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domingo, 7 de janeiro de 2024

Não vale a pena perder tempo com o suposto plano para enforcar Alexandre de Moraes - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo - VOZES

Desde os seus primeiros instantes, um ano atrás, os tumultos ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023 têm sido um assombro.  
quebra-quebra nos palácios dos Três Poderes, que acabou assim que a polícia chegou e do qual ninguém saiu machucado, foi imediatamente apresentado como uma tentativa de “golpe de Estado”. 
A presidente do Supremo Tribunal Federal, num certo momento, chegou a dizer que a democracia brasileira tinha sofrido ali o seu Pearl Harbour – o ataque aéreo do Japão contra a ilha americana do Havaí, que deixou 2.400 mortos e fez os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial.
 
O “golpe”, oficialmente certificado como golpe pelo STF, o complexo Lula-PT e a maior parte da imprensa, é um clássico em matéria de crime impossível: não poderia materialmente ter sido cometido pelos acusados. É a velha fábula do sujeito que dá três tiros na cabeça de um cadáver.  
Ele não pode ser julgado por homicídio, pois é impossível matar uma pessoa que já está morta
A partir daí, passou a valer tudo – a começar pela abolição dos direitos civis dos réus.
 
    O ministro, na entrevista, disse que houve uma “tentativa de planejamento”. 
 O que poderia ser, mais exatamente, uma “tentativa de planejamento”? 
 
O caso acaba de ganhar um intenso “plus a mais” na véspera de completar seu primeiro aniversário. 
O ministro Alexandre de Moraes, segundo ele próprio afirmou numa entrevista ao jornal O Globo, seria enforcado pelos supostos golpistas na Praça dos Três Poderes, ou assassinado na estrada de Brasília a Goiânia. É a acusação mais grave de todas as que já foram feitas desde o começo dessa história.
 
Seria, na verdade, o pior ato de violência contra um homem público brasileiro desde a facada que quase matou o ex-presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 – com a diferença, felizmente, que o enforcamento do ministro, ao contrário da facada, não aconteceu. 
É mais um assombro. Como um crime dessas proporções ficou em sigilo até hoje? 
Por quebrarem umas vidraças e tirarem do lugar as cadeiras dos ministros no STF, as pessoas estão sendo condenadas a até 17 anos de cadeia. Um possível homicídio, então, estaria clamando a vingança dos céus. 
Em todo caso, não poderia ser reduzido a uma declaração em jornal.

    O fato é que está sendo feito um esforço concentrado para dar novas vidas à ficção de que houve uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro.

Infelizmente para o conhecimento do público, a melhor oportunidade para se esclarecer isso tudo era a própria entrevista – mas não ocorreu a ninguém perguntar nada ao ministro Moraes. 
Quem planejou o enforcamento, ou o assassinato na beira da estrada? “Eles”? “Eles”, só, não basta
Quem iria cometer os crimes? 
O ministro, segundo sua denúncia, seria levado para uma prisão em Goiânia, ou morto no caminho para lá. Qual prisão? 
Um quartel do Exército? 
Uma delegacia de polícia? 
Cárcere privado? 
Há alguma prova para as acusações feitas? 
Por que Alexandre de Moraes só falou disso agora, quase um ano depois dos fatos? 
É alguma coisa que as investigações só descobriram nestes últimos dias?
 
O ministro, na entrevista, disse que houve uma “tentativa de planejamento”. O que poderia ser, mais exatamente, uma “tentativa de planejamento”? Algum dos “golpistas” tentou planejar os crimes, mas não conseguiu? 
A única pista para a ausência de perguntas e respostas é uma afirmação do próprio Moraes: “Tenho muito processo para perder tempo com isso. E nada disso aconteceu, então está tudo bem”.

O fato é que está sendo feito um esforço concentrado para dar novas vidas à ficção de que houve uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro. 

Fica mais patente, a cada dia, que os processos criminais contra os participantes do quebra-quebra – e mesmo contra quem estava a quilômetros de distância, protestando diante do QG do Exército em Brasília – são o maior monumento ao absurdo que a Justiça brasileira jamais construiu ao longo de sua história.

Os réus tinham tanta possibilidade concreta de dar um golpe naquele dia quanto a de invadir o planeta Marte; é por isso, entre outras razões, que começa a crescer no Congresso a ideia de uma anistia.  
É essencial, então, impor a imagem de que são os criminosos mais hediondos do Brasil – embora o linchamento do ministro Moraes em praça pública, segundo ele mesmo diz, seja algo com que não vale a pena perder tempo. É mais um espanto.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

J.R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 27 de novembro de 2023

A tragédia chega ao Supremo - J. R. Guzzo

Revista Oeste

Cleriston Pereira da Cunha é o primeiro cadáver da repressão ilegal comandada pelo STF aos 'atos golpistas' de 8 de janeiro

Foto: Shutterstock
Regimes que não respeitam a lei, eliminam direitos individuais e suprimem liberdades públicas acabam, mais cedo ou mais tarde, entrando em contato com a morte. Não há como ser diferente.   
Uma decisão ilegal leva a outra, pior que a primeira. 

A decisão seguinte é pior ainda — e por aí se vai, numa reação em cadeia na qual os autores das ordens só conseguem dar sequência a uma ação radical tomando outra mais radical que a precedente. 
Como não encontram nenhuma oposição de verdade, e dispõem da força armada para impor qualquer decisão, passam a agir como se não tivessem limites. 
O resultado, inevitável, é que vão perdendo cada vez mais o controle sobre as consequências dos seus atos. 
Uma violação da lei, para manter-se de pé, exige sempre uma outra mais grave, e mais uma, e mais uma — até que alguém morre. É o que acaba de acontecer com o cidadão Cleriston Pereira da Cunha, um dos presos nos tumultos do dia 8 de janeiro em Brasília. 
O Supremo Tribunal Federal foi tirando todos os seus direitos, um depois do outro. Acabou, agora, por lhe tirar o direito à vida (Leia também, nesta edição, as reportagens de Augusto Nunes e Cristyan Costa).              [felizmente, os fatos narrados na presente matéria serão julgados pelo SUPREMO JUIZ, o único realmente Supremo e Eterno, Justo e Infalível - cujas sentenças 
são IRRECORRÍVEIS e ETERNAS e
alcançarão TODOS os envolvidos no ocorrido e que tiveram alguma participação nos fatos lamentáveis, são IRRECORRÍVEIS e ETERNAS.]

Cleriston morreu por falta de cuidados médicos adequados no pátio da penitenciária da Papuda, em Brasília — pouco antes de completar 11 meses de prisão preventiva, sem julgamento. 
Sua morte não foi um acidente que poderia acontecer a qualquer um.  
Com diabetes, problemas de circulação e hipertensão, ele não poderia, pela lei brasileira, estar numa cadeia.  
Teria, obrigatoriamente, de estar num hospital, recebendo os medicamentos indicados, nas doses certas e nos horários corretos. 
Não se trata de uma opinião de quem “não gosta do STF” ou da “democracia”, como diz o ministro Luís Roberto Barroso. 
Segundo informa um relatório médico oficial assinado e apresentado pela doutora Tania Maria Antunes de Oliveira no dia 27 de fevereiro de 2023, Cleriston corria “risco de morte por imunossupressão e infecções”. 
A médica pedia urgência no tratamento do seu caso, mesmo porque ele tinha perdido uma consulta marcada para o dia 30 de janeiro, por estar na prisão. 
Já tinha sido internado no hospital durante 33 dias no ano passado, para tratar da mesma doença. 
Tinha de tomar pelo menos quatro remédios diferentes por dia.
 
[a presente matéria está disponível, GRATUITAMENTE, na ÍNTEGRA, na Revista Oeste.]


 
Em sua foto de perfil do Facebook, Cleriston Pereira da Cunha (conhecido como “Clezão”) posa, sorridente, com sua mulher, Edjane, e as duas filhas do casal | Foto: Reprodução/Facebook/Clezão do Ramalho 
 
Durante oito meses e meio inteiros, o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, não tomou conhecimento dessas informações — e dos pedidos de soltura do réu para tratamento médico de emergência, feitos por seus advogados com base no relatório da doutora Tania. 
Cleriston, ao longo desse período, sofreu diversos desmaios e ataques de vômito, e teve de ser levado ao pronto-socorro da penitenciária; seu estado tornou-se cada vez mais grave. 
A situação chegou a tal ponto que o próprio Ministério Público, encarregado de fazer a acusação, pediu a Alexandre de Moraes que Cleriston fosse solto, agora no dia 1º de setembro. 
Como já tinha acontecido com o relatório médico, o ministro ignorou o pedido do MP. 
Não disse nem sim nem não; apenas não respondeu nada. 
Agora, depois de 285 dias de prisão sem ter sofrido condenação nenhuma, e quase dois meses após a solicitação de sua soltura pelo MP, Cleriston morreu na Papuda. 
É aonde se chegou, enfim, pelo encadeamento de uma ilegalidade com outra, em gravidade crescente; ele não podia ter sido preso, o inquérito do STF não podia ter sido feito, sua prisão não podia ser mantida. 
Deu no que deu.
 
LEIA TAMBÉM: um morto assombra o Supremo 
 
e
 
Morte Anunciada 


(...)

 

 Naturalmente, o STF não liga a mínima para a morte de Cleriston ou de qualquer dos mais de mil cidadãos que estão sendo condenados a até 17 anos de cadeia por terem participado de um quebra-quebra. 
Por que ligaria? Não ocorre a quase nenhum ministro que as suas decisões envolvem seres humanos de carne, osso e alma — e, portanto, merecedores naturais de sentimentos como a compaixão, piedade ou clemência. 
A única maneira pela qual Alexandre de Moares e a maioria dos seus colegas enxergam essas pessoas é como “bolsonaristas” — e na sua visão de democracia bolsonaristas não têm direitos constitucionais, nem de qualquer outro tipo. 
Se tivessem, no entender do STF, iriam “usar” seus direitos para acabar com o “estado democrático de direito”; não podem, portanto, pretender a proteção da lei e do sistema judicial. 
Além disso, os ministros estão convencidos de que são eles, e mais ninguém, que dizem o que é a realidade. 
Se decidem que um fato não existe, esse fato não aparece na Rede Globo e, se não aparece na Rede Globo, eles ficam com a certeza de que o fato não existiu. 
“Cleriston? Que Cleriston? Não temos nada a ver com isso.”
 
.....
 
Em compensação, o STF se envolve numa situação de dependência cada vez maior em relação ao governo Lula e às forças que lhe dão apoio. É uma dependência mútua, pois o presidente, o PT e os seus partidos-satélites da extrema esquerda também dependem hoje do Supremo. Mas continua sendo uma dependência — para sobreviver, o STF precisa cada vez mais de Lula e de quem obedece às suas ordens. Como consequência direta disso, o tribunal está operando, já há muito tempo, sem um código legal ou moral: age e reage em função dos interesses do governo e dos seus. Que código de conduta pode ter uma corte de Justiça que anula provas materiais de corrupção, como a livre confissão dos culpados e a devolução de bilhões de reais em dinheiro roubado — e, ao mesmo tempo, decide que não é preciso nenhuma prova para condenar a penas de prisão extremas os acusados do 8 de janeiro? O STF não tem mais um mapa para indicar o rumo correto a seguir nas suas decisões — o caminho da lei, da jurisprudência ou da reponsabilidade pelos efeitos práticos que provoca na ordem social, econômica e política do país. Sem código e sem mapa, fica também sem lógica. Sai o raciocínio. Entra a força.

.....
“Os senhores são as pessoas mais odiadas do Brasil”, disse o advogado Sebastião Coelho, que defende um dos réus, na sessão que abriu o julgamento dos episódios do dia 8 de janeiro. Os ministros, na ocasião, se mostraram revoltados; os bajuladores mais excitados chegaram, inclusive, a pedir “punição” para Coelho. Mas a verdade é que, ao insistir num tipo de conduta que conduz a tragédias como a morte de Cleriston, o STF está deixando junto à população uma imagem de crueldade que a Justiça brasileira nunca teve. Isso, como dito acima, não parece ser um problema para os ministros. Não prestam contas a ninguém, têm o apoio da polícia e das Forças Armadas e apostam na covardia das mesas diretoras do Congresso para continuarem agindo sem correr nenhum risco. Transformaram a Rede Globo e quase toda a imprensa brasileira num departamento de propaganda política — em perfeita simetria, aliás, com o que faz o governo Lula. Vivem numa cápsula impermeável ao Brasil e ao resto do mundo, protegidos por carros blindados, por seguranças que têm armamento pesado e por um isolamento físico que lhes permite viver praticamente sem nenhum contato com o cidadão brasileiro comum. Suas sentenças são a primeira, a segunda e a terceira instâncias ao mesmo tempo; qualquer decisão que tomam passa mecanicamente “em julgado” e torna-se um “ato jurídico perfeito”.

(.....)

Leia também A liberdade proibida”

Revista Oeste

 

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Discurso contra a tentativa do PSOL de matar fetos com ajuda do STF. - Henrique Lima

Primeiramente vamos entender o que é uma ADPF. 

Estamos aqui para debater a ADPF 442. 

E o que é uma ADPF? É uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 
É uma ação prevista na Constituição Federal intentada perante o Supremo Tribunal Federal e ela serve para o controle de constitucionalidade de leis anteriores à Constituição Federal, que é justamente o caso do Código Penal contra o qual essa ADPF se insurge. 
 
Em síntese, qual é a tese que o Partido Socialismo e Liberdade - PSOL quer que o Supremo Tribunal Federal reconheça?  
O partido alega que a proibição do aborto viola os seguintes preceitos fundamentais da Constituição: dignidade da pessoa humana, cidadania, não discriminação, inviolabilidade da vida, liberdade, igualdade, proibição da tortura, saúde, etc. 

De cara, nós já vemos que o conteúdo real desses preceitos foi completamente esvaziado, de modo que esses preceitos que são importantes, são reais, viraram verdadeiras palavras talismãs que são usadas para embelezar. E mais, tais preceitos passaram a ser usados para defesa de atrocidades que violam esses mesmos preceitos. 

Então, meus senhores, é inacreditável que o direito à vida seja invocado para negar o direito à vida do nascituro. [apenas para registro: a PGR quer que pessoas presas no 8 de janeiro, confessem crimes que não praticaram, para não serem processadas pela práticas dos mesmos; CONFIRAM, LENDO NA ÍNTEGRA: "Para não responderem a processo, os 1.156 denunciados terão de confessar, num prazo de 120 dias, que cometeram os crimes pelos quais estão sendo acusados. Como assim – que crimes? Como o sujeito vai confessar um crime que o próprio acusador está dizendo, oficialmente, que ele não cometeu? ]

É inacreditável que a proibição da tortura seja invocada exatamente para submeter a tortura um ser humano indefeso sem possibilidade nenhuma de defesa, mas o papel aceita tudo. 

A tese central dessa ADPF está calcada no princípio da dignidade da pessoa humana e aqui ele se socorrem da teoria do Ministro Luís Roberto Barroso acerca desse princípio. Então, segundo o Ministro, existem três vetores da dignidade da pessoa humana. O primeiro é o valor intrínseco, depois a autonomia e por fim o valor comunitário. 

O valor intrínseco é ter valor simplesmente porque se é humano, por pertencer a espécie humana. Autonomia é ter autodeterminação, ser capaz de executar um projeto de vida e o valor comunitário é a aceitação social da pessoa, a importância da pessoa como membro da comunidade, como cidadã. 

De início o nascituro já não passa pelo primeiro critério, segundo os autores da ação, embora eles reconheçam o nascituro como um indivíduo da espécie humana, e, portanto, dotado de valor intrínseco que é o primeiro daqueles três critérios, o estatuto de "pessoa constitucional" é negado ao nascituro. Em outras palavras, o nascituro não é pessoa segundo os autores da ação porque só teria direito a esse status, o status de pessoa constitucional, quem nasce com vida. É o nascimento com vida que dá àquele ser humano o status de pessoa constitucional e aqueles invocam, é curioso que eles invocam, igualdade e não discriminação. Essas palavras talismãs que embelezam os falsos discursos, invocam esses dois princípios para forjarem uma distinção iníqua e arbitrária entre seres humanos. 

É assim que num teste de proporcionalidade o nascituro sempre vai perder contra a mãe que quer abortá-lo, já que, como ele não tem status de pessoa constitucional, ele também não tem nenhum direito fundamental. É isso mesmo, o nascituro não tem nenhum direito fundamental, segundo os autores da ADPF. 

Portanto, o nascituro é descartável, ele não tem autonomia, não tem autodeterminação, e não tem também valor comunitário. 
Aqueles três vetores da dignidade da pessoa humana do Ministro Barroso. E numa ponderação entre a simples humanidade do nascituro e a coleção de direitos que a sua mãe ostenta, o nascituro sempre sai perdendo, e então ele vira lixo hospitalar. Então, o nascituro não é pessoa e não tem nenhum direito, muito menos o direito à vida. 
 
Eu disse no início que os fundamentos da ação permitem uma constatação assustadora que é a seguinte: não há nenhuma razão para que toda essa construção argumentativa empreendida na ADPF se aplique somente até a décima segunda semana de gestação. 
Ora, se só aqueles que nascem vivos têm direitos fundamentais, o aborto, então, deveria ser legalizado até o nono mês e agora a coisa fica mais assustadora ainda. Atenção! Se a dignidade humana requer além do critério do valor intrínseco, que é o pertencimento à espécie humana, isso eles não negam ao embrião, mas requer além disso a autonomia e o valor comunitário, logo as portas estão abertas para legalização do assassinato de pessoas já nascidas, pessoas que não tenham autonomia, por exemplo, bebês já nascidos, bebê de colo, doentes, deficientes físicos, e também de pessoas consideradas sem valor comunitário, que são os critérios para que alguém tenha dignidade. 
 
E, meus senhores, isso já aconteceu na história. Nós já vimos isso acontecer. Judeus, um dia não tiveram valor comunitário, ciganos, católicos, negros, inimigos do partido, burgueses e assim por diante. Tantas classes foram destituídas de valor comunitário, tiveram seu status de pessoa cancelado pelo Estado. 
Então, será que eu estou criando alguma Teoria da Conspiração? 
Não, porque isso, em relação aos bebês, já foi defendido em artigo acadêmico publicado em prestigiada revista acadêmica. O título do artigo é "Aborto pós-nascimento: por que o bebê deve viver?".  
Os autores são Alberto Giublini e Francesca Minerva, pesquisem depois na internet, foi publicado no Journal of Medical Ethics, em 2013. 
Não foi em blog de internet. Lá, eles defendem que a mãe que não aceita o filho já nascido, ela tem direito de matá-lo, a criança já nascida
E aí, quando nós objetamos não, ele pode ser entregue para adoção, qual é a resposta dos autores do artigo? 
 
Não, se ele for entregue a adoção, a mãe passará o resto da vida se atormentando pensando "onde estará meu filho?"; é melhor matar logo e resolver o problema. 
 Isso está defendido por pesquisadores não é blogueiro de internet, é a chamada escola do vínculo social. 
A criatura só é aceita como membro da sociedade humana, só adquire o status de pessoa, se ela desenvolve vínculos sociais e o primeiro vínculo social é do bebê com sua mãe. 
Se a mãe já o rejeita de cara, a mãe pode matá-lo. Antes dos vínculos sociais não haveria direito à vida, nenhum direito fundamental. 
É aquele terceiro critério da dignidade da pessoa humana: é o valor comunitário, quem não tem valor comunitário, não tem direitos fundamentais. E assim eles relativizam todos os direitos humanos. 
 
Essa ADPF, portanto, é uma fraude, um cavalo de Tróia, uma caixa de Pandora, porque a sua fundamentação, se nós olharmos atentamente, ela não vale só para o aborto até as 12 semanas de gestação, mas ela conduz ao aborto livre até o nono mês.  
Além de abrir as portas para o infanticídio, para o homicídio de bebês já nascidos, para a eutanásia e outras atrocidades já vistas na história humana. Essa é a conclusão lógica dos próprios argumentos da ação. Aliás, não é a primeira vez que esse plano sorrateiro é posto em prática no Brasil
Em 2005, nós tivemos o substitutivo do PL 1135 de 91, cujo o artigo primeiro legalizava o aborto até a décima segunda semana, mas, sorrateiramente, o último artigo do Projeto revogava os artigos 124, 126, 127, 128 do Código Penal.  
Só restaria o aborto sem consentimento da gestante. 
Daquela vez a via escolhida foi o Legislativo, mas o Projeto de Lei naufragou, agora a cultura da Morte resolveu pegar um atalho e esse atalho é o Poder Judiciário. 

Mas o esquema é o mesmo, eles pedem a legalização do aborto até a décima segunda semana, mas sorrateiramente querem que o Supremo reconheça aqueles fundamentos que no futuro vão conduzir a atrocidades muito piores, vão aprofundar ainda mais essa tragédia, vão dar enseja novas ações e assim por diante e assim eles vão avançando a agenda. 

Hoje, meus senhores, o Judiciário é o atalho para militância ideológica, revolucionária, é ganhar no tapetão sem submissão ao processo democrático. E eu lembro aqui que 92% dos brasileiros, segundo o Datafolha (é o Datafolha, hein) são contrários a liberação total do aborto, 92%. Então, não há respeito à democracia. A democracia virou uma palavra para embelezar discurso, vazia, e eles dizem que tem uma função contra majoritária, só que na verdade esse atalho a que se presta o Poder Judiciário é um vilipêndio às prerrogativas do Parlamento. 
 
É um menoscabo ao Congresso Nacional. O PSOL quer demonstrar que todas essas premissas já foram assumidas pelo STF em precedentes da corte começando pela ADI 3.510 do DF que julgou a constitucionalidade da lei de biossegurança e que concluiu que é constitucional a destruição de embriões para pesquisa científicas e essa Ação Direta de Inconstitucionalidade declarou que o nascituro não é pessoa, os embriões humanos não são pessoas, não têm o status de pessoa constitucional, isso foi em 2008. O segundo passo foi a ADPF 54 que declarou que bebês anencéfalos não têm direito à vida porque não são viáveis, isso foi em 2012. Em terceiro lugar, o Habeas Corpus 124.306 do Rio de Janeiro que é um caso escabroso [de] uma quadrilha de aborteiros da Baixada Fluminense.  
A mulher, no momento de fraqueza, grávida de três meses foi à clínica clandestina fez o aborto. 
O procedimento foi mal sucedido, a mulher veio a óbito, eles deram um tiro na cabeça do cadáver para simular um assassinato, esquartejaram e puseram fogo no cadáver. 

E a primeira turma do STF pôs em liberdade essa quadrilha e nesse julgamento o STF declarou pela primeira turma que a criminalização do aborto até o terceiro mês é inconstitucional; e é por isso que agora no quarto passo do movimento da cultura da morte essa ADPF 442 está pedindo a legalização até a décima segunda semana, porque isso o Supremo já reconheceu naquele caso concreto desse Habeas Corpus, isso foi em 2016. 

Então, percebam que de quatro em quatro anos é feito um movimento em direção a legalização do aborto e eles já estão atrasados porque isso deveria ser agora em 2020, o último foi em 2016, deveria acontecendo em 2020, eles estão atrasados, eles não contavam com a ascensão do movimento conservador. De modo que essa ADPF 442 é a solução final, é a pá de cal, ela vai abrir as portas para liberação total do aborto, não é só até a décima segunda semana. E quais são as causas profundas de tudo isso? 

Gostaria de terminar com esta reflexão, a razão fundamental de todos esses movimentos é esta: a ADPF 442, ela se baseia numa falsa concepção do direito.  
Se nós voltarmos à Grécia antiga, nós vemos que Platão vai dizer "a lei é a descoberta da realidade, o direito é achado na realidade objetiva sobre a qual nós não temos poder, não podemos transfigurar a realidade, não podemos mudar o ser das coisas". E Aristóteles vai dizer "na cidade, na pólis, uma parte do direito é positivo, nós não negamos que os homens são capazes de produzir leis, mas essa atividade humana de produção de leis está calcada sobre uma base natural que é a lei natural. Ela é dada pela realidade objetiva, ela não é produto da nossa opinião, do que eu acho ou deixo de achar, da minha vontade arbitrária". E aí Cícero, já em Roma, o grande advogado e jurisconsulto vai dizer que "pensar que o direito é produto de opinião e dá vontade humana arbitrária, é coisa de loucos" e São Tomás de Aquino já na Idade Média vai dizer "a lei natural é a participação da Lei eterna na criatura racional", ou seja, com a nossa razão, com a nossa inteligência, nós contemplamos a realidade e dali nós extraímos os direitos naturais dentre os quais o direito à vida que é o mais importante sem o qual nenhum outro direito pode ser exercido. 

Então, o direito à coisa justa é parte da estrutura da realidade, assim como existem leis naturais de ordem física, existem também leis naturais de ordem moral, de ordem jurídica. Em suma, o direito não é produto da vontade humana arbitrária, eu não posso decretar do alto da minha soberba o que eu acho certo, o que eu acho errado, o que eu acho que é o bem ou mal. "Sereis como deuses", disse a serpente, "conhecedores do Bem e do Mal, tal como Deus os conhece". Não é um conhecimento do Bem e do Mal ordinário, é o poder de decretar o Bem e o Mal. É o poder, a pretensão melhor dizendo, de transfigurar a realidade, mudar o ser das coisas, isso não está ao nosso alcance. 

Então, o direito não é produto da vontade humana, seja essa vontade expressa em leis ou em decisões judiciais. Tudo o que os nazistas fizeram na Alemanha e o que os comunistas fizeram, tudo que eles fizeram, todas as atrocidades, estava de acordo com a lei positiva do regime e com as decisões dos juízes do regime, tanto que os criminosos de guerra nazistas usaram isso em sua defesa no Tribunal de Nuremberg "ora, nós não fizemos nada ilegal, o que nós fizemos estava de acordo com a lei, estava de acordo com as decisões judiciais", mas não estava de acordo com a Lei Natural, universal, imutável e indispensável, e por isso eles foram condenados. Descrever o que pretendem legalizar pode ser libertador. Dentre as técnicas de aborto uma delas é enfiar uma agulha na barriga da mulher e uma injeção de cloreto de potássio no coração da criança, [isso] faz o coração do bebê parar de bater e se ele for muito grande, ele vai ser esquartejado e os pedaços serão extraídos: o bracinho, as perninhas, o tronco esfacelado, a cabeça esmagada. [CONFIRA EM;   aborto  é assassinato e oferenda a satanás, ou então, AQUI.] Isso é o que pretendem legalizar. 

Assim como o genocídio nazista e comunista não poderiam ser legalizados, somente no papel, mas não na realidade, o aborto também não pode ser legalizado por nenhum poder humano. 
O que as autoridades humanas podem fazer é simplesmente produzir papéis com ficções jurídicas escritas neles, porque o papel aceita tudo. 
É por isso que existe uma coisa chamada papel higiênico.  
O que eles não podem fazer é mudar a realidade das coisas, de modo que o aborto será para todo sempre ilegal. 
Não importa o que os homens digam ou pensem. Muito obrigado. 

*       Em Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família. Seminário sobre "A ADPF 442, a competência do Poder Legislativo e o ativismo judicial". 10 de agosto de 2023. 

Auditório Nereu Ramos - Congresso Nacional/ Brasília-DF. 

 Conservadores e Liberais - Transcrito por Blog Prontidão Total 

 

 

segunda-feira, 31 de julho de 2023

A lei somos nós - J. R. Guzzo

Revista Oeste

O que vale no Brasil de hoje não é o que está escrito no Código Penal — mas aquilo que sai do gabinete do ministro Alexandre de Moraes ou de seus colegas


  Lula e Supremo Tribunal Federal anulam decisão legítima do Congresso Nacional sobre o imposto sindical | Foto: Shutterstock

Vale a pena, por um instante, pensar no que está acontecendo com a tramoia, ora em execução conjunta por Lula e pelo Supremo Tribunal Federal, para anular uma decisão legítima do Congresso Nacional — provavelmente, na verdade, a decisão mais aplaudida pela população em toda a história do legislativo brasileiro. 
É um retrato em alta definição do golpe de estado que está sendo imposto ao Brasil, dia após dia, com a falsificação das leis e da Constituição Federal através de decisões judiciais. 
O STF rasga a lei na cara de todo mundo; mas um ministro diz que nesse caso, e em todos os casos que o STF quiser, a lei rasgada era ilegal, e que a única lei legal, dali por diante, seria a lei que os ministros aprovassem. É um avanço no processo de evolução biológica das tiranias. 

 
Agora não é mais o Exército que dá o golpe; os militares apenas procuram uma toga para obedecer, em vez de um general, e aí se colocam a seu serviço de olhos fechados. 
Dizem que estão defendendo a “legalidade”. Só que a lei, para eles, não é mais o que está escrito na Constituição e nos códigos, mas nos despachos do ministro fulano ou do ministro beltrano. Quem elimina o estado de direito e dá o golpe, agora, são os altos magistrados. 
É uma quartelada em que o Exército fica no quartel — e entrega aos juízes, junto com a polícia, a força armada necessária para manter vivo o governo ilegal que montaram no Brasil em parceria com o presidente Lula.
 
A tramoia mencionada acima é a ressurreição pelo STF, por exigência de Lula, de um cadáver que, enquanto não era cadáver, só tomou dinheiro do trabalhador — o imposto sindical. Essa indecência aberta, que extorquia um percentual do salário de todos os brasileiros, sindicalizados ou não, para entregar aos sindicatos e à CUT, foi extinta pelo Congresso em 2017. 
Para Lula e a esquerda que se pendura nele, foi bem pior que uma extinção — foi uma humilhação. 
O Congresso, na verdade, tornou o imposto voluntário. Quem quisesse dar essa “contribuição” aos sindicatos poderia continuar dando, quem não quisesse não precisava dar mais. Todo mundo sabe o que aconteceu: praticamente ninguém quis pagar nem um centavo de imposto sindical dali para diante. Foi um dos exemplos mais perfeitos da aplicação direta da vontade popular, em qualquer lugar do mundo, por parte de um Legislativo — que, afinal, existe para fazer exatamente isso, mas quase sempre só cuida dos seus próprios interesses. 
O Congresso, num momento raríssimo, deu ao cidadão brasileiro a oportunidade de escolher, ele próprio, o que queria: pagar ou não o imposto sindical, por sua livre escolha. Os brasileiros, de forma esmagadora, responderam: “Não queremos”
O que mais se pode esperar em termos de clareza em uma resposta? 
O trabalhador não quer dar dinheiro para os sindicatos. 
Se quisesse, poderia continuar dando. Não quis, definitivamente.

Não importou, nesse episódio histórico, qual era a vontade dos deputados e senadores, de qualquer partido ou tendência; não importou o que Lula, a CUT, a esquerda ou a direita queriam

A decisão foi totalmente entregue aos trabalhadores brasileiros, e eles mostraram a sua vontade da forma mais indiscutível que o ser humano conhece — abrindo ou não o próprio bolso, e a decisão foi não abrir. A verdade, nua e crua, é a seguinte: quem quer que o imposto sindical seja obrigatório é Lula, e não “os pobres” que ele jura defender o tempo todo. O presidente continua, até agora, prometendo a sua “picanha” imaginária (agora com uma “cervejinha gelada”), mas na hora de ver dinheiro em cima da mesa, ele quer meter a mão no bolso do infeliz que ganha salário de R$ 2 mil por mês, para repassar aos parasitas dos sindicatos. Eles já ganham do Tesouro Nacional, por conta dos empregos de luxo que têm no governo; querem, além disso, roubar o trabalhador.  

É roubo esse imposto: o sujeito não quer pagar, mas Lula quer que pague à força. Qual é a diferença em relação a um assalto? 

A diferença é que o assalto, no imposto, vai se repetir a vida toda.


Lula quer que o STF anule a lei legitimamente aprovada pelo Congresso — e o STF está pronto para atender a mais essa manifestação da vontade 'divina'.

(.....) 

 

Como assim, se há cinco anos o STJ já decidiu que não há nada de errado com a lei que tornou voluntário o imposto sindical?  

De lá para cá, não mudou rigorosamente nada. A Terra não bateu na Lua. Os números pares continuam se alternando com os números ímpares. Os trabalhadores não resolveram, de repente, que querem pagar o imposto outra vez.
A questão que o STF já julgou em 2018, enfim, é exatamente a mesma que está julgando em 2023.
O que acontece é que o Brasil, neste meio-tempo, deixou de ser uma democracia com leis, direitos e deveres e passou a ser uma ditadura construída em cima de despachos judiciais e governada por uma junta — a associação de assistência mútua entre o STF e o Sistema Lula.
O ministro que provavelmente vai acabar decidindo essa história, e que votou a favor da lei cinco anos atrás, está dizendo que agora vai votar contra porque “mudou de ideia”. Conversa. Ninguém pode dizer que achava que 2 + 2 eram 4 em 2018, mas que agora acha que são 5.

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O próprio ministro Alexandre de Moraes, a figura central do episódio, alega que foi vítima de um crime contra a honra, e não que o Brasil sofreu uma tentativa de golpe de estado. 
No caso, como não é calúnia ou difamação, só pode ser injúria um delito que está previsto no artigo 140 do Código Penal; a pena é de um a seis meses de detenção, ou multa. 

Fala-se, também, de uma possível lesão corporal leve; parece que um par de óculos caiu no chão. Mas não há exame de corpo de delito — e de qualquer forma, quinze dias depois da confusão, ainda não apareceram imagens do que aconteceu, não há testemunhas, e as versões de vítima e agressores são opostas.  

Como uma mixaria dessas pode ser inflada à dimensão de crime de lesa-pátria? É democracia um país onde se faz isso?

A presidente do STF isso mesmo, a presidente da suprema corte de justiça do Brasil, e não um sargento da PM fez uma agressão frontal ao que está escrito na lei brasileira, ao mandar apreender computadores, celulares e outros bens pessoais dos acusados.
Seus carros foram vasculhados pela polícia enquanto eles estavam sendo interrogados.
Que diabo quer dizer isso tudo?
Desde quando a presidente do STF envolve o Tribunal num caso de rixa? 

 Desde quando a Polícia Federal investiga supostos crimes de injúria ou de lesão corporal leve — e desde quando é autorizada a fazer operações de busca e apreensão contra os acusados de uma insignificância como essa? 

Só porque Lula e seu ministro da Justiça dizem que a pátria está em perigo de morte, nenhuma autoridade é obrigada a levar algum deles a sério.  

Foi uma briga de sala vip, só isso; a acusação de hostilidade a um ministro não pode ser considerada um ato de agressão ao Estado brasileiro.
Mas, no Brasil governado pelo comissariado Lula-STF, essa confusão vai ficando cada vez mais fanática — e perigosa.
É o que se pode ver pela prodigiosa decisão de um juiz de Alagoas que prendeu uma jornalista, acusada de calúnia e difamação, com base numa decisão do ministro Moraes.

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ÍNTEGRA DA MATÉRIA


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“O agro brasileiro e oidiota-padrão”

 

Coluna J. R.Guzzo - Revista Oeste


sexta-feira, 28 de julho de 2023

Bandidos e vítimas de predileção - Percival Puggina

 

         Pessoas posicionadas em altos escalões da República resolveram metamorfosear-se.  
Ora são elas mesmas, ora são o Estado, ora são a democracia, ora a Constituição. 
Essa sobrenaturalidade ou transcendência produz efeitos na vida social, não havendo como não atribuir a tal grupo certos abusos percebidos no país. Quem quer ser transcendente assuma ônus e bônus; quem quer ser jequitibá, aguente o vento lá em cima.
 
Quantas vítimas e quantos policiais deixariam de morrer todo ano se quem os matou estivesse onde deveria estar, atrás das grades de um presídio?  
Duvido que não tenham, todos, longo prontuário de ocorrências, intimações, prisões e condenações a certificar sua disposição de viver fora da lei. 
Ninguém inaugura sua vida criminosa matando policiais. 
Só que nenhum daqueles eventos teve o tratamento necessário para assegurar a proteção da sociedade. Com raras, raríssimas exceções, todos foram conduzidos, pelas instituições, de modo a favorecer o transgressor. Presídios brasileiros têm porta de vai e vem.
 
Convivem, aqui, altos índices de criminalidade e tolerância institucional para com os criminosos. 
Nossos “progressistas” atrasam tudo. Indivíduos perigosos passeiam impunes por nossas ruas e estradas vivendo de violações e gerando insegurança. 
Na longa lista de preceitos protetivos que o engenho humano possa conceber para livrar a pele de bandidos, nada há que nossa legislação, nossos ritos, usos e costumes não consagrem. Como escreveria Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, se vivos fossem, “Aqui, majestade, em se roubando ou matando, nada dá”.
 
E não dá nada mesmo. Às normas tolerantes, pusilânimes face ao crime, mas inclementes com a sociedade, muitos se juntam para tornar folgada a vida dos bandidos. Tudo fazem para que tais atividades não tragam sobressaltos, riscos e cárcere a quem escolher a vida criminosa. 
Entre outros, verdadeira multidão de legisladores, magistrados, professores de Direito, promotores, defensores, advogados, comunicadores, sociólogos, assistentes sociais, políticos e religiosos corações moles como merengue da vovó – tagarelando sobre uma nova humanidade e uma nova sociedade, convergem esforços para obter esse efeito e clamam por desencarceramento.  
 
Escrevemos na Constituição que “todos somos iguais perante a lei”, mas umas vítimas são mais iguais que as outras. Desde que Marielle Franco morreu, a esquerda tenta empurrar seu cadáver para cima da direita. 
Não há o menor vestígio nem motivo que leve nessa direção, mas a conveniência política da esquerda faz o motivo, certo? 
“Como pode ela ser morta e a culpa não ser do adversário?”, fala a lógica desse tipo de política.

Pessoalmente, quero que todos os crimes sejam desvendados e os culpados apontados, julgados, condenados e cumpram pena, mas afirmando isso assim, genericamente, já estou desagradando a muitos. Para estes, querer prender os mandantes do crime contra a vereadora é uma coisa, mas querer presos todos os bandidos não dá porque “o Brasil prende demais”. Eles têm bandidos e vítimas de predileção.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Guerra Híbrida STF – O crime no Rio de Janeiro na era pós-ADPF 635

 Barricadas vão desde as mais simples, e de caráter transitório (que podem constar de montes lixo aos quais se ateia fogo, com móveis e carros atravessados nas vias), até as mais complexas, com pedaços de trilhos firmemente chumbados no chão e também blocos de concreto.

Um bom tempo já se passou desde que entraram em vigor as restrições determinadas pelo Supremo Tribunal Federal em relação às operações das forças de segurança cariocas em comunidades a não ser em casos ditos “absolutamente excepcionais”. 
Ao longo desse tempo, o crime organizado aproveitou esse hiato para “respirar” e reforçar seu controle sobre essas áreas
Para quem não tem ideia da quantidade de comunidades existentes no Rio de Janeiro e da quantidade de habitantes que elas abrigam, os números surpreender: o censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE indicou a existência de 793 favelas na cidade, onde vivia 22% da população, ou seja — na ocasião —cerca de 1.400.000 pessoas (sendo que, se considerada toda a região metropolitana, ou o chamado Grande Rio, esse total subiria para mais de 1.700.000 habitantes.

No entanto, um levantamento mais recente, de 2021, revelou uma significativa expansão na quantidade desse tipo de assentamento, indicando que o crime organizado atua em 1.413 comunidades no Rio (cerca de 12% do total de favelas existentes no país, sendo que, em números redondos, o tráfico domina 81% dessas áreas (a maior facção controla 828 favelas, a segunda atua em 238 e a terceira tem em suas mãos 69), ficando os restantes 19% na mão de milícias. Vale a pena ressaltar que muitas dessas favelas cresceram tanto que acabaram se unindo, formando os chamados “Complexos” (Alemão, Penha, Maré, Pedreira, Lins, etc.), compostos de várias comunidades. O Complexo do Alemão, por exemplo, é composto de 13 favelas, enquanto o da Penha — contíguo a ele — agrupa 15, e o da Maré engloba 17).

Esses números, porém, não devem ser considerados como definitivos, pois o “mapa” de quem domina quais áreas é por vezes submetido a mutações, em razão da disputa pelo controle de território. 
Sobre esse aspecto, é importante apontar que, para o crime organizado, a ação da polícia é diferenciada. 
Isso porque as forças de segurança realizam operações que não têm o objetivo de controlar territórios, ou seja: a polícia entra, cumpre sua missão (por exemplo: cumprir mandados de prisão) e sai. Via de Regra os criminosos resistem, mas há sempre a opção de retraírem caso se vejam em desvantagem, retornando ao local quando a polícia sair. 
 
Mas essas opções não existem quando se trata de incursões de outras facções ou da milícia, pois essas almejam expulsar seus adversários e assumir o controle físico de determinadas áreas, para aumentar sua presença, influência e lucro.  
A rivalidade entre esses grupos é extremamente exacerbada, e incluem pesados castigos a moradores que, por exemplo, se vistam com roupas que de alguma forma simbolizem grupos rivais, seja por suas cores ou estampas, ou sobre jovens que estejam de alguma forma se relacionando ou namorando com moradores de áreas consideradas como “inimigas”. Assim, esses confrontos, quando ocorrem, são de extrema violência.
 
Outra diferença importante é que as forças de segurança atuam dentro de regras de engajamento bem definidas, com normas explicitando quando pode ou não abrir fogo, etc. A polícia toma todos os cuidados possíveis para evitar vitimizar os moradores. 
Os criminosos, por sua vez, utilizam seu armamento sem qualquer preocupação sobre onde os projéteis irão parar ou o que irão atingir. Muitas das vítimas são atingidas pelas chamadas “balas perdidas” mesmo estando em suas casas, confiando que as paredes serão proteção suficiente — o que nem sempre acontece, pois munições de 5,56mm e 7,62mm podem perfurá-las, principalmente se os tijolos não estiverem recobertos por revestimento, como é o caso na maioria das vezes.

Quando ao argumento de que a polícia nem sempre segue as regras de engajamento, pode-se dizer que esses casos se configuram como exceções, e não são tão numerosas quanto a mídia pretende mostrar. Para a imprensa, invariavelmente, sempre que um morador de comunidade é atingido por uma “bala perdida”, a culpa é jogada sobre as forças de segurança. Além disso, muitas vezes as baixas entre os criminosos são apontadas como resultado de “massacres” ou “chacinas”, mesmo que nem tenha havido tempo hábil para algum tipo de investigação.

O domínio dos criminosos sobre as comunidades é muito forte, sendo exercido com mão de ferro. Por exemplo: uma ambulância só tem acesso a uma comunidade dominada para recolher um doente, ou um rabecão para apanhar um cadáver, ou a concessionária de energia elétrica para efetuar algum reparo, se sua entrada for autorizada pela facção dominante
Hoje em dia, a presença das UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), que experimentaram um período positivo quando de sua implantação, é — na maioria das comunidades onde estão instaladas meramente “tolerada” pelos criminosos, desde que “não façam marola”, ou seja, não incomodem as suas atividades.
 
A proibição das incursões policiais tem também grandemente favorecido um tipo de crime diferente do tráfico de drogas: trata-se do roubo de cargas. 
Frequentemente caminhões são abordados em estradas ou já no perímetro urbano e seus motoristas obrigados a desviarem seu trajeto, entrando em comunidades, onde a carga é retirada e armazenada, e o veículo é abandonado. 
Para angariar a simpatia dos moradores, às vezes é permitido que os mesmos retirem para si parte das cargas transportadas (as que não são do interesse dos criminosos que efetuaram o roubo, por falta de espaço de armazenamento ou por sua baixa lucratividade).

Além de disporem de farta munição (tanto que frequentemente atiram no modo automático, e não no semiautomático), e de normalmente em função de muitas das favelas se encontrarem em terrenos acidentados — ocuparem posições mais altas do que as forças de segurança (topos de escadarias, lajes, etc.), os criminosos contam com armamento igual ou muitas vezes mais potente que o dos policiais (é inquietante a descoberta de fuzis antimaterial, de calibre 12,7mm, em poder de grupos criminosos), conhecimento inigualável do terreno, “apoio” de parte dos moradores (em função de parentesco, amizades, ou ameaças) e muitas vezes de um certo grau de “imunidade” quando se trata da imprensa.

Uma pergunta recorrente toda vez que se trata desse assunto é: “Mas como as armas chegam às mãos dos traficantes e milicianos?”. 
Em recente entrevista concedida a um canal do YouTube, o delegado Fabrício Oliveira, que chefia a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, e que foi o primeiro titular da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos – DESARME, criada em 2017, declarou que foi constatado que a imensa maioria dessas armas provém do mercado negro de outros países, principalmente dos Estados Unidos, utilizando rotas marítimas, aéreas e terrestres (nesse último caso, via Paraguai)
 
Disse ainda que a grande maioria dessas armas são capazes de tiro automático (leia-se: armas que possam disparar em rajadas), um tipo de armamento que não é vendido para CACs (Caçadores, Atiradores Desportivos e Colecionadores), o que põe por terra o mito de que esse conceito explicaria a origem dos fuzis do crime. 
Revelou também que por vezes essas armas são passadas por empréstimos a outros grupos de criminosos para que esses executem grandes roubos ou invasões de território de rivais. 
Segundo ele, um estudo da Departamento Geral de Polícia Especializada estimou que, no Rio de Janeiro, havia 60.000 criminosos em liberdade (em comparação, existem aproximadamente 8.000 policiais civis, e cerca de 45.000 policiais militares, dos quais apenas metade trabalha nas ruas), e se considerarmos que possivelmente metade deles utilizem fuzis, o total desse tipo de armas no Rio poderia chegar a 30.000 unidades, quantidade imensamente superior aos cerca de 500 fuzis apreendidos pelas forças de segurança a cada ano, como em 2022. 
E isso sem considerar que, no Estado, há cerca de 51.000 presos ligados a facções criminosas.

Em resumo, poderíamos relacionar alguns dos principais efeitos da proibição de operações policiais em comunidades, sob o ponto de vista do autor, a maioria deles estabelecidos através de experiência pessoal:

  1. Aproveitando o “afrouxamento, o crime organizado procurou reforçar seu domínio sobre as áreas que atua, o que se reflete, por exemplo, no crescimento do número e da efetividade de barricadas; Estes obstáculos físicos à progressão de viaturas impedem o acesso de viaturas policiais ou “canalizam” seu progresso por vias intensamente batidas pelo fogo dos fora-da-lei.  
  2. Os tipos de barricadas vão desde as mais simples, e de caráter transitório (que podem constar de montes lixo aos quais se ateia fogo, com móveis e carros atravessados nas vias), até as mais complexas, com pedaços de trilhos firmemente chumbados no chão e também blocos de concreto. A remoção desse segundo tipo é muito difícil, e frequentemente exige máquinas como retroescavadeiras, etc., e mesmo assim nem sempre é possível sua retirada. De qualquer forma, a tropa embarcada tem sempre que desembarcar (para progredir ou até mesmo remover barricadas simples, compostas de móveis ou veículos atravessados na rua), e seus integrantes se convertem em alvos convidativos para os criminosos.
  3. Crescimento expressivo do Comando Vermelho – CV, a maior facção criminosa do Rio de Janeiro — as outras duas são a AdA (Amigos dos Amigos) e o TCP (Terceiro Comando Puro).
  4. Como já mencionado, aumento quantitativo e qualitativo do armamento nas mãos da criminalidade
  5. Presença acentuada, dentro das áreas dominadas pelo tráfico, de criminosos oriundos de outros estados e que aqui se sentem protegidos para permanecerem fora do alcance da Lei ou para continuarem comandando as ações em suas respectivas áreas. A Polícia Civil alegadamente já identificou a presença no Rio de centenas de criminosos provenientes de onze estados.
  6. Diminuição da participação da Polícia Federal – PF e da Polícia Rodoviária Federal – PRF em ações conjuntas com as forças de segurança cariocas.
  7. Embora o número de operações policiais em comunidades tenha sido drasticamente reduzido, a violência dos enfrentamentos, quando ocorrem, aumentou. Com o crime organizado fortalecido e mais fortemente posicionado em suascidadelas”, o nível da resistência oposta às forças de segurança cresceu. O Comando Vermelho, por exemplo, instruiu seus militantes a não abandonarem suas armas ou suas posições quando confrontados pela polícia ou grupos rivais, sob pena de punição severa, que pode incluir a morte. Isso faz com que o risco dedanos colaterais”, impostos à população das áreas conflagradas, aumente exponencialmente.
  8. Redução da participação da população das áreas dominadas no auxílio ao combate ao crime organizado, o que era feito principalmente através do Disque Denúncia, reportando a localização de esconderijos de indivíduos foragidos, ou informando locais onde havia grande quantidade de drogas ou de armas escondidas.
A solução desse complexo problema não é fácil nem rápida, e exige inúmeras providências em diversos segmentos da administração pública. Mas de uma coisa não se tem dúvida: a solução demanda um endurecimento da legislação, trazendo penas mais duras, que realmente possam ter um efeito desencorajador sobre aqueles que pensam em seguir o caminho do crime
Muitas vezes, um criminoso que é ativo no tráfico, porta fuzil, atira contra policiais, põe fogo em ônibus e, enfim, causa um sem número de problemas, recebe uma pena relativamente leve em comparação aos seus delitos e, portanto, em pouco tempo poderá ser libertado e retornar ao crime.
 

Ricardo Pereira

assuntosmilitares@assuntosmilitares.jor.br 
Especialista em Conflitos Urbanos
Especial para DefesaNet


terça-feira, 25 de abril de 2023

O espetáculo sinistro das ditaduras - Revista Oeste

Theodore Dalrymple

 Em sua visita à China, Lula participou do ritual de "subjugação ferrenha" de todos os tiranos


 Luiz Inácio Lula da Silva, na chegada a Xangai, na China (12/4/2023) | Foto: Ricardo Stucker/PR

Quando vi uma foto do líder chinês, Xi Jinping, oferecendo um aperto de mãos em sinal de boas-vindas ao presidente Lula durante sua visita oficial à China e abrindo um sorriso largo, confesso que pensei no poema de Lewis Carroll sobre o crocodilo:

Como ele parece sorrir alegremente,
Como abre as garras perfeitamente,
E recebe os peixinhos,
Com mandíbulas que sorriem gentis!


Mas o que mais chamou minha atenção na imagem foram as crianças ao fundo, empunhando bandeiras e sorrindo também, como se fosse a realização de um sonho receber o presidente do Brasil na China.

O uso de crianças para fins políticos me revolta, seja em manifestações em países democráticos, seja em recepções oficiais em ditaduras. Todos sabemos que Hitler adorava receber buquês de flores de crianças arianas, e Stalin também amava ganhar esses buquês de crianças cujos pais ele não hesitaria em enviar aos campos de concentração no dia seguinte. Ele às vezes agia com sentimentalismo, mas não era um sentimental. Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da República Popular da China, Xi Jinping | Foto: Ricardo Stucker/PR

Recepções oficiais em ditaduras têm, pelo menos para mim, um quê assustador. Certa vez senti que eu estava prestes a ser surrado até a morte com flores de plásticos de uma recepção oficial na Coreia do Norte.  
Centenas de mulheres da Guarda se enfileiraram segurando cravos vermelhos de plástico com que açoitaram o ar em perfeito uníssono na minha direção, para me dar as boas-vindas em uma visita “amigável”, supostamente informal, mas, como tudo na Coreia do Norte, cuidadosamente orquestrada.

Claro, as coisas não são tão drásticas na China contemporânea como eram nos tempos de Kim Il-sung (pouquíssimas coisas o são), mas ainda assim não gosto muito de recepções oficiais em ditaduras com a participação de crianças.

Refletindo um pouco sobre isso, acho que, se pelo menos as crianças chinesas soubessem onde fica o Brasil, ao passo que se fossem norte-americanas ou britânicas, elas não teriam conseguido localizar o país no mapa e talvez não soubessem nem encontrar seu próprio país. (Por outro lado, todas saberiam tudo sobre transexualidade.)

Mesmo absurdas e obviamente falsas, essas recepções oficiais têm um efeito profundo em pessoas já insufladas com sua própria importância e, portanto, que já acreditam ser merecedoras de tanta atenção e tanto enaltecimento. Dois exemplos me vêm à mente.

Não foi a primeira vez na história que essa coletivização teve efeitos econômicos desastrosos, mas é preciso lembrar que a escassez é uma ferramenta poderosa nas mãos da elite desses governos de partido único 

 O primeiro caso foi Nicolae Ceausescu, da Romênia. Um vídeo de sua visita oficial à Coreia do Norte está disponível no YouTube e é ao mesmo tempo hilário e aterrorizante. 

O homem que mais tarde seria chamado de “Danúbio do Pensamento” e cujo governo ficou conhecido oficialmente como “Era de Ouro” (enquanto a população fazia fila por horas para conseguir algumas batatas) é visto recebendo alegremente, sem hesitar, as boas-vindas grandiosas e orquestradas que foram preparadas para ele pelo homem que se tornaria presidente, não para o resto da vida — uma designação comum , mas presidente para a eternidade. (Até onde sei, Kim Il-sung é o único cadáver que também é chefe de Estado.)


Em um estádio, Ceausescu assistiu animadamente às fileiras de norte-coreanos passarem pelo ritual de levantar cartazes ao mesmo tempo para apresentar slogans elogiosos à Romênia socialista
Com ainda mais satisfação, na companhia de Kim Il-sung, ele assistiu a uma dança que era mais obrigatória que tradicional. 
E é preciso admitir que, na organização desses espetáculos fascistas-hollywoodianos, os norte-coreanos foram os melhores até agora; ninguém se compara a eles. 
 
Ceausescu ficou muito impressionado com tudo e, ao voltar para a Romênia, tentou imitar a Coreia do Norte. Não funcionou, porque os romenos são metade latinos, metade balcânicos — não coreanos —, e não têm o temperamento para essas exibições de subjugação ferrenha. 
O que não quer dizer que o esforço de imitar a Coreia do Norte, de tratar gatos como se fossem ovelhas, não tenha sido prejudicial nem desagradável, mas a ditadura de Ceausescu também foi ridícula. Imagine chamar Bolsonaro ou Lula de “Amazonas do Pensamento”.

Apenas figuras totalitárias conseguem inventar algo tão ridículo. Imagine chamar Trump ou Biden de “Mississippi do Pensamento”, Boris Johnson de “Tâmisa do Pensamento”, Macron de “Ródano do Pensamento”, Modi de “Ganges do Pensamento” ou Scholz de “Reno do Pensamento”. Existe um fundo quase inextinguível de absurdos na metáfora fluvial. Aliás, não há por que restringir as metáforas geográficas aos rios. Que tal Pinochet como oAtacama do Pensamento”, Gaddafi como o “Saara do Pensamento”, Mao como o “Gobi do Pensamento”?

A segunda ocasião de que tenho conhecimento de uma recepção oficial ter tido um efeito desastroso foi a de Julius Nyerere, da Tanzânia, à China quando Mao ainda estava vivo e no poder. De acordo com Oscar Kambona, o ministro de Relações Exteriores que rompeu com ele por causa da imposição de um governo de partido único na Tanzânia, Nyerere era bastante sensato até ir para a China, onde foi recebido por enormes multidões de adoradores forçados. Diferente de Kambona, que o acompanhou, ele viu a adoração, mas não a parte forçosa. No fim, descobrimos que ele mesmo era adepto dessa prática.  

Julius Nyerere (à esq.) e Mao Tsé-Tung (à dir.) | Foto: Reprodução/Redes sociais

Em nome da autenticidade camponesa-transformada-em-proletariado, ele usava um traje em estilo Mao e acreditava que a coletivização era ideal para a agricultura tanzaniana. 
Não foi a primeira vez na história que essa coletivização teve efeitos econômicos desastrosos, mas é preciso lembrar que a escassez é uma ferramenta poderosa nas mãos da elite desses governos de partido único. Eles conseguem manter a lealdade de milhões de pessoas oferecendo como privilégio praticamente qualquer commodity que esteja escassa, o que sob esses governos significa todas as commodities.

É curiosa a frequência com que líderes desses Estados totalitários são elogiados (isto é, na verdade, como eles elogiam a si mesmos) por seu comportamento modesto e estilo de vida. Mesmo vivendo em escala faraônica, eles são elogiados (e elogiam a si mesmos) como verdadeiros filhos do povo, como se uma origem modesta fosse uma prova contra qualquer ambição dominadora e gosto pelo luxo.

Uma das cenas de que vou me lembrar para sempre é de um cantor sentado no chão interpretando um refrão em homenagem a Nyerere. Como estava programado, Nyerere passou — isto é, foi conduzido — em sua Mercedes amarela. A estrada não era pavimentada, e as rodas do carro espirraram uma nuvem de poeira vermelha que cobriu o cantor com uma camada fina de terra. Na verdade, não foi engraçado, mas não consegui não rir. Ilustração: Shutterstock

 

Theodore Dalrymple, colunista - Revista Oeste

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Revista Oeste