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quarta-feira, 8 de julho de 2020

‘Cidadão, não. Engenheiro formado’ - Elio Gaspar

Folha de S. Paulo -  O Globo

Câmeras tornaram-se um remédio eficaz para combater os demófobos - Graças aos vídeos, cenas de humilhação do outro custam caro     

A cena foi a mesma. Na Barra da Tijuca, um fiscal da Vigilância Sanitária interpelou um casal num estabelecimento onde não se respeitava o isolamento social. O marido desafiou-o, dizendo que ele não tinha uma trena para medir os espaços. O fiscal disse: “Tá, cidadão”. Até aí, seria o jogo jogado, mas a senhora foi adiante: — Cidadão, não. Engenheiro formado e melhor que você. Salvo os macacos, os bípedes passaram a usar o tratamento de “cidadão” durante a Revolução Francesa, que derrubou a hierarquia nobiliárquica.
Dias depois a engenheira química Nívea Del Maestro foi demitida da empresa de transmissão de energia onde trabalhava. Em nota, a Taesa informou: “A companhia não compactua com qualquer comportamento que coloque em risco a saúde de outras pessoas ou com atitudes que desrespeitem o trabalho e a dignidade de profissionais que atuam na prevenção e no controle da pandemia.”
Com a mesma retórica, em maio passado, o joalheiro Ivan Storel recebeu um PM que foi à sua casa em Alphaville (SP) atendendo a um chamado que denunciava violência doméstica: — Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano. (...) Eu ganho R$ 300 mil por mês, você é um merda de um PM que ganha R$ 1 mil.
Storel viria a desculpar-se, dizendo que estava sob o efeito do álcool e dos remédios que toma por estar em tratamento psiquiátrico. Dias antes, em Nova York, um cidadão que observava passarinhos no Central Park, pediu a uma senhora que prendesse a coleira de seu cachorro. Ela se descontrolou e chamou a polícia, dizendo que “um afro-americano está ameaçando minha vida”. Ela foi demitida da firma de investimentos onde ganhava US$ 70 mil dólares anuais.
Nos três casos, a arma dos ofendidos foi a câmera de seus celulares. Postas na rede, as cenas viralizaram. É a mesma arma que registra a violência policial nas periferias das grandes cidades brasileiras. As câmeras tornaram-se um remédio eficaz para combater os demófobos prontos para aplicar carteiradas sociais no “outro”, hipoteticamente inferior. Ao “você sabe com quem está falando”, o progresso contrapôs o “você sabe que está sendo filmado?”
Mesmo dentro das suas lógicas infames, as duas senhoras estavam enganadas. O fiscal da cena carioca era doutor em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural e o afro-americano do Central Park formou-se em Harvard. O fiscal do Rio e o PM de São Paulo representavam o Estado, que, na cabeça dos demófobos, é um ente a serviço do andar de cima. “A gente paga você, filho. O seu salário sai do meu bolso”, ensinou a senhora da Barra da Tijuca.
O afro-americano do Central Park lastimou que a vida da mulher tivesse virado de cabeça para baixo por causa da notoriedade que a cena viralizada lhe deu, mas recusou-se encontrá-la para um ritual de pacificação. Em geral, essas cenas de humilhação do “outro” duram poucos segundos e, sem os vídeos, não teriam consequência. Graças a eles, custam caro. A vida dos brasileiros melhorará quando vídeos semelhantes, mostrando cenas de violência policial contra jovens do andar de baixo, tiverem algum efeito. Por enquanto, ele é nulo, até mesmo porque em muitas cidades os policiais costumam prender quem os filma.

Folha de S. PauloO Globo - Elio Gaspari, jornalista



sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Defendemos a existência e uma única raça - a humana - mas, não será surpresa se for proibido no Brasil o uso do 'rótulo' negro

A falácia de uma sociedade ‘pós-racial’

Estudo demonstra as diferenças de percepção quando se aplicam os rótulos raciais ‘negro’ e ‘afro-americano’

Tudo o que quero para o Ano Novo é o banimento de qualquer coisa “pós-racial” do discurso social e político. Desde sua aparição, em 2008, para anunciar a ascensão de Barack Obama, o conceito estava equivocado. Não passa de uma lembrança distante o momento em que Obama ganhou a duramente disputada primária da Carolina do Sul e a audiência entoou “a raça não importa”. Notícias, pesquisas e estudos que surgiram na segunda metade de 2014 deixaram claro o contrário.

Os episódios fatais entre a polícia e afro-americanos desarmados, particularmente Michael Brown em Ferguson, Missouri, e Eric Garner, em Nova York, provocaram um debate nacional sobre raça e aplicação da lei. O fracasso no indiciamento dos policiais nesses dois casos levou a um diálogo sobre raça e igualdade na administração da justiça.[é dado na matéria um destaque ao fato dos agressores dos policiais estarem desarmados; só que as investigações mostraram - e o não indiciamento dos policiais confirma o acerto das conclusões apresentadas - que os elementos, mesmo supostamente desarmados, ofereciam risco aos policiais o que justificou o uso da força adequada para contê-los.
A única diferença é que se os policiais tivessem usado da mesma força contra agressores brancos não teria havido tantas críticas à ação policial.] Mas deixemos essas duas explosões, que meu colega do “Washington Post” Eugene Robinson chama de nosso “padrão espasmódico” no que se refere a raça.

Evidências de que a raça é importante estão à nossa volta, literalmente. O pessoal da Vox nos lembrou, recentemente, que uma instituição chamada Southern Poverty Law Center listou as seções ativas da Ku Klux Klan nos EUA. A News One transformou a informação num mapa interativo. O grupo racista e antissemita que se fantasia com longas roupas brancas, cruzes em fogo e tem um histórico de atos de violência está ativo em 41 dos 50 estados americanos.

Sem trocadilho, a raça colore a maneira pela qual observamos algumas questões. Uma pesquisa Post-ABC News mostra quão forte é a divisão quando se trata da aplicação da lei:
“Apenas um em dez afro-americanos diz que negros e outras minorias recebem tratamento igual aos brancos no sistema de justiça criminal. Somente dois em dez dizem confiar em que a polícia trata brancos e negros com igualdade, tenham ou não cometido um crime. Por outro lado, cerca de metade dos brancos americanos diz que as raças são tratadas com igualdade no sistema judicial, e seis em dez confiam em que a polícia trate brancos e negros da mesma forma.”[o resultado da pesquisa POST-ABC News é o esperado, tendo em conta que só foram  pesquisados afro-americanos, o que resultou em total parcialidade da enquete.]
 
A divisão não se dá apenas ao longo das linhas raciais. A pesquisa também destaca sua natureza partidária. Se você é um republicano branco, é mais provável achar que as diferentes raças são tratadas com igualdade pela polícia. Mas, se for um democrata branco, será mais inclinado a acreditar que há diferenças no tratamento. Uma coluna recente de Esther Cepeda aborda um estudo a respeito do impacto da linguagem e a percepção em relação aos afro-americanos. Impressionante, ele abre nossos olhos. O título do trabalho diz tudo: “A rose by any other name? The consequences of subtyping ‘African-Americans’ from ‘Blacks’” (algo como “Dar um nome diferente à rosa? As consequências de diferenciar ‘afro-americanos’ e ‘negros’”). As pesquisadoras Erika Hall, Katherine Phillips e Sarah Townsend fizeram quatro experiências para ver se os brancos fazem distinção entre “negros” e “afro-americanos”. Por favor, leiam o estudo. É fascinante. Mas tudo o que você precisa saber está no sumário: “Descobrimos que o rótulo racial ‘negro’ evoca uma representação mental de uma pessoa de menor status socioeconômico que o rótulo ‘afro-americano’, e que os brancos reagem mais negativamente em relação a ‘negro’. No estudo 1, mostramos que o estereótipo para ‘negro’ é mais baixo em status, competência e cordialidade. No estudo 2, brancos identificam ‘negro’ com status mais baixo em relação a ‘afro-americano’. No estudo 3, demonstramos que o uso do rótulo ‘negro’ versus ‘afro-americano’ numa notícia sobre um crime num jornal americano é associado a um tom emocional negativo no artigo. Finalmente, no estudo 4, mostramos que os brancos consideram um suspeito de cometer um crime de forma mais negativa quando ele é identificado como ‘negro’. As conclusões estabelecem a maneira como rótulos raciais podem ter consequências materiais para um grupo.”

O estudo deverá dissipar qualquer noção de que a nossa jamais será uma sociedade “pós-racial”. Antes que isso aconteça, nós teríamos que, primeiro, lidar com nossa atual sociedade racista. Mas teríamos de falar com cada um, face a face, num exercício intensamente pessoal e desconfortável. O matiz multirracial das manifestações nos EUA deu-me a esperança de que essas conversas estejam ocorrendo um pouco mais agora. Pequenos passos na estrada para a cura racial. Ainda assim, essas conversas têm de se tornar nacionais porque requerem um elemento chave que está em falta: confiança. Até que possamos ter uma conversa baseada na confiança, não daremos o passo gigantesco para uma nação “pós-racial”, em que raça não tenha importância.

Fonte: Jonathan Capehart integra a equipe de editorialistas do “Washington Post”