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domingo, 25 de agosto de 2019

Outros enganos sobre a Amazônia - Veja

Blog do Augusto Nunes

A historinha ensina a passar qualquer notícia recebida por três peneiras: a da verdade, a da bondade e a da utilidade




O Amazonas, o rio, e a Amazônia, a região, têm sido assim chamados pela presença de mulheres guerreiras vistas a cavalo, que queimavam ou cortavam o seio direito com o fim de melhor manejar o arco e a flecha. Esta versão lendária, vinda do Grego, passou pelo Latim e chegou a várias línguas, incluindo o Português, mas sua penúltima escala foi o Espanhol. O militar e explorador Francisco de Orellana, o descobridor do maior rio do mundo, disse ter enfrentado na expedição tribos guerreiras femininas semelhantes às lendárias mulheres da Capadócia, na atual Turquia.
Foi uma das primeiras fake news da América, pois que baseada em outra, ainda mais antiga, o que lhe aumenta a aura de suposta verdade, vindo a tornar-se, pois, histórica. As inexistentes mulheres guerreiras sem o seio direito tiveram origem na semelhança entre  a palavra iraniana ha-mazan, cavaleiros, e a palavra grega amázon, sem o seio, modificação de mázos, seio, antecedido do “a”, indicando negação.

Talvez tenha contribuído para o engano de Orellana – ele não fez a confusão de propósito – ter enfrentado guerreiros índios nus e de cabelos longos, e confundido seus mamilos escuros com seios queimados das mulheres lendárias das quais ouvira falar nas cortes ou nas viagens. Ele teve cargos importantes, foi vice-governador de Guayaquil, no Equador, devia pegar de ouvido muitas histórias e lendas e não teve tempo de ruminá-las direito, pois morreu aos 35 anos. 

Em resumo, se não existia pecado do lado de baixo do Equador, por que mentir seria um deles? Orellana não mentiu, assim como não mente quem repete esta e outras lendas sobre a Amazônia, dando-lhes foros de verdade, agora não mais histórica, mas estatística. Para mentir e enganar bobos, a ferramenta mais usada até então eram números e porcentagens. Agora são fotos falsas.  O contexto das novas lendas sobre a Amazônia tem, porém,  um outro viés. A maioria dos brasileiros lia e escrevia pouco, mas ouvia e falava muito. Esta situação mudou com a chegada das redes sociais. De repente, o brasileiro passou a escrever o que antes falava, usando para expressar-se um misto de fala e de escrita, que na verdade é uma terceira língua: não é a língua comum falada nestas terras, mas também não é a norma culta da modalidade escrita até então lida em jornais e revistas, utilizada por quem escrevia nestes veículos e a aprendera nos bancos escolares lendo sobretudo os clássicos do idioma.  

Esses poucos ainda escrevem, mas já são minoria nas redações, inesperadamente tomada por profissionais quase ágrafos, entretanto portadores de diploma de curso superior. O que predomina, então, nas postagens parece ter vindo dos meios de comunicação social, sobretudo da televisão. e a modalidade da língua interessasse apenas pela forma, os problemas seriam diminutos. Um erro de ortografia ali, outro acolá, uma regência indevida mais adiante, nada disso impediria o entendimento, mas o que ocorre é outra coisa. Não se diz mais coisa com coisa, deu a louca no português do Brasil. O caos é rapidamente instalado pelo desconhecimento dos assuntos e dos modos corretos de sobre eles dissertar por escrito.

Mas o que mudou na fala e na escrita do brasileiro com acesso às redes sociais? Até recentemente o assunto predominante era o futebol. De repente a política tornou-se um grande tema nas redes sociais, talvez o principal, e definiu as últimas eleições presidenciais em favor de quem soube usá-las melhor.  Diante da verborragia, mais impressionante ainda nos incautos, sobretudo quando ilustrada por conceitos e números malucos, não é de bom tom mandar calar a boca, como o rei da Espanha fez com Hugo Chávez há cerca de doze anos, tornando instantaneamente famosa mundo afora a frase  Por que no te callas?”.
Por ter sido proferida originalmente em espanhol, língua mais franca do que o português,  virou bordão no mundo lusófono e alistou ao lado de Chávez uma legião brasileira para apoiá-lo. Afinal, quem o rei pensava que era para ofender assim outro estadista?

Mas, se não se deve mandar ninguém calar a boca, não se deve também acreditar em tudo o que os outros dizem. É preciso usar as três peneiras, um conselho atribuído ora ao chinês Confúcio, que viveu entre os Séculos VI e V a.C., ora ao grego Sócrates, no Século IV a.C. A historinha ensina a passar qualquer notícia recebida por três peneiras: a da verdade, a da bondade e a da utilidade. E só divulgá-la depois disso. É verdade o que informaram? A divulgação foi feita por com boas intenções? É útil divulgar o que se soube?

Também os antigos romanos se preocuparam com o que era tornado público e resumiram suas inquietações em dois provérbios invocados com frequência no mundo jurídico: cui prodest? (a quem interessa?) e cui bono? (para quem é bom?).

Não apenas as redes sociais estão sem editor. Também o Brasil e o mundo. Ora, se ler é escolher, publicar é a primeira escolha sobre o que os outros vão ler. Como disseram nossos avós, ouvido não é penico. Os olhos também não devem ser.

Transcrito do Blog do Augusto Nunes - Veja  
 
Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá

domingo, 23 de abril de 2017

São Jorge, um guerreiro como todo carioca

Falência do estado e índices de criminalidade em alta fazem aumentar devoção ao cavaleiro da Capadócia no Rio





São Jorge é o santo que teve sete vidas. Reza o mito que suportou as maiores torturas e que venceu até um dragão. Ele derrotou inclusive o poder da Igreja: o fato de ter sido rebaixado na década de 1960 para o terceiro escalão dos santos católicos e reconduzido ao primeiro nível em 2000 por João Paulo II — não diminuiu a devoção à imagem do bravo militar sobre um cavalo branco. 
 
No Rio de Janeiro, quanto mais difícil o quadro de violência, mais pedidos são feitos a São Jorge — o Ogum nas religiões afro no Rio. A veneração ao cavaleiro da Capadócia ganhou força na cidade nos anos 1990, devido à insegurança. De lá para cá, ele esteve presente em enredo de escola de samba; foi tema de novela; estampou roupas de grife e passou definitivamente a fazer parte do mundo da decoração. Com a crise financeira do estado e os índices de criminalidade galopantes, esse culto ao santo guerreiro — que não baixou a cabeça nem para o imperador romano — tende a explodir. Padre Dirceu Rigo, da Paróquia de São Jorge, em Quintino, espera receber neste domingo um milhão de fiéis em busca de proteção. 
 

O santo dos momentos de guerra

 Festa em Quintino deve receber mais de 1 milhão de pessoas este ano - Márcia Foletto / Agência O Globo

No ano passado, passaram pela igreja cerca de 700 mil pessoas. O padre traça um paralelo entre o mito e o dia a dia dos cariocas para explicar tamanha paixão por São Jorge.  — Quantos dragões o carioca enfrenta todo dia? São Jorge tem uma imagem muito forte de bravura, e vejo na nossa igreja as pessoas pedindo força e coragem. E quais são os dragões dos cariocas? O primeiro é a violência. Não temos mais segurança no Rio de Janeiro. Outro tem a ver com a saúde, olha quanto gente morrendo na porta dos hospitais. Temos ainda o dragão da educação e o da corrupção. Por isso o povo se identifica muito com São Jorge, porque o carioca tem essa bravura — afirma padre Dirceu, contando que São Jorge chegou a conselheiro do imperador Diocleciano, que perseguia os cristãos.

O cavaleiro do Império, por ser cristão, era um subversivo. Na narrativa desenvolvida depois pela Igreja, ele, por não negar suas convicções ao ser questionado pelo imperador, acabou preso. Sucumbiu apenas depois de ser chamado pelo Senhor. A professora Georgina Silva dos Santos, do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), carrega sempre com ela um anel de ouro com o santo. Seu nome é uma homenagem ao próprio: seu pai, Jorge, nasceu no dia 23 de abril de 1914 e era da Irmandade de São Jorge. Ela também é do dia 23, só que de junho. Georgina é devota desde o berço e, quando foi fazer doutorado na USP, buscou a explicação histórica para o que sentia e via ao seu redor. Ela lembra que, na infância, essa devoção a São Jorge não era muito diferente da dedicada a outros santos, como a São Sebastião, padroeiro da cidade.

O guerreiro ganha vulto em momentos críticos do Rio: — Essa devoção tem um pico por causa dos índices de violência altíssimos. As pessoas acabam evocando o santo para proteger a cidade. Em que medida essa devoção contribuiu para diminuir a violência, não sabemos. Mas, na dúvida, é melhor pedir — acredita a historiadora, explicando. — Na minha infância tinha festa para São Jorge nas igrejas como havia para Nossa Senhora das Graças, para Santo Antônio... Não era essa coisa pop. A sociedade fala dos seus medos, das suas angústias por trás de certos cultos. No Rio, a segurança é algo que aflige a todos, desde o mais humilde ao mais rico. Ninguém está imune a bala perdida, e hoje se mata por uma bicicleta. A invocação do São Jorge é, no fundo, a declaração de que estamos vivendo um conflito armado. A incompetência dos gestores em se dar conta disso faz com que se apele a uma outra instância, muito superior, para que ela consiga interferir na realidade objetiva.

Entre os lusitanos, os surtos de devoção se dão, tradicionalmente, em períodos de guerra. O primeiro foi no século XIV, quando Portugal derrotou a Espanha numa batalha pelo poder do reino. Com um exército minguado, o condestado (chefe militar da época) fez promessa a São Jorge. Tudo leva a crer que a oração foi forte: com a vitória, o santo ganhou papel de destaque na monarquia, e começou a fazer parte das procissões de Corpus Christi. No Rio colonial, sua imagem tinha grande apelo. Padroeiro da Dinastia de Bragança, durante o Império era venerado pela Corte e, nas romarias, sua imagem era acompanhada por 23 cavalos e saudada com tiros de canhão. Em sinal de humildade, o imperador descobria a cabeça na passagem do santo que lembra um príncipe. — O evento daquela época equivale ao que seria hoje os desfiles de escola de samba, em termos de aparato e acontecimento — diz Georgina. — A comoção vista hoje se aproxima da ocorrida na época do Império.

Ligado aos ofícios de ferro e fogocomo ferreiros, espadeiros, armeiros e mesmo barbeiros, considerados essenciais ao funcionamento do exército —, São Jorge tinha esses profissionais na formação da sua irmandade no Rio. A mistura com as religiões de raiz afro nasce da relação desses homens e sua mão de obra escrava. Além disso, meninos negros vestidos pela irmandade acompanhavam a procissão ao lado da imagem. 


LER MATÉRIA COMPLETA, em O Globo,  clicando aqui