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quinta-feira, 12 de julho de 2018

Molecagens nos três Poderes



Atitudes do Executivo, Legislativo e Judiciário traem e desmoralizam o Estado de Direito


A incrível e absurda malandragem perpetrada por três representantes do povo de um partido que diz servir aos trabalhadores e respeitar a democracia, com a cumplicidade de um desembargador federal, no primeiro domingo da Copa da Rússia sem o Brasil, expôs a explícita desmoralização do nosso Estado de Direito. Finda a semana em que os flagrantes delitos no registro espúrio de sindicatos no Ministério do Trabalho afundaram o Poder Executivo no pântano do descrédito, a manobra escusa tentada para retirar Lula da cela pela porta dos fundos foi a gota d’água que inundou as enlameadas cavernas do Judiciário.

Às vésperas de agosto, mês tido como “do desgosto”, o cidadão brasileiro já tinha sido exposto a sórdidos truques de parlamentares, legitimados para legislar em nome do povo. O projeto do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) perdoando as dívidas das multas de caminhoneiros e transportadoras que provocaram pane seca e desabastecimento de combustíveis e víveres foi incluído no relatório de Osmar Terra (MDB-PR) que torna o frete mínimo obrigatório. Essa iniciativa do Legislativo, com as bênçãos do Executivo, que distribui verbas do depauperado erário a mancheias entre deputados das bancadas governistas, reproduz hoje a mesma relação sórdida já antes condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

O arrombamento da ordem constitucional, que consagra o mercado livre, para resolver uma crise criada pela ousadia dos chantagistas, que expuseram a fragilidade de um governo impopular e desacreditado, não passa de uma versão contemporânea do mensalão, que abriu a temporada de caça aos gatunos.  Durante curto interregno, a cúpula do Judiciário apoiou o combate à corrupção, efetuado por uma geração competente e probo de policiais, procuradores, juízes e desembargadores federais das instâncias iniciais. Isso deu à população espoliada a sensação de que a Justiça sanearia os altos e podres Poderes da República. Mas tal aliança durou muito pouco.

Logo as brechas, pelas quais criminosos de colarinho-branco passavam para ficar fora do alcance da lei, se abriram nas divisões internas da cúpula da atividade judiciária, em que boas iniciativas sempre sucumbiram ao corporativismo e à corrupção. Essas câmaras escuras são percorridas à mercê da negação do decantado espírito da colegialidade, do qual somente uma ministra da “Suprema Corte”, Rosa Weber, parece ser adepta. Ao contrário dela, os outros quatro que deram votos vencidos na decisão pela jurisprudência que autoriza prisão de condenados em segunda instância ─ a dupla Mello e De Mello, Lewandowski e Toffoli ─ aliaram-se ao pagão novo Gilmar. E a desafiam em capciosas decisões monocráticas.

A tabelinha Lava Jato-STF não resistiu à nada gloriosa entrada dos tucanos nas listas dos delatados da operação. Isso causou a guinada de 180 graus de Gilmar, dos que apoiavam a jurisprudência firmada em três votações de 2016 para os adeptos da distorção de preceitos constitucionais. Essa prática é antiga. Tendo confessado que redigiu artigos da Constituição que não foram aprovados pela maioria do plenário, Nelson Jobim ora é tido por alguns como presidenciável da conciliação em outubro. E o  então presidente do STF Ricardo Lewandowski rasurou cinicamente o artigo da Constituição que proíbe condenados em impeachment de exercer cargo público por oito anos. A canetada, sugerida por Renan Calheiros, permite hoje que Dilma se candidate ao Senado pelo PT.

Quem não redigiu nem rasurou a Carta Magna apela para a leitura errada do artigo 5.º, segundo o qual ninguém é “considerado culpado antes do trânsito em julgado” de seu processo. A extensão da isenção da culpa à proibição da prisão ou à presunção de inocência, finda na segunda instância, não está no dicionário, mas pode ser incluída, mercê do “poder da grana, que ergue e destrói coisas belas” (apud Caetano Veloso).
Recentemente, o ministro Mello soltou traficantes condenados em segunda instância com a mesma desfaçatez com que Gilmar concedeu habeas corpus a clientes da banca da mulher. E Toffoli devolveu o ex-chefe Dirceu, condenado em segunda instância a mais de 30 anos de prisão, ao doce lar. Atribui-se a esse duas vezes apenado (no mensalão e no petrolão) o planejamento da molecagem do desembargador do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), Rogério Favreto, por ele indicado, a desafiar os colegas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF, mandando soltar o mais famoso presidiário do Brasil.

Si non è vero, è ben trovato (se não é verdade é bem pensado), diria don Vito Corleone, O Poderoso Chefão da ficção de Mário Puzo. A fresta parecia promissora para o trio - dois deputados federais e um levado à vaga aberta pela pressão do dirigente Quaquá na prefeitura do Rio. Um dos 27 desembargadores do TRF-4 em seu primeiro plantão teria de ser mais sensível à ideia “original” de que a pré-candidatura de Lula à Presidência seria o fato novo para lhe permitir conceder o habeas corpus pedido à sorrelfa. Meia hora depois do início do plantão do simpatizante na sexta-feira, deram à luz o mostrengo.

Como Toffoli, Favreto serviu a Dirceu. E como Toffoli mandou a jurisprudência da prisão pós-segunda instância às favas. Não havia mais a possibilidade de contar com o relaxamento da classificação do Brasil para a semifinal da Copa, pois a seleção de Tite fora eliminada duas horas e meia antes. Não é correto, então, perguntar se não combinaram com os belgas e pensar que a molecagem, de que a defesa de Lula se fingiu distante, passaria incólume na euforia geral.

Mas quando setembro vier, Toffoli, que como Favreto nunca foi juiz, será presidente do STF e terá à mão o martelo para triturar a jurisprudência dos colegas, Moro, o TRF-4 e o STJ. E tirar Lula da cadeia. Ingênuo será pensar que ele seria menos cínico que Favreto.


JoséNêumanne, jornalista - O Estado de São Paulo




domingo, 17 de julho de 2016

O horror diante dos filhos da pátria massacrados em seu dia

Atentado em Nice, primeiro com tantas crianças entre as vítimas, avança mais um patamar rumo à pergunta inevitável: até quando?

 Corpos de crianças, com bonecas e carrinhos ao lado, estavam salpicados entre as mais de 80 pessoas atropeladas por Mohamed Lahouaiej Bouhlel na avenida da praia de Nice. Antes que os primeiros socorristas chegassem, garçons dos restaurantes da orla, abertos por causa do movimento para ver os fogos do 14 de Julho, tiraram as toalhas das mesas para cobrir as vítimas. A avenida ficou parecendo um terrível tabuleiro de xadrez, azul e branco.

De todos os atentados da onda recente de jihadismo, nenhum atingiu tantas crianças, justamente por acontecer na praia, num feriado e na hora dos fogos. Dez morreram e mais 54 estavam internadas. Bouhlel rodou durante meia hora num caminhão alugado de 25 toneladas, pela pista e pela calçada da Promenade des Anglais, acelerando para matar a maior quantidade de gente possível.

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No dia em que se toca, mais do que nunca, a Marselhesa, com sua exortação aos enfants de la patrie, quase uma centena de filhos de pátria sangravam até a morte em Nice. O saguão do Hotel Negresco, no qual a arquitetura do Copacabana Palace se inspirou, virou área de triagem de feridos. O que aconteceu depois, e acontecerá nos próximos dias, todo mundo já sabe. Luto nacional, consternação internacional, redes sociais cobertas pelas cores da bandeira francesa. Medidas duras sobre segurança e palavras emocionadas a respeito da capacidade de resistência do país.

Nada disso, infelizmente, está funcionando. Nove dias antes do ataque em Nice, uma comissão parlamentar de inquérito concluiu que a última grande matança, de 13 de novembro do ano passado em Paris foi antecedida por um “fracasso global” dos serviços de espionagem. Isso dito pelos diretores dos dois principais organismos de inteligência.  Os atentados de novembro foram planejados na Bélgica e executados por células terroristas sob comando direto do Estado Islâmico. Abdelhamid Abaaoud, o cabeça, disse a uma amiga da prima que emprestou o apartamento onde foi morto pela policia dias depois, que havia mais de 90 terroristas como ele infiltrados na região de Paris. Franceses, belgas, sírios ou iraquianos, todos circulando pelas fronteiras abertas da Europa ou se passando por refugiados.

Mohamed Abrini ajudou nos atentados de Paris e depois foi para a Bélgica, onde participou do ataque contra o aeroporto de Bruxelas. É um caso raro de terrorista preso vivo num mundo onde o suicídio é a regra. Disse que não explodiu seu carregamento de bombas no aeroporto porque “não faria mal a uma mosca”.  Preso e extraditado para a França, ele tem feito depoimentos importantes. Em tom de desafio quase divertido, já declarou que circulava livremente, sem nenhum disfarce, só com um boné. “Os políticos falam em controles de fronteira, mas é só conversa”, declarou.

Por mais terrível e chocantes que sejam, os atentados terroristas da onda atual ainda estão dentro da “margem de tolerância”. As sociedades atingidas não querem abrir mão justamente daqueles valores que visam atingir: o sigilo de comunicações, a liberdade de circulação, o convívio social em shows de rock ou boates gay, a recusa à criminalização coletiva do perfil inevitável – jovens de origem árabe e religião muçulmana.

Mas parece inevitável também a sensação de que as autoridades negligenciaram o perigo que hoje explode no coração da Europa. E que isso se traduza em ascensão dos partidos da direita populista que condenam a impotência dos que deveriam proteger seus cidadãos. Uma pesquisa da Pew Research mostra um aumento notável das opiniões negativas sobre muçulmanos, obviamente associada a atentados e migração em massa. O índice chegou a 72%na Hungria. Na Itália, é  de 69%. Polônia, 66%; Grécia, 65%; Espanha, 50%. O índice mais baixo, de 28%, é no Reino Unido. Mas no ano passado era de 19%.

A ideia de “ir à praia” praticamente nasceu em Nice, durante a Belle Époque. Homens de terno branco e mulheres de vestidos longos de verão caminhavam  pela orla do mar de um azul tão transparente que chega a ferir os olhos. Chapéus e sombrinhas as protegiam do sol.
Henri Matisse chegou à cidade em 1917, num dia de chuva. Quando o sol voltou, ele abriu a janela do hotel onde estava hospedado e concluiu: “Quando percebi que todas as manhãs poderia ver esta luz, não acreditei na minha sorte.” Passou os próximos 37 anos tentando capturá-la nos últimos quadros desavergonhadamente belos da arte moderna.

Em algumas décadas, as mulheres deixaram de se proteger do sol e passaram a cultivar os corpos bronzeados, vistos hoje na praia de pedregulhos de Nice em estado de nudez já um pouco fora de moda. Os corpos atropelados ao longo de quase dois quilômetros, as crianças mortas com seus brinquedos, veladas por pais e mães em estado de choque, ontem cobriam o lugar que virou símbolo de verão, férias, vinho rosé e, inevitavelmente, turismo em massa. Até quando os cidadãos vão esperar uma proteção superior que não existe, inclusive pela natureza do terrorismo, antes de começar a pensar em proteger a si mesmos?

Fonte: Revista VEJA