Um Estado Democrático de Direito protege necessariamente os membros do Legislativo. Não há Congresso independente se os parlamentares estão expostos a pressões do Executivo ou do Judiciário. Por isso, a Constituição de 1988, em seu objetivo de restabelecer de forma plena o regime democrático no País, previu um conjunto de garantias a deputados e senadores.

Há previsão de foro privilegiado _ “deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF)” – e de específica imunidade a proteger a liberdade de opinião e expressão dos parlamentares “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.[o termo quaisquer abrange xingar a mãe, usar palavra chulas, etc, etc.]

Além disso, os membros do Congresso só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. E mesmo nesse caso, cabe à respectiva Casa Legislativa, pelo voto da maioria, decidir se mantém ou não a prisão.

Outro ponto especialmente relevante para a separação dos Poderes refere-se à perda do mandato parlamentar. As ditaduras gostam de cassar seus opositores. [as vezes além de cassados, as vítimas do autoritarismo, do absolutismo, ainda são atiradas ao cárcere, sem serem julgados e sem e sem data para sair; 
temos um exemplo de dois ex-policiais que são suspeitos de um homicídio e estão há anos em prisão preventiva - sustentada por alegações de participação em outros crimes.Pergunta-se:  = qual o motivo de não serem julgados e, se culpados,  recebem a condenação devida? será que faltam provas?] Por isso, a Constituição estabelece estritamente as hipóteses em que um deputado ou senador pode perder o mandato. Por exemplo, em caso de condenação criminal em sentença transitada em julgado ou se seu comportamento for declarado incompatível com o decoro parlamentar.
 
Este último caso é especialmente relevante, pois se relaciona com a responsabilidade do próprio Legislativo de zelar pela sua integridade. A imunidade parlamentar não é sinônimo de irresponsabilidade ou de impunidade. Ao prever essa hipótese de perda de mandato, a Constituição dispõe que quem quebra o decoro parlamentar não tem o direito de permanecer no Congresso.
No entanto, o que está tão claro no texto constitucional não tem produzido os devidos efeitos na vida real. Ao longo das décadas, os parlamentares vêm descumprindo acintosamente seu dever de zelar pela integridade do Congresso, com tolerâncias e omissões inteiramente incompatíveis com sua responsabilidade constitucional.
Decoro é decência, honradez, dignidade. Não respeita o decoro parlamentar quem, por exemplo, defende o fuzilamento do presidente da República, como fez o então deputado Jair Bolsonaro. [“deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” - desejo se tornou crime? A redação do dispositivo constitucional citado, art.53, 'caput' CF,  é clara.] Na época, este jornal pediu sua cassação. O Congresso, no entanto, manteve-o impune em seu cargo. Também não cumpre o decoro parlamentar quem defende o Ato Institucional (AI) n.º 5, ameaça ministros do STF e incita a ruptura institucional, como fez o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). [não existe, ao que sabemos, leis que definam o decoro parlamentar e o tipifiquem quando sua falta ou quebra é crime;
de igual modo não existe lei que tipifique gostar do AI-5 e/ou defendê-lo,  como ato criminoso;
o mesmo entendimento se aplica para ameaças a ministros do Supremo, na verdade o deputado Daniel Silveira, expresso o desejo de ministros do Supremo fossem surrados. DESEJO NÃO É CRIME - PODE SER e MUITAS VEZES É, PECADO.
 
Além do mais o quaisquer inserido no 'caput' do artigo 53, deixa espaço para o desejo de fuzilamento, a defesa do AI-5,  desejo de surra em ministros do STF, não sejam considerados quebra de decoro parlamentar, podem constituir quebra do decoro - assunto que é da competência do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que pode até cassar o mandato do parlamentar que considerar INDECOROSO, desde que a cassação seja ratificada pelo Plenário. 
 
Ao nosso limitado entendimento a conduta do deputado Daniel Silveira foi, no mínimo, inadequada e em grande parte merece a nossa discordância (não escrevemos para 'Carmelitas descalças' , mas respeitamos os nossos leitores e, em consequência, evitamos linguagem obscena, palavras chulas,) e sendo recorrentes, insistimos que cabe à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados decidir sobre o tema e dependendo da sua decisão submeter ao Plenário da Casa. ]

O plenário da Câmara entendeu o caráter criminoso da conduta do parlamentar e referendou, por ampla maioria, a prisão decretada pelo STF.  Por isso, não faz sentido – seria debochar da Constituição e do próprio plenário da Casa – que o  tente, como vem sendo noticiado, preservar o mandato do deputado bolsonarista. É caso evidente de cassação, especialmente porque a conduta de Daniel Silveira trouxe riscos à separação dos Poderes, às garantias constitucionais de todos os cidadãos e ao próprio funcionamento do Congresso. Mantê-lo no mandato transmite a inconstitucional e perigosa mensagem de que não há limites. Por expressa previsão da Constituição, os indecorosos não cabem no Congresso. [cabendo ao Conselho de Ética da Câmara, por  expressa previsão da Constituição, decidir se houve, ou não, quebra de decoro e ao Plenário ratificar.

No momento, há uma ameaça ainda mais grave ao equilíbrio do Estado Democrático de Direito. Com uma celeridade inaudita, a Câmara pôs em tramitação a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/21, restringindo a prisão em flagrante de parlamentar aos crimes inafiançáveis expressamente previstos na Constituição – como se os outros crimes inafiançáveis fossem compatíveis com o exercício parlamentar –, proibindo a prisão cautelar por decisão monocrática e limitando o alcance da Lei da Ficha Limpa.

Sob o pretexto de defender a imunidade parlamentar, há quem queira transformar o Congresso na toca da impunidade. É preciso rejeitar a manobra, que tanto desonra o Legislativo. Há uma pandemia a ser enfrentada, reformas a serem feitas e políticas sociais a serem implementadas. Não é hora de facilitar que criminoso se passe por parlamentar.

Notas & Informações - O Estado de S. Paulo