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quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A vingança está planejada - Editorial - Gazeta do Povo

Na noite de domingo, já com a vitória confirmada, o presidente eleito Lula fez um discurso de conciliação. “A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra. Esse país precisa de paz e união, povo não quer mais brigar, cansado de chegar no outro inimigo, ser temido ou destruído. É hora de baixar armas”, afirmou. Mas, assim como em muitas outras ocasiões nas quais a prática desmentiu o discurso petista, o partido já demonstrou, antes mesmo do segundo turno, que “baixar armas” não é exatamente o plano do PT quando se trata daqueles que ousaram atrapalhar os esquemas montados pela legenda durante sua primeira passagem pelo Planalto.

“Na hora que o Deltan [Dallagnol] aparecer, vocês já caem de cacete em cima dele. Do [Sergio] Moro, a mesma coisa.” São palavras de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT condenado por seu envolvimento no petrolão, a Rui Falcão, ex-presidente da legenda e coordenador da comunicação da campanha de Lula à Presidência, segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo. 

De acordo com o jornal paulista, Vaccari preparou um dossiê com o objetivo de infernizar a vida do ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal e do ex-juiz federal responsável por condenar Lula no caso do tríplex do Guarujá (condenação depois anulada pelo Supremo Tribunal Federal) Dallagnol foi eleito deputado federal pelo Podemos, e Moro conquistou uma vaga no Senado pelo União Brasil.

O revanchismo, por certo, não deve parar em Moro e Dallagnol. O que é, por exemplo, a constante promessa de Lula de realizar a “regulação social da mídia” a não ser vingança contra o jornalismo que denunciou os desmandos petistas em um passado não muito distante?

Vaccari, esse “guerreiro do povo brasileiro”, afirmou a Falcão (ainda segundo o Estadão) que seu dossiê foi montado com material da chamada “Vaza Jato”, o circo midiático montado com a divulgação de diálogos atribuídos a Moro, Dallagnol e outros membros da força-tarefa, e cuja autenticidade jamais foi comprovada nem mesmo após perícias da Polícia Federal. Este conteúdo fazia parte da Operação Spoofing, que investigava o ataque hacker contra autoridades, e foi liberado pelo ministro Ricardo Lewandowski para acesso da defesa de Lula em dezembro de 2020, sob condição de que ele fosse mantido em sigilo. Em fevereiro de 2021, quando comentamos a decisão do plenário do STF que confirmou a liminar de Lewandowski, lembramos o alerta da subprocuradora Cláudia Sampaio: “O ex-presidente tem materiais relativos a opositores políticos”. Seria tão descabido assim, àquela época, imaginar que esse tipo de conteúdo acabaria nas mãos de quem jamais deveria ter acesso a ele?

O petismo e seus blogueiros chapa-branca não criaram a expressão “imprensa golpista” à toa. Por mais que hoje boa parte da classe jornalística tenha abraçado a candidatura de Lula, com maior ou menor entusiasmo, o petismo não quer correr o risco de ver a lua-de-mel se transformar rapidamente em divórcio litigioso

E que ninguém se engane, pois os petistas não escondem que seu modelo é o venezuelano ou o da Lei de Meios kirchnerista, em que os veículos de comunicação que não se curvam ao governo são sufocados – seja pelo estrangulamento rápido ou pela asfixia lenta.
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Ao petismo se aplica ao menos parte do que Charles Maurice de Talleyrand-Perigord disse sobre os Bourbon, que retomaram a coroa francesa após o fim do período bonapartista: “Não esqueceram nada”. O diplomata também afirmara que eles “não aprenderam nada”, mas é incerto que o veredito valha para o PT. 
Por mais que a “autocrítica” feita pelo partido após o impeachment de Dilma Rousseff tenha concluído que o PT perdeu o poder por não ter colocado cabresto na imprensa, no Ministério Público e nas Forças Armadas, mostrando completo desconhecimento das verdadeiras razões do impeachment, não há como dizer que o petismo não aprendeu com sua primeira passagem pelo Planalto. Eles sabem onde seu projeto de poder perpétuo “falhou” e não pretendem que isso se repita.
Editorial - Gazeta do Povo 
 
 

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A Revolução Permanente e o ativismo judicial - Revista Oeste

 Roberto Motta

Ao contrário do que pensa e prega essa elite, a noção de direitos humanos não começou na Revolução Francesa, apresentada como o ápice do desenvolvimento político e moral da humanidade 

Uma elite urbana de alta renda controla hoje o poder governamental, o poder corporativo e o discurso público na maior parte do planeta. Essa elite vive embriagada pelas piores partes do radicalismo da Revolução Francesa de 1789, e esqueceu, ou nunca conheceu, a Revolução Gloriosa de 1688 e a Revolução Americana de 1766.

Quadro que retrata a Revolução Gloriosa (1688), de Jan Hoynck van Papendrecht  | Foto: Wikimedia Commons

 Quadro que retrata a Revolução Gloriosa (1688), de Jan Hoynck van Papendrecht | Foto: Wikimedia Commons

Ao contrário do que pensa e prega essa elite, a noção de direitos humanos não começou na Revolução Francesa. As origens do conceito de direitos civis se perdem na história, e já estavam claramente presentes na tradição judaico-cristã.

A Magna Carta, apresentada pelos barões feudais ingleses ao rei João Sem Terra, em 1210, foi, na era moderna, provavelmente o primeiro documento a impor limites ao poder dos soberanos.

Os direitos dos cidadãos ingleses foram depois estabelecidos na Declaração de Direitos (Bill of Rights) escrita em 1689, durante a Revolução Gloriosa, que consolidou o poder do Parlamento. O documento, baseado nas ideias do filósofo John Locke, estabeleceu direitos civis básicos, confirmou os limites ao poder monárquico, garantiu eleições livres e liberdade de expressão.

Isso aconteceu em 1689 — exatos cem anos antes da Revolução Francesa. A Declaração de Direitos inglesa foi o modelo usado para redigir a Declaração de Direitos dos Estados Unidos de 1789 e a Declaração de Direitos Humanos da ONU de 1948. Mas o mundo parece que esqueceu.

A maioria de nós não aprendeu isso na escola. Nas aulas de história o foco é colocado, invariavelmente, na Revolução Francesa, apresentada como o ápice, ou a origem, do desenvolvimento filosófico, político e moral da humanidade. Na verdade, como disse a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, a revolução da França se pareceu mais com “uma sequência de expurgos, assassinatos em massa e guerra, tudo feito em nome de ideias abstratas formuladas por intelectuais vaidosos”.

Em vez de um evento único e homogêneo, a Revolução Francesa foi, na verdade, uma série de eventos nos quais grupos rivais — principalmente liberais e radicais — disputaram o controle do Estado francês, com diferentes vencedores em momentos diferentes, e onde os perdedores acabaram exilados ou até presos e mortos. A Revolução Francesa cortou a cabeça de milhares dos seus próprios criadores, e terminou na ditadura militar do general e imperador Napoleão Bonaparte — e, depois, vexame dos vexames, na restauração da monarquia.

Esses são os fatos. Apesar deles, ainda reina hegemônico o pensamento dos radicais revolucionários franceses, transfigurado pelo marxismo. Esse pensamento estabelece a primazia de uma suposta “igualdade” sobre todos os outros direitos, inclusive os direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Igualdade supostae entre aspas —, porque é apenas uma construção teórica revolucionária, ausente, na prática, de todos os projetos socialistas e comunistas da história, sem uma única exceção.

Há quem diga que são duas as ideias essenciais da Revolução Francesa, inspiradoras dos modernos projetos políticos totalitários. A primeira é o conceito de igualdade absoluta entre indivíduos, a ser imposta a ferro e fogo (e a guilhotina, fuzilamento e campos de concentração, se necessário).

A segunda herança da Revolução Francesa seria o estabelecimento do papel do Estado como regulador racional do comportamento, do pensamento e do discurso público. A vida privada desaparece dentro do Estado. É preciso lembrar que os revolucionários franceses mudaram os nomes dos meses e dos dias da semana, e estabeleceram até o Culto do Ser Supremo, uma nova religião estatal que deveria substituir o Cristianismo. Maximillien Robespierre, o líder dos jacobinos, a facção mais radical da revolução, foi nomeado como Sumo Sacerdote do culto. Um mês depois ele era guilhotinado.

Execução de Robespierre e seus apoiadores, em 1794 - 
 Foto: Domínio Público

Uma série de marcos históricos conecta a Revolução Francesa ao mundo moderno. O primeiro pode ser a Comuna” de Paris de 1871, quando, logo após a derrota da França na guerra contra a Prússia, um governo socialista radical tomou o controle da cidade e governou por três meses. Foi mais uma revolução para empilhar cadáveres e jogar cidadãos contra cidadãos. A Guarda Nacional enfrentou o Exército francês nas ruas da cidade, e a experiência serviu de inspiração para radicais de todo o mundo — incluindo um certo Vladimir Lenin.

Lenin lideraria a Revolução Russa de 1917. Em 1948 seria a vez de Mao liderar a Revolução Chinesa. Duas das maiores nações da Terra caíam sob regimes comunistas. Mas o comunismo, na prática, se revelou bem diferente do que pregara Marx. Em 1956, as denúncias do premiê soviético Nikita Kruschev sobre as atrocidades cometidas por Stalin desnudaram o caráter totalitário e criminoso do regime soviético, chocando militantes comunistas em todo o planeta.

Desse choque resultaria uma mudança de estratégia: abandona-se o projeto de revolução pelas armas em favor da ideia da revolução cultural, nascida do trabalho de Antônio Gramsci e promovida pela Escola de Frankfurt. Nas décadas seguintes, outros ativistas e ideólogos ampliam e disseminam a doutrina que ficaria conhecida como Gamscismo.

Saul Alinksy, nos Estados Unidos, ensinou aos militantes de esquerda suas Regras Para Radicais, explicando que “a questão nunca é a questão; a questão é sempre o poder”. Luigi Ferrajoli, na Itália, criou o garantismo penal, doutrina de desconstrução da justiça criminal através da dialética marxista que apresenta o criminoso como vítima da opressão capitalista que não merece que não pode — ser punido. Paulo Freire, no Brasil, inverte a lógica do sistema de ensino com a sua pedagogia do oprimido, que abandona o aprendizado em nome da mobilização para a revolução.

Consolida-se uma progressiva hegemonia da esquerda em áreas-chave da sociedade e do Estado, como a literatura, o teatro, as artes plásticas, a música, o cinema, a TV, as escolas públicas e privadas, as universidades e a justiça, especialmente a justiça criminal. Quase todo o discurso público passa a ser produzido ou controlado por um ecossistema político-midiático-cultural-acadêmico de orientação marxista.

Como explicou Olavo de Carvalho (a citação não é literal): a dominação é tão completa que se dissolve no ar e passa a ser imperceptível. É o novo normal: é o marxismo estrutural, parafraseando o grande Gustavo Maultasch.

O marxismo aplicado às questões étnicas virou a teoria crítica da raça“.  
O marxismo aplicado ao Direito virou o garantismo penal de Ferrajoli.  
O marxismo aplicado à sexualidade virou a ideologia de gênero. 
O marxismo aplicado à mídia virou o “combate à desinformação”. 
O marxismo aplicado à religião virou a teologia da libertação. 
O marxismo aplicado à educação virou a “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire.
 
É assim que estávamos no início do século 21 vivendo sob uma hegemonia marxista estrutural, total e já quase imperceptível —, quando três fenômenos quase simultâneos começaram a ocorrer. 
O primeiro foi tecnológico: a difusão da internet e o surgimento das redes sociais, catapultado pela popularização dos telefones celulares. 
De repente, todo mundo tinha opinião e todo mundo divulgava essa opinião para o restante do mundo
Uma tia do zap do interior de Goiás podia ter mais leitores em um post do que o alcance do editorial de um grande jornal.
 
O segundo fenômeno foi social: a retomada das ruas brasileiras pela população de bem, pelo cidadão comum, por famílias, idosos e crianças. Enquanto no restante da América Latina as ruas são vermelhas, dominadas por movimentos de extrema esquerda, as ruas no Brasil são verde-amarelas. 
Enquanto no Chile os manifestantes queimam igrejas e ônibus, no Brasil — desde 2014 — eles cantam o Hino Nacional, enrolam-se na bandeira e não jogam lixo no chão.
povo na rua - Sete de Setembro
Vista aérea da Avenida Paulista, em São Paulo, 
no 7 de Setembro de 2022 | Foto: ChoiceImages/Revista Oeste
O terceiro fenômeno, entrelaçado com esses dois, foi o renascimento da direita no Brasil. 
Esse renascimento começou timidamente, com a reorganização do liberalismo nacional, impulsionada por entidades como o Instituto Mises Brasil, o Instituto Liberal, o Instituto Millenium e o Instituto de Formação de Líderes, e editoras como LVM, Avis Rara e Vide Editorial. 
Em seguida, foi a vez de o conservadorismo brasileiro ressurgir com a criação de inúmeros grupos, como o Movimento Brasil Conservador, o Instituto Brasileiro Conservador e mais recentemente o Instituto Conserva Rio, e editoras como Opção C, Editora E.D.A e BKCC, entre muitas outras.

Liberais e conservadores perderam a vergonha de assumir sua posição política. A direita brasileira saiu do armário. Esses três fenômenos, juntos, tiveram várias consequências. A primeira foi um inédito desafio ao poder vigente, que perdeu o monopólio do discurso e da comunicação de massa

É difícil imaginar essa operação acontecendo em um mundo onde o acesso à informação é controlado e o sentimento da sociedade não pode ser percebido instantaneamente

A Operação Lava Jato foi outra consequência. É difícil imaginar essa operação acontecendo em um mundo onde o acesso à informação é controlado e o sentimento da sociedade não pode ser percebido instantaneamente. 
Isso, inclusive, explica o que foi chamado por alguns críticos de “espetacularização” das investigações — na verdade o que se viu, talvez pela primeira vez na história brasileira, foi uma preocupação das autoridades em dar satisfações à sociedade sobre o seu trabalho. Nada mais natural e republicano do que tentar corresponder aos anseios dos cidadãos.

O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a prisão e as condenações de Luiz Inácio foram consequências diretas da mobilização da sociedade, organizada nas redes e expressa em manifestações de rua cada vez maiores, coordenadas pelas redes sociais e pelo WhatsApp. Outra consequência foi a popularização da política: hoje é mais provável que o brasileiro saiba a composição do STF do que a escalação da Seleção de futebol — um fenômeno inimaginável há poucos anos.

Por último, a consequência mais impressionante e de maior impacto: a decadência, em praça pública, da grande mídia, que entrou em uma espiral mortal de perda de credibilidade, audiência e receita. O lugar vazio foi preenchido pela ascensão de uma mídia “alternativa”, liderada tanto por jornalistas de renome quanto por cidadãos comuns, que descobriram em si o interesse e a capacidade para o trabalho jornalístico.

Esses cidadãos comuns — chamados pejorativamente de blogueiros — somos todos nós. Pela primeira vez na história podemos nos comunicar diretamente, sem a mediação obrigatória de veículos de imprensa ou de autoridades acadêmicas. Tudo isso gerou uma forte reação do sistema — ou establishment, mecanismo, estamento burocrático ou globalistas —, chame como quiser. Essa reação tomou diversas formas.

A censura foi ressuscitada, agora de banho tomado, fofa e perfumada, sob os nomes politicamente corretos de “checagem de fatos” e “combate à desinformação”. Qualquer publicação que não tenha sido feita por um veículo da grande mídiapor uma mídia de esquerda, para ser mais preciso corre o risco de ser classificada como “fake news”.

Políticos de oposição mandaram os escrúpulos às favas e mergulharam na exploração da pandemia para ganhos político-eleitorais. Bom senso e responsabilidade cederam lugar a uma busca desesperada por “protagonismo vacinal”, e pelo primeiro lugar em uma competição nacional para descobrir quem cometeria a violação mais grave dos direitos civis da população: transportes públicos foram cancelados, portas de lojas foram soldadas, pessoas foram presas e agredidas apenas por andar na rua, frequentar praças ou, no Rio de Janeiro — isso eu mesmo testemunhei — pelo crime de dar um mergulho no mar.

Um inédito “consórcio de veículos de imprensa” foi formado para garantir o monopólio midiático em torno de uma mesma narrativa de terror sanitário. 
Ativistas políticos disfarçados de jornalistas — filhos do casamento ideológico de Paulo Freire com Stalin — iniciaram uma guerra pela disseminação de verdades “científicas” que dispensavam a ciência e demonizavam qualquer contraditório. Sou pela vidavirou o grito de guerra dos jacobinos mascarados.
A mistura tóxica de ideologia, desespero eleitoral e corrupção intelectual levou ao “fique em casa” totalitário, repaginado agora, em 2022, como “fique em casa, se puder”. 
Os ideólogos que operam dentro do sistema de justiça criminal usaram a oportunidade para soltar mais de 60 mil criminosos que estavam presos em todo o país, para preservá-los da pandemia — e ainda conseguiram uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinando a suspensão de operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro — supostamente para não atrapalhar as medidas sanitárias. A suspensão vigora até hoje.

E o absurdo maior de todos, para o qual, um dia, haverá de ser instalado um tribunal especial de crimes contra a humanidade: o fechamento das escolas. Um ato insensato, anticientífico e ideológico que significou, para várias gerações de crianças e adolescentes, a condenação a uma vida de ignorância, pobreza, vício, crime e dependência do Estado.

Ao mesmo tempo em que tudo isso ocorria, o sistema colocava em ação outra estratégia: o ativismo judicial. Não é necessário detalhar a trajetória recente do ativismo judicial no Brasil
Isso já foi explicado em livros espetaculares, como:
-   O Inquérito do Fim do MundoSereis Como Deuses: o STF e a Subversão da Justiça, Suprema Desordem: Juristocracia e Estado de Exceção no Brasil e Guerra à Polícia: Reflexões Sobre a ADPF 635, todos da excelente Editora E.D.A.

Como alertou o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux em seu discurso de posse:

“…alguns grupos de poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões acabam por permitir a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário, instando os juízes a plasmarem provimentos judiciais sobre temas que demandam debate em outras arenas.

Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no Parlamento”.

Os tribunais passaram a receber demandas que não envolvem interpretação jurídica, mas apenas decisões políticas. Decisões políticas são o domínio de políticos; o domínio dos tribunais é a aplicação das leis em nome da justiça. [domínio que não inclui, nem fundamenta, a intromissão do Poder Judiciário nos demais poderes, incluindo pretensões legislativa via 'interpretações criativas'.]

O ativismo judicial é uma violação da autonomia e da independência dos Poderes republicanos
Ele é parte da reação de um sistema acostumado durante muito tempo ao poder quase absoluto. 
Esse sistema se recusa a aceitar uma forma de expressão e organização política que dispense a mediação da diminuta elite urbana.

Uma elite que dá mais valor às opiniões de alguns servidores do Judiciário do que aos votos de 58 milhões de pessoas e que se embriaga de radicalismo chique, esquecendo-se de um detalhe importante: depois de toda a embriaguez, vem a ressaca.

Leia também “Uma coleção de apetites”

Roberto Motta, colunista - Revista Oeste

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Imprensa em campanha - Revista Oeste

Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

Na terça-feira 7, leitores dos principais jornais impressos ou os que navegam por grandes portais de notícias toparam com a novidade: uma tarja preta no alto das páginas com os dizeres “Dia Nacional da Liberdade de Imprensa — Uma campanha em defesa do jornalismo profissional”. Mais uma ideia do “consórcio” um aleijão jornalístico que, durante a pandemia de coronavírus, unificou o noticiário e as opiniões dos principais veículos de comunicação.

A efeméride era o que menos importava nessa campanha. Nenhum jornal ou emissora de TV jamais celebrou esse dia. A data nunca foi lembrada nas salas das faculdades de jornalismo. 
A comemoração insincera não passava de outra provocação ao presidente Jair Bolsonaro, alvo da maior perseguição coletiva registrada nas redações desde o violento antagonismo que levaria Getúlio Vargas ao suicídio. [inclusive, jornalistas da velha imprensa, da mídia militante,   sugeriram ao presidente Bolsonaro que se suicidasse e um desejou que morresse.]

Também foi um ataque aos novos produtores de conteúdo que hoje predominam nas redes sociais e deixaram a velha imprensa para trás: os “blogueiros” — como são chamados pejorativamente. A perda de mercado publicitário em novas plataformas perturba os ex-gigantes da imprensa, que não sabem como reverter o quadro. Daí a soberba na frase: “Em defesa do jornalismo profissional”.

A abertura do Jornal Nacional, da TV Globo, naquela terça-feira foi um retrato de como os jornalistas vivem num mundo paralelo. 
Heraldo Pereira e Renata Vasconcellos ficaram em silêncio durante um minuto. 
Não anunciaram a tradicional escalada de manchetes e entreolharam-se duas vezes. Parte do público certamente não entendeu nada. Provavelmente, alguns telespectadores tentaram, sem sucesso, aumentar o volume do televisor.

Para o brasileiro que não frequenta redações, aquilo não fez o menor sentido. Mas, para os editores da Globo, o intuito era comover colegas de profissão — e tentar irritar Jair Bolsonaro.

“Despiora”
Depois de toda a histeria com as manchetes de festim da covid, tem chamado a atenção o malabarismo da imprensa com o noticiário econômico. 
O país reagiu com resiliência ao lockdown político de governantes determinados a sangrar o governo federal. O fôlego da economia surpreendeu bancos e consultorias de investimentos, e, apesar dos prognósticos dos especialistas de redação, não houve a anunciada recessão. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1% e deve chegar a 2% em dezembro
Esse número pode ser ainda melhor, porque houve reaquecimento da indústria; depois de um período de falta de insumos chineses, o setor de serviços está a todo vapor e o agronegócio espera por uma safra boa nos próximos meses.

Outro dado importante: o desemprego caiu e o volume de empregos com carteira assinada está aumentando foram 200 mil contratações em abril. As contas públicas também estão em ordem: o superávit primário foi de R$ 39 bilhões até abril. Segundo o Banco Central, o saldo positivo em 12 meses foi de R$ 138 bilhões — 1,5% do PIB. 

São números que mostram resistência ante a inflação galopante, um drama global pós-pandemia e uma guerra em curso na Europa há três meses.É aí que começa o festival de conjunções adversativas que precede algo desagradável. Tornou-se quase impossível encontrar uma manchete sem “mas”, “porém”, “entretanto”. Surgem aberrações como “despiora” da economia e a tristeza no semblante da apresentadora da CNN ao comunicar que, “infelizmente, vamos falar de notícia boa”.

A politização da morte
Durante dois anos, os jornais estamparam nas primeiras páginas os números de mortos pela covid e destacaram o que havia de mais mortal no vírus chinês. Em nenhum outro país do mundo o presidente da República foi responsabilizado pelas mortes decorrentes da pandemia de coronavírus.  
No Brasil, o jornalismo de necrotério colocou na conta de Bolsonaro os mais de 600 mil mortos. Nessa época, o adjetivo genocida foi acrescentado aos já usados fascista, racista, misógino e homofóbico, fora o resto.
Com o arrefecimento da pandemia, os veículos de comunicação saíram em busca de novas acusações. 
O presidente foi acusado pelas secas no Sul, pelas enchentes no Nordeste, pela alta no preço dos combustíveis, pela chegada da varíola dos macacos, pela teimosia da Ômicron, pelo que não deu certo na Cúpula das Américas e pela pobreza e pela fome que nunca abandonaram o país.

A mais recente acusação responsabilizou o chefe do Executivo pela morte do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira, assassinados por praticantes da pesca ilegal numa reserva indígena da Amazônia. Mesmo quando o caso foi solucionado, os jornais continuaram a insinuar que Bolsonaro era o culpado pelo crime.

Desde sempre a Amazônia sofre com o narcotráfico e tem a presença de garimpeiros e pescadores ilegais. Como lembrou Rodrigo Constantino nesta edição de Oeste, “quando a missionária Dorothy Stang foi morta, com sete tiros, em 2005, ninguém achou prudente culpar o então presidente Lula pelo episódio”.

Indulto a Lula
Em maio, a edição 112 de Oeste relembrou o memorial de escândalos que marcou a era petista no Palácio do Planalto
 Não é exagero afirmar que nunca se roubou tanto dos cofres públicos. 
A reportagem citava personagens que um eleitor de 16 anos, apto a votar pela primeira vez em outubro, não conheceu. Mas os jornalistas sabem — ou têm a obrigação de saber — quem são esses personagens do submundo do poder: Delúbio Soares, Marcos Valério, João Vaccari Neto, Pedro Barusco, Nestor Cerveró, Renato Duque e tantos outros.

Na quarta-feira 15, a Folha publicou em seu site uma reportagem que tentava explicar por que Lula era inocente sem ter sido inocentado

Como pode um articulista que assistiu a horas de depoimentos da CPI dos Correios aceitar a volta de Lula e do PT ao poder? 
Como é possível um jornalista que acompanhou sete anos e 79 fases da Operação Lava Jato aceitar que o grupo condenado por formação de quadrilha retorne à cena do crime? 
Qual a lógica em defender a liberdade de imprensa e apoiar um candidato que promete censurar os meios de comunicação em seu programa de governo?
 
Há duas possibilidades de respostas: 
1) os jornais, as rádios e as TVs viveram mais de uma década de bonança com as verbas de publicidade da Secretaria de Comunicação da Presidência repassadas por Lula e Dilma Rousseff; 
2) #EleNão — o discurso de que Bolsonaro não pode exercer a Presidência da República simplesmente porque os jornalistas não gostam do jeito dele.

A aversão ao presidente nas redações é tamanha que o termo “bolsonarista” é usado como uma espécie de xingamento. Por exemplo: o deputado condenado é “bolsonarista”, o empresário, o blogueiro, o cineasta cujo filme o crítico não aprova etc. Não há arquivo de textos da velha imprensa citando empresários “lulistas” ou banqueiros “dilmistas”.

Na quarta-feira 15, a Folha publicou em seu site uma reportagem que tentava explicar por que Lula era inocente sem ter sido inocentado. “Lula é inocente? Sim. Não há nenhuma sentença válida atualmente contra o ex-presidente.” Segundo o palavrório, o ex-presidente chegou a ser condenado pelo então juiz Sergio Moro e por Tribunais Superiores na Operação Lava Jato, mas os processos foram anulados pelo STF. O jornal avisa que se amparou em “razões técnicas”: 1) “a parcialidade de Moro para punir o petista”; 2) “as causas deveriam ter tramitado no Distrito Federal, não no Paraná”.

O parágrafo seguinte pergunta e responde: “Lula foi inocentado? Não. Nos principais casos contra o ex-presidente e na acepção mais comum da palavra ‘inocentado’, que corresponde a absolvido, não é correto empregar o termo para se referir à situação de Lula”.

Como observou o jornalista J.R. Guzzo nesta edição de Oeste, sempre que você ler no jornal ou ouvir na televisão algo que não entende, ou que lhe parece uma cretinice, fique tranquilo — é você quem está com a razão, e não eles.

Em maio deste ano, a revista Piauí foi ainda mais explícita na campanha pelo ex-presidente. “Quando anoitecer será tarde demais para descobrir que Jair Bolsonaro cortou a energia da democracia e mergulhou o país na escuridão do autoritarismo”, afirma o texto de abertura. Depois de reconhecer que existem apenas dois candidatos com chances de ganhar as eleições, o articulista conclui que, “se ganhar, Bolsonaro não convidará seus adversários para a noite de autógrafos”. São quase 1,4 mil palavras. Não há uma única explicação para que a redação da Piauí enxergue em Bolsonaro o carrasco da democracia.

Pesquisa do dia
Outro fenômeno desta eleição é a multiplicação de pesquisas eleitorais — algo jamais visto no noticiário. São vários levantamentos semanais, feitos por institutos de todas as partes do país, alguns deles absolutamente desconhecidos, financiados por bancos, consultorias, corretoras do mercado financeiro, empresas de comunicação e até do ramo imobiliário. Os registros são feitos praticamente todos os dias no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na quarta-feira 8, havia mais de cem pesquisas registradas em seis meses.

Se no passado esses resultados eram guardados a sete chaves por jornais e emissoras de televisão até o horário nobre para ser divulgados, hoje são publicados a qualquer hora do dia nas redes sociais. Tampouco são exclusivos para os jornalistas — clientes de bancos e consultorias, por exemplo, recebem os números via WhatsApp ou conta de e-mail, de acordo com o seu perfil.

A quantidade de números é tamanha que o UOL criou um “selo de qualidade”. O portal considera confiáveis, por exemplo, as pesquisas do Datafolha, que faz parte do mesmo grupo empresarial. O jornal O Estado de S. Paulo fez pior: inventou o que foi batizado de “agregador” de pesquisas. É uma espécie de liquidificador das diversas sondagens realizadas em determinado período. Feita a mistura, chega-se a um número mágico. Em seis meses, foram trituradas 60 pesquisas de 14 institutos.

Tudo somado, fica evidente que Lula seria eleito no primeiro turno se a eleição fosse hoje. O problema é que está marcada para outubro. Caso ocorra o contrário, os fabricantes de porcentagens dirão que pesquisa é um retrato do momento. Sairão de cena por alguns meses para retomar a sequência de erros grosseiros na eleição seguinte.

Leia também “O golpe que nunca existiu”

Branca Nunes - Silvio Navarro, colunistas - Revista Oeste


quinta-feira, 16 de junho de 2022

O antibolsonarismo psicótico e o monstro da juristocracia - VOZES

Flavio Gordon 
 
No último sábado, 11 de junho, o jornalista Allan dos Santos, exilado nos EUA desde 2020, esteve presente na motociata organizada em Orlando por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, então em viagem ao país para participar da Cúpula das Américas. 
Em sua 12.ª conta no Instagram – pois as anteriores foram censuradas por ordem judicial –, Allan publicou um vídeo desafiando o ministro Alexandre de Moraes, que, ávido por vingança, move contra o jornalista uma implacável perseguição de natureza não apenas política como pessoal. “O Xandão não queria que eu participasse de motociata no Brasil. E aí o que Deus faz? Traz a motociata pra cá”, ironizou o fundador do portal Terça Livre.
Bolsonaro durante motociata realizada em Orlando, na Flórida (EUA), no último dia 11.

Bolsonaro durante motociata realizada em Orlando, na Flórida (EUA), no último dia 11. -  Foto: Alan Santos/Presidência da República
 
Agindo sempre como lavanderia do STF, e firmemente imbuída da missão de prejudicar Bolsonaro “fingindo fazer jornalismo” (como admitiu em 2018 Fernando de Barros e Silva, então diretor de redação da revista Piauí), a autoproclamada imprensa “profissional” – do tipo que trata pejorativamente por “blogueiros” os novos concorrentes surgidos com a internet – pareceu mais furibunda que o próprio Moraes. 
Diante do ocorrido, dedicou-se à prática de seu esporte preferido, numa jogada ensaiada que tem se repetido à exaustão: a estigmatização estratégica dos alvos políticos da corte antibolsonarista, de modo a legitimar toda e qualquer ação perpetrada contra eles pela militância togada.
Foi então que Allan dos Santos passou a ser invariavelmente descrito como foragido” da Justiça, uma pessoa cuja presença na motociata comprometeria o presidente da República. Ilustrativo dessa postura foram, por exemplo, os textos que Josias de Souza publicou em sua coluna no UOL. Num deles, intitulado “Allan dos Santos une Biden e Bolsonaro na cruzada de desmoralização do STF”, o blogueiro antibolsonarista (viu como é bom, Josias?) repreende o presidente americano por permitir que Allan permaneça “na vizinhança do Mickey Mouse sem ser incomodado”. Em seguida, confronta-o com a alternativa entre conceder asilo político ao jornalista brasileiro ou enviar o “fugitivo” para uma cadeia no Brasil. Se Biden nada fizer, diz o blogueiro do UOL, isso só pode significar uma adesão sua “à cruzada de Bolsonaro para desmoralizar o Supremo, o TSE e Moraes”. Como se vê, a gravidade da síndrome do antibolsonarismo psicótico não deve ser subestimada. 

 

O esporte preferido da autoproclamada imprensa “profissional” tem sido a estigmatização estratégica dos alvos políticos da corte antibolsonarista, de modo a legitimar toda e qualquer ação perpetrada contra eles pela militância togada

Mas Josias de Souza não se limitou a pressionar o presidente americano a juntar-se à causa antibolsonarista. Noutro artigo, resolveu também dar um ultimato aos militares brasileiros, impondo-lhes um prazo de quatro meses para “optar entre a Constituição e Bolsonaro”. A tese do articulista é que, ao pôr em dúvida o sistema eleitoral brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro prepara um golpe de Estado, e que, ao ecoar “as críticas infundadas do presidente às urnas”, as Forças Armadas estariam embarcando na aventura golpista.

A exemplo de Josias de Souza que, antes de ser pautado pela psicose antibolsonarista, chegava até a manifestar razoável preocupação com o crescente autoritarismo do STF, também Vera Magalhães exasperou-se diante das imagens de Allan dos Santos na motociata. “Evento do presidente da República no exterior com um foragido da Justiça posando para selfies. Chegamos a mais este ponto” tuitou a ferrenha antibolsonarista. [A jornalista Vera deve ter tido severo ataque no seu equilíbrio emocional, quando leu que no jornal O Globo, no qual se encontra prestando serviços,  Editorial,expressando preocupação com o ativismo do Supremo.] E, de modo geral, foi assim que o grosso da imprensa tratou o colega de profissão politicamente não alinhado: como um criminoso de alta periculosidade, um “foragido da Justiça”. Simples assim.

Mas essa é mais uma das tantas mentiras repetidas pela blogosfera antibolsonarista, ambiente que inclui a maioria dos veículos da imprensa autoproclamada “profissional”. Em primeiro lugar, a fim de estigmatizá-lo como “foragido”, essa imprensa precisou inverter a ordem temporal dos fatos, como se Allan tivesse viajado aos EUA depois de decretada a prisão preventiva, com o objetivo calculado de fugir da cadeia. Na verdade, Allan já estava nos EUA quando Alexandre de Moraes determinou a prisão, tanto que a ordem foi acompanhada de um risível pedido de extradição para o Brasil, obviamente ignorado pelas autoridades americanas, já que nada do que fez o jornalista exilado consta como crime no tratado de extradição assinado entre os dois países (e, de resto, tampouco na legislação brasileira, hoje substituída pela vontade dos ministros supremos).

Pior ainda, os blogueiros antibolsonaristas jamais mencionam o fato de que o decreto de prisão – bem como todas as demais medidas de força tomadas contra o jornalista e a sua empresa – tem um vício insanável de origem, pois decorre de um inquérito ilegal: o de número 4.781, conhecido como “inquérito das fake news e, graças justamente às suas ilegalidades, apelidado pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello de “inquérito do fim do mundo”.  
Que o inquérito é ilegal não é difícil de constatar. Se mesmo um leigo (como eu) consegue notar a aberração de um inquérito aberto pela autoproclamada vítima, que assume também as funções da promotor e juiz, o que dizer dos juristas honestos, obviamente horrorizados com tamanha teratologia jurídica? (Sobre o assunto, aliás, recomendo o livro O Inquérito do Fim do Mundo, em especial os capítulos 2 e 3, nos quais a juíza Ludmila Lins Grilo e o procurador de Justiça Marcelo Rocha Monteiro, respectivamente, expõem didaticamente as muitas ilegalidades do inquérito).

Cabe lembrar que, um mês após a sua abertura por Dias Toffoli, a então procuradora-geral Raquel Dodge determinou o arquivamento do inquérito, alegando que o procedimento violava o devido processo legal e o sistema penal acusatório consagrado na Constituição de 1988, segundo o qual o Ministério Público é titular exclusivo da ação penal. Sendo assim, o inquérito jamais poderia ter sido aberto de ofício (sem provocação) pelo STF. “O sistema penal acusatório é uma conquista antiga das principais nações civilizadas, foi adotado no Brasil há apenas 30 anos, em outros países de nossa região há menos tempo e muitos países almejam esta melhoria jurídica. Desta conquista histórica não podemos abrir mão, porque ela fortalece a justiça penal” – observava Dodge em sua manifestação pelo arquivamento, uma prerrogativa exclusiva do Ministério Público. Contudo, como se sabe, a ordem de arquivamento foi ignorada por Alexandre de Moraes, relator do inquérito.

Recorde-se também que, na qualidade de titular da ação penal, a PGR manifestou-se contrariamente à prisão do fundador do Terça Livre. E, mais uma vez, a manifestação foi ignorada por Alexandre de Moraes. Tendo, pois, começado ilegalmente, o inquérito assim prossegue até hoje, estendendo-se de modo indefinido, a fim de servir de instrumento de intimidação e perseguição política, tal como a que sofre Allan dos Santos.

Os militantes de redação estão sendo forçados a contorcionismos cada vez mais dramáticos para sustentar a mentira e manter a pose de bastiões de uma “democracia” marcada por censura, presos políticos e exilados

Ademais de reiteradamente estendido em termos de prazo, o inquérito do fim do mundoe outros que lhe são correlatos, como o “inquérito das milícias digitais” (outrora “inquérito dos atos antidemocráticos”) baseia-se em acusações estrategicamente genéricas e subjetivas, a maioria das quais referentes a crimes nem sequer tipificados em lei, e instituídos a golpes de retórica chinfrim. 
Foi nesse terreno, aliás, que a imprensa autoproclamada “profissional” desempenhou um papel crucial, agindo quase que em parceria com o STF, ao criar e repetir incessantemente os estigmas (“blogueiro bolsonarista”, “miliciano digital”, “disseminador de fake news”, “antidemocrático” etc.) com que, na ausência de qualquer materialidade delituosa, os inquéritos têm sido bizarramente fundamentados.

STF e imprensa “profissional” têm sabido explorar bem essa mutualidade de matriz antibolsonarista mútuo, cada qual visando aos seus interesses próprios. Por um lado, os supremos inquisidores (agentes de um sistema inquisitório, e não mais acusatório) apoiam-se na narrativa midiática para dar ares de legalidade e legitimidade à perseguição política contra os estigmatizados, confiantes de que, aos olhos da opinião pública formatada pelo establishment midiático, os “bolsonaristas” são cidadão de segunda classe, párias sociais contra os quais passa a valer tudo. Por outro, ao colar o rótulo de “bolsonarista” em quem bem entenda (e, para ser bolsonarista, basta não ser antibolsonarista), essa imprensa consegue indicar aos inquisidores os alvos a serem incluídos nos inquéritos.

Ao caracterizar Allan dos Santos como “blogueiro bolsonarista”, por exemplo, o objetivo é privar-lhe das garantias legais entre elas a do sigilo de fontereservadas aos jornalistas, um procedimento que até mesmo o esquerdista Glenn Greenwald, desafeto de Allan, julgou temerário. A imprensa “profissional” faz isso por razões tanto de ordem político-ideológica, por ser majoritariamente formada por militantes de esquerda, quanto de ordem mercantil-monopolista, para esmagar a concorrência, livrando-se de novos veículos como o Terça Livre, que, até ser fechado por obra de Alexandre de Moraes, tinha mais audiência que boa parte dos meios de comunicação tradicionais.

É claro que, conquanto circunstancialmente interessante, a parceria com o poder absoluto acaba legando a essa mesma imprensa um fardo difícil de carregar no longo prazo, sobretudo na medida em que os abusos de autoridade vão se tornando mais escandalosos e menos legitimáveis, forçando os militantes de redação a contorcionismos cada vez mais dramáticos para sustentar a mentira e manter a pose de bastiões de uma democracia” marcada por censura, presos políticos e exilados. A percepção incipiente desse fardo talvez explique, por exemplo, o ambíguo editorial que O Globo publicou hoje, 15 de junho.

Com o título “Ativismo do STF representa risco preocupante”, o texto principia por negar qualquer fundamento às críticas de Bolsonaro à corte, apenas para, em seguida, apontar a politização do STF ou o jogo “fora das quatro linhas da Constituição”, como costuma dizer o presidente – como um risco à democracia. A Corte, que deveria manter-se equidistante e alheia às paixões, parece a cada dia mais contaminada pelo noticiário, como se devesse prestar contas à opinião pública, não à lei ou à Constituição” – escreve o editorialista.

Terá sido um surto de má consciência de O Globo? Não sei. Sei que, apesar de tardia, a preocupação da imprensa “profissional” com a contaminação do STF pelo noticiário seria deveras salutar caso viesse acompanhada do interesse complementar pela contaminação do noticiário pelo antibolsonarismo da corte. Como não vem, resta a impressão de que o inusitado editorial de O Globo, antes que expressão de um zelo sincero pelo bom funcionamento das instituições republicanas, revela um desejo de apagar as pistas da participação do jornal na criação do monstro, no exato instante em que, com apetite cada vez mais incontrolável, a criatura ameaça estender seus tentáculos para além do bolsonarismo, até então o solitário boi de piranha da juristocracia que se agiganta sobre a nação.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
 
Flavio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

sábado, 23 de outubro de 2021

Não vou mais criticar o STF - Rodrigo Constantino

Revista Oeste

Vivemos num estado policialesco, numa “ditadura da toga”. Não há mais império das leis, até porque as leis podem ser inventadas do nada  

O recado foi dado. E compreendido. Há crime de opinião em nosso país. Grupos em redes sociais podem virar “milícias virtuais” perigosas se algum ministro supremo assim entender. Até mesmo um jornalista pode ser preso se subir o tom nas críticas contra o arbítrio do STF
Caso ele tenha ido para um país mais livre, com receio desse tipo de perseguição, isso poderá ser encarado como fuga da Justiça, e um pedido para extraditar o “fugitivo” será acatado pela Corte Suprema, apesar de a PGR discordar.

Traduzindo de forma direta, vivemos num estado policialesco, numa “ditadura da toga”. Não há mais Estado Democrático de Direito, império das leis, até porque as leis podem ser inventadas do nada. Não há, afinal, crime de opinião em nosso sistema, tampouco o de espalhar fake news — sabe-se lá por quem definidas essas mentiras. Logo, a lei hoje é aquilo que Alexandre determina. E o tucano não gosta muito de “bolsonaristas”. Conta com a cumplicidade da imprensa para persegui-los em paz, inclusive jornalistas, que serão chamados de “blogueiros” para não despertar a necessidade de uma reação das entidades de classe.

A corda não foi esticada; ela já arrebentou. Aquela conversa entre Bolsonaro e o ministro não foi um apaziguamento, mas uma rendição, pelo visto. E isso depois de milhões tomarem as ruas justamente para defender a liberdade, a Constituição. Foi um rugido forte, de um leão acuado. Mas foi só barulho. A montanha pariu um rato. O lado de lá continuou avançando, e subindo o sarrafo. 
Mudou de patamar, escolheu alvos mais relevantes, demonstrou todo o seu poder ilimitado. Ninguém mais está seguro, ao menos não quem enxerga graves defeitos na postura do atual STF.

Vou escrever sobre música, sobre culinária, sobre alienígenas

E o pior de tudo é ver a turma “liberal” aplaudindo, por não gostar do jornalista alvo do pedido bizarro de prisão. Essa gente não tem princípios, e não se dá conta de que a arma sem freios que hoje mira em seus adversários amanhã poderá se voltar contra qualquer um. O ambiente é tóxico, e a tática está produzindo o efeito desejado: aqueles independentes começam a praticar a autocensura, com medo das consequências de uma crítica mais dura.

Falo por mim. Muitos leitores elogiam minha coragem, mas não tenho vocação para mártir. Está claro que o arbítrio supremo não tem limites, e que ninguém tem como parar o homem. É por isso que decidi não mais criticar o STF. 
Está claro que se trata de um tribunal de exceção, de uma corte política, não constitucional. Impossibilitado de saber a priori o que configura crime ou não, já que não tenho como me calcar na Constituição ou no Código Penal, prefiro então simplesmente encerrar qualquer análise sobre o Supremo. Vou escrever sobre música, sobre culinária, sobre alienígenas.
 
Resolvo também só chamar os ministros de vossas excelências, ou mesmo deuses, se eles assim preferirem
Reconheço em Alexandre uma figura acima do bem e do mal, das leis, da Constituição. Admito sua vitória absoluta, assim como seu poder absoluto.  
E é por essa razão que comunico ao todo-poderoso que, a partir de hoje, ele tem total controle sobre a minha vida. 
Se Alexandre decidir que devo me tornar um vegano, adeus carne. 
Se Alexandre resolver que é para eu ser abstêmio, adeus vinho. 
Posso até ver o copo meio cheio: ao menos vou perder uns quilos…
 
Estou numa peregrinação espiritual que vem me aproximando mais de Deus, mas absorvi o alerta de Jesus Cristo, e saberei separar as coisas: a César o que é de César. E nosso César é Alexandre, o Grande. 
No Juízo Final terei um julgamento que, estou certo, será mais justo. 
Mas, aqui na Terra, nesta vida, abandonei as esperanças e entreguei minha liberdade ao homem mais poderoso do Brasil, quiçá do planeta. Espero apenas que Alexandre não ache ruim meu hobby de tocar bateria, pois isso seria triste de perder. Mas estou disposto a só tocar as músicas que agradam ao ministro.
 
De tempos em tempos lanço mão da ironia como artifício retórico, mas se Alexandre julgar isso inadequado, adeus ironia. A partir de hoje, prometo andar na linha. Qual? Difícil dizer, pois não tenho bola de cristal para inferir o que Alexandre pensa. Mas farei meu melhor para tentar antecipar seus passos e atender a suas expectativas. 
Reconhecer virtudes neste governo, por exemplo, está fora de cogitação. Já penso até mesmo em me filiar ao PSDB, só por precaução. Imagino que seja um ato merecedor de muitos pontos com o ministro. Se for necessário dizer uma ou duas palavras de elogio ao governador oportunista de São Paulo, tomo um Engov e digo. Alexandre é quem manda.

Tenho família para sustentar, filhos para criar e, como já disse, não tenho a menor vontade de ser mártir. Alexandre foi bem claro em transmitir seu recado. Captado, amado mestre. Diga-me o que pensar sobre cada assunto polêmico, e este será meu pensamento. Ou ao menos a minha expressão do pensamento em público. Manda quem pode; obedece quem tem juízo. Não vou mais criticar o STF ditatorial a partir de hoje.

Leia também “A constituição do atraso” 

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste