabalhavam. 
A imigração italiana para São Paulo pode ser lida como uma substituição da mão de obra escrava pela mão de obra “em condições análogas à escravidão”, na qual o trabalhador chega amarrado a dívidas. ]
Saiu do cafezal paulista o escravo negro tradicional, entrou o escravo italiano moderno. 
E não faltaria, como no caso da substituição de índios por negros, quem dissesse que precisou trazer o italiano porque o negro é preguiçoso.

   Lula repete o vício comum na esquerda de falar da história do Brasil como se nossos 522 anos fossem um compacto de Casa Grande & Senzala (não lido) mais ditadura militar

Se Lula afirmar inverdades históricas para falar mal do Brasil, ninguém reclama. Mas se Lula fizer uma ponderação positiva sobre o Brasil, aí é oportunidade para algum jornalista desmascarar a hipocrisia dos militantes progressistas, que deixaram passar essa blasfêmia contra os “escravizados”.

Na manhã desta segunda-feira, Lula discursou para “lideranças indígenas” em Roraima, falou barbaridades contra o Brasil (ok), mencionou uma coisinha boa (que horror!), e a pessoa que toma conta do seu Twitter escreveu a barbaridade com a qual comecei este texto, a saber: que nós, uns 99,5% dos brasileiros, não passamos de invasores de terras.

Lula é um septuagenário não muito intelectualizado. Está acostumado a repetir o que a audiência quer ouvir: aos alemães e aos intelectuais, diz que os brasileiros têm luxo demais; ao eleitorado, promete picanha Lula na certa só elogiou a miscigenação porque, após décadas elogiando o povo brasileiro e prometendo-lhe churrasco, de repente tem de aprender que mulheres têm pênis, entre outras coisas mais.

No entanto, podemos divisar com clareza o discurso autorizado pelo establishment por detrás de Lula e da mídia comum que ajudou a elegê-lo: O Brasil e os brasileiros não deveriam existir.  

Se existem, sua história deve ser vilipendiada e seus habitantes devem ser expulsos de suas terras. Este país está marcado para ser terra de ONGs estrangeiras com meia dúzia de índios de estimação e um monte de pobre
E não nos enganemos quanto às suas intenções com os índios: enquanto meia dúzia viaja de avião para abraçar John Kerry e Di Caprio, a maioria dos índios – que pesca, que garimpa, que cria gado e que planta é tratada como criminosa ambiental por essa gente que quer destruir o Brasil.

Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

domingo, 24 de maio de 2020

Pelos que rastejam - O Estado de S. Paulo

Leandro Karnal 

Com sorriso permanente, o pequeno menino conseguiu tocar aquela alma viscosa

Leocádia é assistente de secretaria da Escola Estadual Professor Heitor Furtado de Mendonça, na Baixada Santista. Ela não está em uma situação tão ruim comparada à das irmãs. Seu emprego é estável. O salário é baixo, porém, somado ao do marido e sem pagar aluguel, ela vive uma vida mediana e sem necessidades estruturais.

Leocádia não é boa em muitas coisas, mas há algo no qual ela é notável. Do nascer ao pôr do sol (e segundo seu marido às vezes dormindo), ela reclama incessantemente. Reclama do transporte público apertado e com pessoas inconvenientes, lamenta a chuva que cai ou que não chega, ataca o frio e deplora o calor. Fala diariamente do horror da comida no quilo perto da escola onde trabalha. “Um verdadeiro grude de prisão”, diz. No campo pessoal, Leocádia tem ojeriza a seus colegas. Nossa secretária é absolutamente imersa no azedume cotidiano de sua vida. Sua boca só abre para emitir juízos negativos.

Assim viveu a funcionária da escola estadual durante anos. Na mesma toada crítica, redigiu atas de conselho e acompanhou semanas de planejamento pedagógico com o tom de lamúria eterna. “Leocadiar” virou dialeto da unidade, usado quando alguém ficava protestando de forma assertiva.  As aulas se iniciaram e tudo previa um ano como todos. Na quarta-feira, 11 de março, a diretora disse à secretária que receberia uma visita de um candidato definido como um “menino rastejante”. Ninguém teve qualquer compreensão do que se tratava. Era, como disse dona Nídia, alguém que não tinha dinheiro para ter uma cadeira de rodas. Ele não era um cadeirante; tratava-se de um rastejante. Carlos Henrique chegou no dia marcado, como previsto, arrastando-se pelos corredores. A cena comoveu até o pétreo coração de Leocádia.

Acostumado a ser alvo do olhar entre a piedade e horror, nada no rosto de Carlos denunciava o inusitado da sua mobilidade. Ele não reclamou e, desde o primeiro instante, manifestou uma alegria intensa, excepcional para aquilo que parecia visível no julgamento alheio: a desgraça de uma vida tocada pela pobreza e pela restrição física. Como todos perceberam nas semanas seguintes, o novo aluno estava sempre sorrindo, permanentemente tendo o rosto iluminado por uma atitude de felicidade. Ele agradecia a todos pela oportunidade de estudar e louvava os professores sempre. Logo se soube de mais detalhes: a família não tinha dinheiro para uma cadeira de rodas, no entanto, um dia, o almejado bem surgiu pela doação de uma rede de farmácias. Com a cadeira desejada, por quase uma semana, ele exultou. O mundo nem sempre é justo e um bando de marginais decidiu que poderia roubar do menino a cadeira de rodas na parada de ônibus. A família se inscreveu novamente em programas para obter o aparelho, porém recebeu caras de desconfiança como se tivesse vendido bem tão precioso. Carlos Henrique voltou a rastejar.

O sorriso permanente foi se tornando contagioso. A acérrima Leocádia começou a levar água para ele no seu trajeto pelo corredor. Ela se ocupou do caso e ajudou em uma campanha para doação de material escolar. A antiga mal-humorada passou a usar roupas mais alegres e, pela primeira vez em muitos anos, foi notado que ela cumprimentava alguém sem vociferar contra o clima ou o transporte. O pequeno menino alegre tinha conseguido tocar aquela alma viscosa e fez brotar dali como, em um milagre, uma pessoa um pouco mais leve.

Prosseguindo com seu novo self, a secretária promoveu um evento com rifa. O objetivo?
Uma cadeira de rodas nova para o aluno. Foi um sucesso! Em uma sexta-feira cheia de alegria, chegou o cobiçado objeto. Carlos chorou, apesar de nunca ter pedido nada. Aquela que fora lamuriosa com ele pranteou, sob aplausos de toda a escola que vibrara com a transformação da mobilidade de um e da alma de outra. O menino rastejante conseguira sua ambicionada cadeira; Leocádia atingira a de espírito.
Há pouco, chegou uma moça para trabalhar na merenda e a novata revelou, desde cedo, um pendor para a crítica constante. Leocádia sorriu e chamou a funcionária em um canto para falar da beleza do mundo e das pessoas que possuem menos do que ela. E pensar que tudo começou quando um jovem sorridente rastejou escola adentro e metamorfoseou a pesada lagarta amarga em borboleta leve e feliz.

Meu estimado leitor e minha estimada leitora, Leocádia eu inventei no exercício ficcional. O menino rastejante existe, como outros na mesma situação. Cadeira de rodas não é tão acessível e muitas pessoas ficam imobilizadas em casa ou rastejam. Ver esse jovem real, creiam-me, ressignifica sua noção de crítica. Boa semana para todos nós que andamos e reclamamos...

Leandro Karnal,  colunista - O Estado de S. Paulo




sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Polícia acusada de torturar e matar = Mal necessário - dos cinco mortos, quatro tinham antecedentes criminais, inclusive homicidios

A polícia que tortura e mata

A emboscada e os métodos utilizados pelos assassinos de cinco jovens indicam a existência de um sofisticado grupo de extermínio em São Paulo

Uma mensagem de áudio enviada pelo celular do adolescente Jonathan Moreira, 18 anos, revela uma suposta abordagem policial a um grupo de amigos que participaria de uma festa com mulheres organizada pelas redes sociais. Horas depois, um Santana 1987 com cinco rapazes com idades entre 16 e 30 anos, Jonathan entre eles, desaparece. Após 16 dias, o veículo é achado às margens do rodoanel Mário Covas, em São Paulo. Os corpos, encontrados no domingo 6, em estado avançado de decomposição, indicam uma ação semelhante às que normalmente são praticadas por grupos de extermínio. 


 Chacina Estrada de Taquarassu, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, onde os cinco corpos foram encontrados com sinais de execução sumária

Um dos garotos tinha as mãos amarradas e algemadas, outro estava com a cabeça decapitada, todos possuíam marcas de tiros no tórax e estavam cobertos com terra e cal próximos a estrada do Taquarassu, em Mogi das Cruzes. Além disso, cartuchos de pistola calibre .40, de uso restrito de policiais, foram localizados num terreno próximo. E mais: registros mostram que agentes da corporação consultaram dados de dois dos cinco jovens. 

“Não dá para negar que houve execução”, afirmou Júlio César Fernandes Neves, ouvidor das polícias de São Paulo. A sofisticação usada pelos autores do crime – que vai da atração dos garotos à festa até a forma com que foram mortos – permite dizer que os assassinatos foram orquestrados por um grupo que agiu de forma organizada, rebuscada e cruel. “Trata-se de uma chacina e o nosso medo é que continue com a autoria desconhecida”, diz.

Trata-se de uma chacina e o nosso maior medo
é que continue com a autoria desconhecida”
Júlio César Neves, ouvidor de polícia


Intimidação
Apesar de a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo negar a existência de provas que indiquem o envolvimento de policiais nas mortes, um garoto de 13 anos, parente de um dos jovens mortos, afirmou ter sido ameaçado por policiais durante quatro horas. Na segunda-feira 7, eles teriam circulado pelo bairro em que as vítimas moravam, Jardim Rodolfo Pirani, e encostado um revólver na cintura do adolescente. Dois policiais faziam uma varredura de celulares pelas ruas, em busca do áudio gravado por Jonathan. 

O jovem teve seu aparelho confiscado e quando os policiais viram fotos de um dos mortos conduziram o menino até uma viela do bairro – até que uma tia interrompeu a abordagem. Segundo o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), as intimações são suficientes para configurar assédio às famílias. Os familiares de Jones Ferreira Januário, 30 anos, César Augusto Gomes, 19 anos, Caíque Machado, 18 anos, Robson de Paula, 16 anos e Jonathan temem se tornarem alvo de represália. “Existem sinais da atuação de um grupo de extermínio agindo à revelia do comando da polícia”, afirma Ariel de Castro Alves, advogado e membro do Condepe.

Um dos fatores que favorece a formação desses grupos é a impunidade em casos de violência policial. [cabe acrescentar que a violência dos bandidos, a ousadia com que enfrentam a polícia, a certeza que quase sempre ficarão impunes - na maior parte das vezes estão mais bem armados que os policiais e com a certeza que sempre as tais ONGs de direitos humanos estarão contra a polícia - leva policiais 'cabeça quente', muitas vezes desesperados pela impotência com que enfrentam os bandidos, decidam fazer Justiça com as próprias mãos.
Podemos dizer que não é a melhor forma de se fazer Justiça, mas, as vítimas sempre são bandidos que cometem crimes e permanecem em liberdade.
É uma Justiça enviezada, mas´, é Justiça e com a vantagem de ser definitiva.]

Dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que pelo menos nove pessoas foram mortas a cada dia por policiais em 2015. [não deve ser ignorado que São Paulo apesar de ser a maior cidade do Brasil, população superando os 12.000.000 de habitantes, está entre as cidades com menor índice de violência.] São Paulo aparece na liderança dessa estatística, com 848 vítimas. No mesmo ano, apenas 124 policiais foram recolhidos para o presídio militar Romão Gomes. Destes, 34 por homicídio. “Mesmo nos casos em que há participação de policiais comprovada, eles não são punidos”, afirma Alves. [a participação de policiais no homicídio não implica em punição automática, já que a punição só cabível, legal e justa, quando há dolo por parte do policial. Quando a morte do bandido resulta de confronto com a Polícia, os policiais tem o direito de exercer a  LEGITIMA DEFESA o que elide o cabimento da punição do policial.]  Esse tipo de crime mostra que há autorização para o uso de práticas violentas dentro das instituições. “Existe um resquício do período ditatorial que permite que forças marginais ajam dentro do poder”, diz o ouvidor Neves. Para ele, a recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou a anulação da condenação dos 74 policiais militares acusados pela morte dos detentos do presídio do Carandiru é um exemplo que incita a ação de grupos criminosos. [a condenação foi fruto de uma política pró-bandido e proferida sem que o dolo, porventura existente na ação de cada policial, fosse devidamente identificado, comprovado e mensurado.
Também não restou provada qual policial matou quem.
A sentença anulada sequer deveria ter sido proferida, devido a falta total de elementos probatórios justificadores das penas.]

Os corpos de Caíque e César foram reconhecidos por impressões digitais. Jonathan, por meio de arcadas dentárias. O cadeirante Robson foi identificado pelo Instituto Médico Legal (IML). Em 2014, ele foi baleado por PMs e ficou paraplégico. Os jovens tinham em comum a vida pobre na periferia e a passagem pela polícia. No bairro em que viviam, a violência faz parte da rotina dos moradores. “A sociedade aprova esse tipo de comportamento porque não acredita na justiça comum”, afirma Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Surge a vontade de fazer justiça com as próprias mãos. Se não é réu primário, parece que se tem licença para matar.” Apenas Jones, o mais velho, não havia cometido nenhum delito. “Percebi que ele estava sumido quando os parentes dos garotos chegaram em casa para começarmos a busca”, diz a esposa Eliane Souza.


O caso é investigado pelo Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), com um inquérito instaurado pela Corregedoria da Polícia Militar. O ouvidor das polícias de São Paulo reconhece que são poucos os casos de policiais julgados em São Paulo. “Ainda mais raros aqueles que se tornam réus e são condenados”, diz. A impunidade dá o aval para aqueles que agem apenas puxando o gatilho de uma arma. “Há uma cultura de leniência com as execuções. Quando existem indícios da participação de agentes de segurança, acontece o acobertamento ou o abandono das investigações”, afirma Átila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional.

Fonte: Fabíola Perez - Isto É