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sábado, 22 de setembro de 2018

Meu lugar na fila

Proteger interesses gerais paga menos dividendos que promover interesses de grupos


Daqui a três meses, no 13 de dezembro, dia do AI-5, em 1968, e do golpe de Jaruzelski na Polônia, em 1981, completo 60. Dizem, para me animar, que terei descontos em peças e shows, vagas reservadas em estacionamentos e filas prioritárias nos aeroportos, supermercados e bancos.  No caso dos bancos, não vale a pena. As empresas que descobriram uma oportunidade nas bondades distribuídas pelo Estado contratam idosos para realizar operações bancárias, tornando mais demorada a fila preferencial. Quanto ao resto, decidi que passo. As políticas de privilégios envenenam a democracia. Não serei um idoso oficial enquanto conservar capacidades físicas normais.

Com exceção de um, meus amigos idosos converteram-se em idosos oficiais. Uma, que corre maratonas em montanhas, tirou carteira de idosa para estacionar bem pertinho da entrada do shopping. A vantagem pessoal tem imenso poder de sedução, principalmente se parece não causar dano a ninguém. Aparências enganam: a meia-entrada, para ficar num único exemplo, é financiada pela elevação universal dos preços dos ingressos. A sociedade em geral paga o desconto garantido por lei a estudantes e idosos, inclusive os abastados.

Pondé registrou, com razão, que um indivíduo “negro”, presumido descendente de escravos, “assimilará essa consciência histórica da culpa como ganho imediato objetivo: cotas nas universidades ou concursos públicos”. A cota de um implica a negação de vaga a outro, que obteve nota superior e pode até ser mais pobre. Mas não se tem notícia de números significativos de candidatos recusando o direito (ou privilégio?) de inscrição para vagas reservadas a cotistas. A lei vale mais que a ética —se, claro, gera ganhos pessoais palpáveis.

A lei legitima, absolve, aplaca a consciência. Procuradores e juízes, esses anjos vingadores do Brasil que tem raiva, justificam seu auxílio-moradia, uma escandalosa política de transferência regressiva de renda, invocando a legalidade. Luiz Fux sentou-se sobre um processo que questionava o privilégio, agindo como sindicalista. O auxílio-moradia é incomparavelmente pior que a carteira de idoso utilizada por nadadores, surfistas, tenistas, triatletas de 60 anos.  Mas por que se produzem ou se perenizam tantas “leis de meia-entrada”? A resposta encontra-se num calcanhar de Aquiles da democracia representativa: a proteção dos interesses gerais, difusos, paga menos dividendos eleitorais que a promoção de interesses específicos, de grupos.

O nome do jogo é corporativismo. Federações empresariais fazem campanha para candidatos que acenam com tarifas protecionistas ou subsídios do BNDES. Sindicatos de trabalhadores e empresários perfilam ao lado dos políticos que acenam com o retorno da contribuição sindical compulsória. As entidades do funcionalismo público marcham com os oponentes da reforma previdenciária.  As igrejas ajudam a formar as “bancadas de Deus” que asseguram isenções tributárias aos porta-vozes terrenos da palavra divina. As ONGs racialistas evitam lançar a pecha de racistasobre os que prometem eternizar as políticas de cotas aprovadas originalmente como medidas temporárias.

O “povo”, no idioma da política corporativa, é uma coleção de grupos de interesse. A nação, deduz-se, é um pacto de armistício entre eles. As versões extremas do corporativismo conduzem a sangrentos conflitos étnicos (Biafra, Ruanda), a ditaduras ordenadoras (Salazar, Vargas) ou, nas democracias, simplesmente ao colapso fiscal (Grécia).  O lulismo radicalizou os traços corporativos da tradição política brasileira. A fragmentação partidária atual é uma moldura perfeita para a manutenção dos privilégios de grupo. No aeroporto, à minha direita, uma dúzia de lépidos idosos oficiais somam-se à fila preferencial. Rumamos a uma tragédia grega, qualquer que seja o eleito?


Demétrio Magnoli, sociólogo, doutor em geografia humana pela USP


terça-feira, 4 de outubro de 2016

A tragédia das crianças esqueléticas no Iêmen - em grande parte motivada pela covardia da Arábia Saudita que tem o apoio dos Estados Unidos

Milhares de iemenitas passam fome após dois anos de guerra civil

Depois de dois anos de guerra civil, cerca de 1,5 milhão de crianças passam fome no Iêmen. Desde o mês passado, imagens de bebês desnutridos explicitaram a profundidade da crise humanitária e trouxeram a lembrança das fotos feitas na Somália e em Biafra, na Nigéria, no século passado.


Salem Abdullah Musabih, 6, com grau intenso de desnutrição, no Yemen (Abduljabbar Zeyad/Reuters)

Há vários motivos para explicar a crise no Iêmen. Essa nação já era o país árabe mais pobre antes de sucumbir á guerra em março de 2015, quando os hutis expulsaram o presidente Abed Rabbo Mansour Hadi.  Além disso, organizações internacionais que tentam ajudar a população enfrentam obstáculos por vezes intransponíveis. Na semana passada, uma funcionária da Cruz Vermelha foi libertada depois de mais de dez meses sequestrada pelos hutis, nome tribal pelo qual são conhecidos os xiitas iemenitas. Em agosto, um hospital da organização Médicos Sem Fronteiras no norte do país foi bombardeado pela coalizão liderada pela Arábia Saudita, que luta contra os hutis.

O bloqueio naval e aéreo imposto pela Arábia Saudita dificulta a entrada de alimentos. “O fechamento de portos e a destruição da infraestrutura gerou escassez de combustível e aumentou a dificuldade em conseguir alimentos, que estão muito caros”, diz Hailu Eregnaw Teka, coordenador  da Oxfam para o Iêmen.

Outro fator que complicou o acesso a alimentos foi a quebra de confiança do sistema financeiro sobre o pagamento de importações, do qual o Iêmen depende para suprir 90% das necessidades. O alto preço do combustível impede que produtores agrícolas gerem alimentos e trabalho. O desemprego atinge 70% da força de trabalho e uma em cada quatro empresas foram fechadas.

Além de enfrentarem o desemprego e a escassez, o conflito entre hutis, apoiados pelo ex-presidente Ali Abdullah Saleh, deposto em 2011, e a coalizão saudita, os civis convivem com a presença da Al Qaeda para a Península Arábica, tida como uma das facções mais perigosas do grupo que atua na região desde os anos 1990, e com o avanço dos terroristas do Estado Islâmico (EI).

Cerca de 65% dos quase 28 milhões de habitantes são sunitas, enquanto 35% são xiitas. A divisão reflete uma disputa de poder que vai além das fronteiras nacionais. Os sunitas são apoiados pela vizinha Arábia Saudita, aliada aos Estados Unidos e outras potências ocidentais, enquanto xiitas são financiados pelo Irã.  “O Iêmen se tornou campo de batalha pela supremacia no Oriente Médio. A dificuldade americana em criticar os bombardeios sauditas contribui para o prolongamento da crise”, diz o cientista político Jamsheed Choksy, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.

Mais de 6,5 milhões de pessoas morreram, vítimas de bombardeios, balas de franco-atiradores ou no fogo cruzado. Cerca de três milhões de iemenitas foram internamente deslocados pelos conflitos.  Ao contrário da Síria, a localização geográfica do Iêmen dificulta que a população busque um local seguro fora das fronteiras. O país faz fronteira apenas com a Arábia Saudita e Omã e fica distante da Europa.  “É difícil exagerar no desespero que está lá. A situação humanitária vai reverberar por décadas. É importante que qualquer que seja a autoridade legítima garanta que os direitos humanos sejam respeitados para que possamos impedir que a situação piore”, diz a pesquisadora da Human Rights Watch Kristine Beckerle, que esteve no país em agosto.

Leia também:
Iêmen: O desastre humanitário que o mundo não quer ver


Fonte: Revista VEJA