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sábado, 24 de setembro de 2016

Segredos de Justiça

Com julgamento do STF, filho ganha direito a ter dois pais. Na TV, minissérie explora dilemas de uma juíza de família 

A vida é justa para quem? Num país que hoje discute nas redes sociais o conceito de Justiça, muitas vezes num tom intolerante e sectário, aplaudindo prisão para todos os corruptos ou a condenando como linchamento, é reconfortante sair da esfera da grande política e entrar no escurinho do lar. Em nome de nós mesmos, é saudável penetrar nos mistérios do amor e da concepção e perceber que o direito à identidade plena é nosso primeiro direito político.

Num Brasil em que, a cada ano, nascem 700 mil crianças de “pai desconhecido”, ou seja, filhos de pais que não quiseram ou não puderam reconhecê-los como filhos, devemos saudar a decisão do Supremo Tribunal Federal. Por 8 votos a 2, os juízes do STF aprovaram o direito à dupla paternidade socioafetiva e biológica – e o registro dos nomes de ambos os pais na identidade. Isso significa que, mesmo com um pai de criação ou adoção, um filho passa a ter direito de exigir pensão e direitos de quem o concebeu.

É um avanço. E um alerta aos homens que pensam que engravidar é responsabilidade só das mulheres. “Amor não se impõe, mas cuidado, sim”, afirmou em seu voto a presidente do STF, Cármen Lúcia. “Fez o filho, tem a obrigação. Pode ter sido criado por outra pessoa. Comprovou geneticamente, tem a obrigação, ponto”, resumiu Dias Toffoli.

Legislar sobre a famílianão só sobre pais e filhos é uma tarefa espinhosa que exige humanidade, humildade e compaixão raras. Sobretudo a capacidade de ouvir e se colocar na posição do outro. Que o diga a juíza Andréa Pachá, mãe de dois jovens de 19 e 21 anos, com mais de 20 mil audiências de separação no currículo. “Eu sou uma observadora do fim do amor”, diz Andréa. Mas não só do fim. Andréa testemunhou e legislou sobre recomeços, arrependimentos, perdões, vinganças, submissões, sempre evitando um julgamento moral. Com frequência enxugou ela mesma umas lágrimas após a audiência que envolvia crianças.

Andréa estudou dramaturgia e escreveu livros como A vida não é justa, com histórias romanceadas de casos ocorridos em sua sala de audiência. Histórias emocionantes, que inspiraram a minissérie de TV Segredos de Justiça, com estreia prevista no Fantástico dia 9 de outubro e a atriz Gloria Pires no papel da juíza. Impossível não refletir sobre o que é justo, quando todas as versões são postas à mesa, com uma verdade que dói ou uma cegueira que se constrói. Impossível não ter dúvidas.

Um dos casos do livro de Andréa e da minissérie se chama “Mais valem dois pais na mão”. Conta a disputa entre o pai de criação, Emerson, que registrou o menino Juninho como seu, e o pai biológico, Túlio, que reapareceu para brigar pelo filho seis anos depois. A juíza decide manter a paternidade do pai de criação. Nem era preciso um exame de DNA. O menino Juninho e Túlio eram “branquinhos e loiros, com uma covinha na bochecha direita”. Emerson era “um pai negão”. O que era correto fazer?

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“Pedi que Juninho entrasse na sala. Correndo, rindo muito, passou ao largo do lugar onde sentava Túlio e, de braços abertos, mergulhou no colo de Emerson, acariciando seu rosto. O contraste entre as cores das peles e a intensidade do afeto era o quadro eloquente de que o preconceito é uma invenção despropositada e decadente que não deveria encontrar eco na humanidade. Juninho, aos 6 anos, já era um indivíduo. Sabia seu nome. Reconhecia seu lugar. Tinha referência da figura paterna e identificava Emerson como seu pai. O convívio com o pai biológico viria naturalmente, com as portas abertas para mais esse vínculo afetivo. A vida é muito maior e muito mais imprevisível do que a burocracia que cabe numa certidão. É, no fim, uma equação simples. Quanto mais afeto, maior a possibilidade de justiça.”

A minissérie reflete o ambiente real que Andréa viveu numa Vara de Família. Não tem peruca branca, nem martelo, nem toga. Tem livros reais, desarrumados nas estantes, um monitor queimado em cima do armário. Sempre a impressionou a facilidade com que, diante de um juiz de família – talvez mais que diante de um terapeuta –, as pessoas se desnudam. “Como a maioria das histórias não tem final feliz, é como se as pessoas se vissem autorizadas a sofrer diante do desamparo do fim do amor. Todo mundo acha que juiz sabe tudo, resolve tudo e faz justiça sempre. Nada mais distante da experiência de um juiz de família.”

Ninguém tem direito à alegria o tempo todo, nesse contexto atual de busca desenfreada pelo desejo e pela felicidade obrigatória em que vivemos. Os costumes familiares e amorosos mudaram, muitos se aperfeiçoaram, mas a essência do ser humano é a mesma. Os conflitos se repetem sempre e a dor é diferente em cada história. A vida às vezes é justa, às vezes não.

 Fonte: Ruth de Aqui - Época