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quinta-feira, 23 de abril de 2020

O que vem por aí - Nas entrelinhas

Faltam leitos de UTI, respiradores e equipamentos de proteção, além de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, porque muitos estão se contaminando

Em sua primeira entrevista coletiva, o ministro da Saúde, Nelson Teich, ontem, anunciou que o governo federal prepara uma diretriz para orientar cidades e estados na flexibilização do distanciamento social contra o novo coronavírus, que deverá ser anunciada na próxima semana. Argumentou que o total de pessoas infectadas com Covid-19 é baixo se comparado com o total da população e fez a previsão de que menos de 70% da população contrairão a doença, ao contrário das estimativas iniciais. Segundo o ministro, o Brasil tem 43,5 mil casos do coronavírus. “Se a gente imaginar que pode ter uma margem de erro grande — digamos que a gente tenha aí 100 vezes, isso é só um exemplo hipotético — a gente está falando em 4 milhões de pessoas. Nós hoje somos 212 milhões”, explicou.

Teich arrematou: “Fora da Covid tem 208 milhões de pessoas que continuam com as suas doenças, com os seus problemas, e que têm que ter isso tratado. E o que é que representam, hoje, 4 milhões de pessoas num país como esse? 2% da população”, disse. O ministro anunciou o novo secretário-executivo do Ministério da Saúde: o general de divisão Eduardo Pazuello, que hoje é comandante da 12ª Região Militar, principal unidade de logística do Exército na Amazônia, responsável por quatro hospitais, embarcações, manutenção, suprimentos e uma companhia de comando, para o apoio às unidades de combate do Comando da Amazônia. Integrante do grupo de generais paraquedista do Rio de Janeiro que hoje forma o Estado Maior de Bolsonaro, é um especialista em logística. Sua missão no Ministério da Saúde será operar a estratégia de saída da política de isolamento social em todo país, sem deixar que haja o colapso do sistema de saúde pública. Se houver precipitação, será uma missão impossível.

Como Teich ainda aparenta muita insegurança no comando do Ministério da Saúde, a entrevista foi protagonizada pelos ministros da Casa Civil, Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. O primeiro apresentou dois planos de retomada da economia, denominados Pró-Brasil Ordem e Pró-Brasil Progresso, para serem executados num período de dez anos. O viés é desenvolvimentista, na linha do famoso tripé Estado, iniciativa privada e investimentos estrangeiros. Em meio à recessão mundial provocada pelo coronavírus, é inevitável a comparação com o ambicioso II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do presidente Ernesto Geisel, que foi abatido pela crise do petróleo. Braga Netto disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, que não estava presente na coletiva, endossou o plano.

O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, roubou a cena. Resolveu puxar as orelhas da imprensa: “Nós, do governo do presidente Jair Bolsonaro, respeitamos muito a liberdade de imprensa e ela é fundamental para o processo democrático de todo o país. Porém, desde o começo dessa crise do coronavírus, nós temos observado uma cobertura maciça dos fatos negativos. Os noticiários entram nos lares brasileiros todos os dias. Com todo respeito, no jornal da manhã é caixão, é corpo. Na hora do almoço, é caixão novamente, é corpo. No jornal da noite, é caixão, é corpo e o número de mortos.” [correta a observação do general - a quase totalidade da imprensa, em qualquer mídia, destaca o lado negativo dos efeitos da pandemia.
O número de recuperados RARAMENTE é mencionado - O número de mortos é sempre apresentado, destacado, eventual manuseio inadequado de corpos é enfatizado, abertura de covas é destacada, sem menção a que se trata de um procedimento rotineiro em cemitérios após as chuvas. 
A propósito, apesar do quadro caótico que tentam apresentar, Brasília apresenta 25 mortos, pouco mais de 900 comprovadamente infectados e mais de 500 recuperados.
A falta de materiais é sempre ressaltada - indiscutível que a proteção do pessoal da saúde é indispensável (até os mais egoístas não podem omitir que cada profissional de saúde que adoece é um a mais para ocupar os já escassos leitos de hospital e um a menos para salvar vidas) mas grande parte da carência é motivada por problemas de importação.]

Negociação
Falta ao governo um Aureliano Chaves, o vice-presidente civil do general João Baptista Figueiredo, para falar que não adianta tapar o sol com a peneira. O número de mortos aumenta e a situação é critica nos hospitais do São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Roraima, estados nos quais afrouxar a política de isolamento social agora significa multiplicar o número de mortos por falta de assistência médica adequada. Faltam leitos de UTI, respiradores e equipamentos de proteção individual, além de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, porque muitos estão se contaminando. Talvez o general Pazuello seja mais importante para enfrentar o problema de logística no gerenciamento da falta de equipamentos e pessoal do que na estratégia de saída do isolamento, [subordinada a pessoas, em sua maioria, incompetentes - até por inexperiência - que por vaidade, interesses não republicanos, querem estar a frente de tudo que possa render dividendos no futuro.
Se houver erros, jogam a culpa no governo federal.] que necessariamente  [sic] estará subordinada a governadores e prefeitos.

A propósito, foi simbólica a presença do governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB), na entrevista. Sinaliza duas coisas: primeiro, que a situação do Distrito Federal é critica, do ponto de vista dos recursos disponíveis; segundo, que está havendo uma forte aproximação do MDB com o governo, de olho na sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara. Ontem, o presidente da legenda, Baleia Rossi (SP), esteve com Bolsonaro, como parte de uma rodada de conversas para rearticular a base do governo e esvaziar a liderança de Maia. [essencial tanto agora,  para redução de danos, quanto no futuro,  para facilitar a recuperação econômica,  que o deputado Maia seja afastado, por fatos, dos cargos de 'primeiro-ministro' e 'corregedor-geral dos Poderes' e não seja permitido, negociado ou mesmo cogitado,  a violação da Constituição Federal para que ele continue na presidência da Câmara dos Deputados.] Também haverá uma conversa de Bolsonaro com o presidente do DEM, ACM Neto, prefeito de Salvador (BA), agendada para hoje.

A operação de reaproximação com o Congresso tem apoio dos caciques do Centrão: Roberto Jefferson, PTB; Valdemar Costa Neto, PR; Gilberto Kassab, PSD; Ciro Nogueira, Progressistas; e Paulinho da Força, Solidariedade. A negociação envolve a entrega da Funasa, do Banco do Nordeste, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e dezenas de cargos de segundo e terceiro escalões para esses partidos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Força de Mourão vem dos erros de Bolsonaro


A oposição que me perdoe, mas, no curto prazo, o maior inimigo do governo federal é o próprio governo. A ausência de um projeto oposicionista de reforma do Estado e a crise atual do petismo constituem parte da explicação desse fenômeno. Só que existe outro lado mais importante neste processo: o eleitorado e os apoiadores de Jair Bolsonaro são muito mais amplos e heterogêneos do que o discurso mais sectário adotado regularmente pelo presidente. É disso que decorre o surgimento do vice-presidente, Antônio Hamilton Mourão, como sombra, contraponto e, numa hipótese mais extrema, alternativa real de poder.

Evidentemente que essas circunstâncias não são novidade no país. O presidencialismo brasileiro, pelo menos desde a Constituição de 1945, é marcado pelo possível conflito entre o titular e seu vice. Naquela época, a possibilidade de eleger uma dupla com políticos vindos de chapas diferentes, como foi o caso de Jânio Quadros e João Goulart, potencializava a crise. Mas mesmo durante o período autoritário houve embates fortes, como no caso de João Figueiredo e Aureliano Chaves. A falta de um papel institucional mais claro para a vice-presidência explica parte desse problema, contudo, no mais das vezes, são os erros do presidente que dão asas ao seu par.

O tipo de presidencialismo derivado da Constituição de 1988 tornou mais importante e complexa a montagem da coalizão de governo, por meio da combinação de multipartidarismo, federalismo e divisão de Poderes. O sistema não é ingovernável, como mostraram Fernando Henrique e Lula, no entanto, nenhum presidente ou partido consegue governar sozinho o país, de modo que é necessário angariar apoios políticos e sociais amplos e heterogêneos. Quando Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff perderam a capacidade de atrair os atores para além de seu grupo político mais restrito, abriram as portas não só para o próprio impeachment, mas também para a ascensão de seus vices.

É essa realidade mais geral que o presidente Bolsonaro precisa compreender. Embora a eleição dele tenha sido marcada pela crise do sistema político montado na Nova República e consolidado a partir do Plano Real, dois fatores continuam contribuindo para a necessidade de se governar por coalizão e levar em conta um espectro mais amplo de apoios. O primeiro é que sua vitória eleitoral não adveio do bolsonarismo raiz. O tamanho deste talvez esteja próximo dos dados da última pesquisa do Datafolha feita antes da trágica facada, enquete realizada nos dias 20 e 21 de agosto e que marcava 22% de preferências pelo então candidato Bolsonaro.

O episódio da facada e a incapacidade de outros candidatos de centro subirem nas pesquisas favoreceram a migração de um grande contingente de eleitores antipetistas ainda no primeiro turno para Bolsonaro, processo que se completou no segundo turno com a aquisição de votos de outro grupo considerável de cidadãos que não queriam o PT no poder. No computo final, o presidente eleito teve 55% dos votos válidos, mas deve-se ressaltar que, além dos que votaram em Fernando Haddad e daqueles que se abstiveram ou votaram branco e nulo, muitos dos que elegeram o novo governante, quiça a metade destes, não se identificavam com o bolsonarismo raiz.

Diante disso, o discurso do presidente precisa ser mais amplo e plural do que o conteúdo de seus tweets. Ao falar basicamente ao seu eleitorado mais cativo, Bolsonaro abre o flanco para o descontentamento de grande parte dos que votaram nele, para não falar dos oposicionistas e dos que não votaram em nenhum dos candidatos. Sei que seus estrategistas, principalmente seus filhos, têm uma opinião diferente. Eles preferem seguir a máxima de Trump, de apostar na manutenção do apoio dos mais fiéis. Só que há uma enorme diferença entre os Estados Unidos bipartidário e o Brasil multipartidário: aqui, sempre é possível ter mais opções políticas do que a luta entre um governo e uma oposição bem definidos.

Hoje, Mourão é a voz da moderação em comparação a Bolsonaro, atraindo a simpatia dos que votaram no presidente, mas não são bolsonaristas, e até dos que votaram no candidato da oposição. Esse poder de atração, entretanto, é um fator mais forte na esfera política e junto aos grupos de interesse mais influentes, como as instituições financeiras, a mídia, parte do empresariado, universidades e outros setores da sociedade civil organizada. É neste âmbito que há mais gente comparando o desempenho do presidente com o do vice.

A estratégia política de Bolsonaro, de discursar basicamente para os seus eleitores mais fiéis, principalmente usando as redes sociais, é a maior alavanca para o crescimento do poder de Mourão. Quando ele usa o argumento da "nova política versus a velha política" e emperra o processo político no Congresso Nacional, aqueles que querem a aceleração das reformas de Estado ficam mais descrentes do bolsonarismo e, como viúvas de seu próprio voto, procuram alguém para se consolar dentro do condomínio do governismo - se não for o vice, pode ser o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Ao atacar como inimigos da pátria grupos como a mídia, os ambientalistas, os ativistas sociais, as universidades, os professores, as minorias éticas ou de gênero e todos aqueles que não cabem no perfil bolsonarista raiz, Bolsonaro não atinge apenas a oposição. Seus atos e palavras desagradam mais gente e muitos dos seus eventuais eleitores de 2018, que não queriam o PT, mas que estão longe de um sectarismo conservador. O uso constante e radical dessa linguagem política contrasta com a comunicação feita agora por Mourão, que se orienta pela parcimônia no discurso e pela conversa com todos os atores sociais. O contraste entre presidente e vice também é percebida no plano das relações internacionais. Se Bolsonaro radicaliza o discurso sobre a Venezuela, Mourão adota uma postura mais cuidadosa e realista. Se o bolsonarismo propõe que a embaixada em Israel vá para Jerusalém, o vice conversa com os representantes dos países árabes. [não tem o menor sentido mudar na sede da Embaixada - a embaixada do Brasil deve permanecer em Telaviv e se Israel quiser mudar sua capital, aproveite e devolva o território que tomou dos árabes.

Para se massacrar palestinos, civis e inocentes, na Faixa de Gaza.]  E toda vez que o discurso da Presidência da República for contra o multilateralismo (ou globalismo, como diriam os olavistas) e agendas internacionais mais consolidadas, como a questão ambiental, parte dos atores internacionais vai procurar o morador do Palácio do Jaburu.

Mas o maior tiro no pé da estratégia política bolsonarista é tensionar a relação com os militares.
O discurso olavista, vindo do próprio ou dos filhos do presidente, começou batendo em Mourão e, pouco a pouco, migrou suas insatisfações para as Forças Armadas. Imagine se Olavo de Carvalho fosse apoiador de Lula ou Fernando Henrique e tivesse dito o que falou dos militares e de alguns de seus líderes específicos. Nem é possível imaginar.  Talvez a razão que levou setores do bolsonarismo a criticar o comportamento dos militares esteja no fato de que as lideranças das Forças Armadas, no mais das vezes, entenderam o sentido político do governo atual: para ter uma governabilidade efetiva, é preciso ampliar o diálogo e mesmo a negociação para além dos circuitos mais fechados do PSL e dos apoiadores de primeira hora do presidente Bolsonaro. E, neste sentido, comportam-se do mesmo modo que Mourão - e de maneira inversa à lógica dos tweets do presidente e seus filhos. [é preciso que Bolsonaro ceda um pouco, dispensando o assessoramento inútil dos filhos e detonando dispensando o próprio Olavo, mas, é inaceitável que os círculos mais conservadores pró Bolsonaro, que incluem os apoiadores de primeira hora e bolsões mais fechados do PSL, sejam deixados de lado.]

Claro que muitos atores políticos e analistas podem, com razão, pedir maior discrição no comportamento de Mourão. Porém, não se trata somente de uma situação individual. Do mesmo modo que o presidencialismo de coalizão responde a questões estruturais do sistema político e da sociedade brasileira, é possível dizer que quando o presidente não consegue manter um amplo apoio dos partidos e de diversos setores sociais quase que naturalmente surge um "vice-presidencialismo de conspiração". Isso já aconteceu antes, como nos casos de Collor e Dilma no período mais recente.

Pode-se acusar os vices de conspiradores, todavia, a maior causa desse processo está na inabilidade dos presidentes. Sempre se fala bem de Marco Maciel e José Alencar, pela sua lealdade em relação ao companheiro de chapa presidencial. Isso é verdade. Só que o comportamento deles esteve muito vinculado à qualidade da liderança e dos governos de Fernando Henrique e Lula, que conseguiram manter, por um longo tempo, um apoio político e social que era maior do que os seus partidos. Do outro lado do fenômeno, Itamar e Temer foram vistos como alternativa de poder quando a possibilidade de impeachment surgiu, mas vale lembrar que não eram vistos com bons olhos antes. A instabilidade e a mudança política derivaram mais dos erros dos respectivos presidentes do que pela grande capacidade conspiratória dos vices.

O presidente Bolsonaro e parte dos seus apoiadores precisam aprender com a história recente do país. Mais ainda agora, num momento em que o Brasil, mesmo se fizer reformas certas, vai demorar pelo menos dois anos para sair da crise econômica e social. Em vez de brigar com Mourão, deveriam tê-lo como ponte junto aos atores que não são bolsonaristas de raiz. Sem esse elo, a travessia será mais difícil e pode nos levar não ao Éden, mas a uma nova instabilidade política do presidencialismo de coalizão, antessala do "vice-presidencialismo de conspiração".

 
Fernando Abrucio - Valor Economico 


domingo, 28 de abril de 2019

Elio Gaspari: De Floriano@mil para Mourão@pol

Um e-mail póstumo com conselhos do vice-presidente Floriano Peixoto para o general Mourão 

Vosmicê é vice porque o capitão Bolsonaro foi eleito, e não o contrário

Senhor general,

De vez em quando, nós, os vice-presidentes brasileiros, jantamos na fazenda do João Goulart. Ontem conversamos sobre vosmicê e quero dizer-lhe que sua conduta está mal vista. Por estranho que pareça, está mal vista porque o Café Filho, que em 1954 se dissociou de Getúlio Vargas, comparou vossa conduta à minha. Repetiu a ideia de que o marechal Floriano Peixoto salvou a República.

Eu não gosto do Café, um espertalhão medroso. Achei a ideia despropositada.
Vice-presidente não é contraponto. Eu fui eleito em 1891 naquele processo abstruso pelo qual o titular podia vir de uma chapa e o vice, de outra. Felizmente acabou-se com isso. Vosmicê é vice porque o capitão Bolsonaro foi eleito, e não o contrário. O senhor falava em autogolpe e as vivandeiras do século 21 asseguraram que vossa presença na chapa simbolizava um respaldo militar. Como soldados, sabemos que essa é uma meia verdade. Metade pode ser respaldo, mas a outra metade chama-se anarquia, e vice fazendo contraponto ao presidente só serve para estimulá-la.

O Jango é amigo de um sujeito chamado Sérgio Porto que se apelida de Stanislaw Ponte Preta. Ele diz que vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. Não vou a esse ponto, mas o vice deve ter cuidado ao expor diferenças.
Sempre falei pouco. Chamavam-me de "Esfinge". Eu era vice do marechal Deodoro da Fonseca, um bom homem, doente e inepto, que tentou um golpe, fracassou e renunciou.
 
As vivandeiras festejaram a queda do Deodoro porque ele ameaçava as instituições republicanas. Puseram-me na cadeira. O que conseguiram? Uma ditadura, da qual não me arrependo. Manietei o Congresso, decretei o estado de sítio, intimidei a imprensa, desterrei monarquistas, mandei fuzilar um marechal, humilhei o Supremo Tribunal e derrotei revoluções. Consolidei a República e voltei para meu sítio. Só tivemos rebeliões militares décadas depois.

Passou-se mais de um século e o Brasil é outro. Tivemos disciplina nos quartéis por mais de 20 anos. O governo de que o senhor faz parte reacendeu a chama da presença de militares no poder (quase todos da reserva, inclusive vosmicê). Pode ser boa ideia, desde que não surjam os "generais do povo" ou sabe-se lá do quê. Militar só fala pela tropa quando está no quartel. Fora dele é paisano. Sei que o senhor supunha que teria grandes atribuições no governo e vossa sala continuou fora do prédio do Planalto. Sei também que o senhor vive sob o fogo da família real e de um Antônio Conselheiro envernizado. Lamento que isso esteja acontecendo, mas nunca servi publicamente de contraponto ao Deodoro, nem quando ele deu a um compadre a concessão superfaturada do porto de Torres, no Rio Grande do Sul. O bom general procura escolher o local e a hora da batalha.

Os dissabores não justificam a construção de contrapontos. Não é coisa de vice, muito menos de militar. Concordo com quase todas as suas opiniões, mas não aprovo a manobra. E nisso estão comigo os dois vice-presidentes militares da ditadura. Aureliano Chaves, o vice civil do general João Figueiredo, disse-me que só se afastou dele quando achou que o general tinha perdido o juízo. Lembremos que ele pensou até em meter-lhe a mão.

O senhor não precisa ser uma esfinge, basta virar a página, saindo da vitrine.

Do seu camarada de armas

Floriano Peixoto

A FIOCRUZ PEDE SOCORRO
A sacrossanta Fiocruz sangra. Seu quadro de servidores está encolhendo. Em 2013, contando-se os terceirizados eram 12.379; ao final de 2018 estavam em 11.899. Metade deles tem mais de 50 anos e os ventos da reforma da Previdência dobraram os pedidos de aposentadoria nos últimos dois anos.

Instituição centenária, a Fiocruz é um dos maiores centros de pesquisa do país e mostra seus serviços vigiando a saúde ou produzindo vacinas. Há três anos ela comprovou sua competência quando o país passou pelo surto de zika, associando o vírus a casos de microcefalia de bebês. Salvo um escandaloso convênio assinado em 2011 com uma empresa de Portugal, ela resistiu a tudo, inclusive ao comissariado petista. Depois de uma sucessão de lorotas, o negócio foi cancelado.

O dreno do quadro da instituição pode ser contido se forem recrutados alguns dos profissionais que prestaram os quatro concursos realizados nos últimos dez anos. Sem festa, basta seguir a colocação dos certames, antes que eles caduquem, o que acontecerá até junho do ano que vem. Não se trata de nomear companheiros ou sobrinhos, mas de repor as perdas com profissionais de competência verificada.

FICÇÕES DO MP
Nos lances que se seguiram à prisão de Michel Temer, o Ministério Público disparou contra ele uma sucessão de denúncias espetaculares.

A saber:
1) Temer teria mandado uma mensagem para o ex-ministro Moreira Franco à 1h25 do dia em que ambos seriam presos. Isso indicaria que ele sabia da próxima ação da Polícia Federal e, no meio da madrugada, estaria alertando o amigo. Falso. A hora mencionada pelos procuradores era a de Greenwich. No Brasil eram 21h25 e o assunto era banal.

2) Temer poderia fugir do país. Junto com esse receio apareceu a informação de que ele tem nacionalidade libanesa. Ele não a tem.

3) Uma pessoa tentou depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo em contas do coronel João Baptista Lima, o que indicaria que "a organização criminosa continua atuando". A tentativa de depósito em espécie era fantasia. Tratava-se de uma transferência eletrônica de uma agência do Bradesco para o Santander.

(...)
 
Elio Gaspari, jornalista - O Globo - Folha de S. Paulo

 

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Trapalhadas em família


Bolsonaro se deixa dominar pelos filhos, que atacam integrantes do governo, como o vice-presidente, e assumem poderes que não têm

O último surto dos filhos do presidente mostra, uma vez mais, a situação bizarra em que o Brasil se encontra. Um vereador do Rio fica dando ordens de bom comportamento ao vice-presidente da República. A família do governante se comporta como se o país tivesse escolhido, nas urnas, o clã inteiro para governar. O presidente não consegue ter a mínima autoridade em sua própria casa e aparece como um joguete na mão dos filhos.

Quando era perguntado sobre por que demonstrava pensamentos diferentes dos do então presidente João Figueiredo, Aureliano Chaves costumava responder: “não sou demissível ad nutum”. Esse é o ponto que inquieta os filhos do presidente. O vice-presidente, Hamilton Mourão, foi eleito, tanto quanto Bolsonaro, e tem suas próprias ideias. Não há razão alguma para que não possa tê-las, até porque na democracia a diversidade sempre foi melhor que a ordem unida.

Mourão não apareceu na vida nacional por ser um disciplinado soldado.
Pelo contrário, exatamente por expor suas ideias — de admiração pelo regime militar o general Mourão foi duas vezes punido antes de ir para a reserva. As suas indisciplinas, aliás, não foram piores que as do capitão Jair Bolsonaro, que acabou preso por 15 dias por desafiar superiores. Portanto, que não se peça agora a Mourão que apenas bata continência, seja um soldado de Bolsonaro. Goste-se ou não, ele tem um mandato.

Já os filhos do presidente não têm mandato para dar ordens na administração da República. Carlos foi eleito vereador, pode cuidar dos inúmeros problemas da cidade do Rio. Eduardo, seu irmão mais novo, foi eleito deputado federal e tem um mandato a exercer na Câmara. Os dois ontem estavam no Twitter se revezando em críticas a Mourão. Eduardo, a propósito, também não é — é bom lembrá-lo disso —o ministro das Relações Exteriores. O cargo está mal ocupado, é verdade, mas isso não dá ao filho número três a liberdade de assumir o comando da política externa. Flávio, o primogênito, atingido por um escândalo na largada, que ainda não explicou, ficou mais quieto inicialmente. Mas já apresentou uma ideia completamente sem sentido de acabar com a reserva legal nas propriedades rurais. Como senador, ele deveria ter a responsabilidade de estudar, por alto que seja, os assuntos sobre os quais quer fazer algum projeto. [a bagunça, até mesmo a indisciplina, protagonizada pelos filhos do presidente Bolsonaro, até que é administrável.
 
Basta o presidente decidir  levar a sério o exercício do cargo para o qual ELE, PESSOALMENTE, foi eleito, chamar os 'pimpolhos' e dizer para o Carlos:
- vc foi eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro, é seu DEVER, sua OBRIGAÇÃO, estar lá, exercendo seu mandato, sua ausência continuada, sua desídia com o mandato que o povo lhe concedeu, pode até justificar sua cassação;
 
Já para o senador Flávio lembrar que ele não é assessor do presidente da República, não é ministro - se Bolsonaro o quisesse exercendo um desses cargos o teria nomeado - foi eleito para SER SENADOR e tem o DEVER, a OBRIGAÇÃO de bem e fielmente cumprir seu mandato, ou a ele renunciar e pedir que o pai o nomeie ministro ou equivalente;
 
Para o Eduardo, lembrar que apesar da grande votação, foi eleito DEPUTADO FEDERAL e tem o DEVER, a OBRIGAÇÃO de exercer o mandato que lhe foi conferido na Câmara Federal. Caso não queira ser deputado, sugerir o mesmo que sugeriu para o senador Flávio.
 
Após explicar, de forma didática e séria, as funções públicas para as quais foram nomeados e TEM O DEVER DE EXERCÊ-LAS, BEM E FIELMENTE, o presidente pode então informar aos dignos filhos que caso algum deles queira falar com o Bolsonaro, o pai, devem promover tal conversa sem invadir reuniões (não consta que algum deles tenha invadido uma reunião de Bolsonaro com ministro, com o vice-presidente, ou outra autoridade) e conversar pessoal e reservadamente com o pai - sem sair alardeando antes ou após a reunião o tema da mesma.
 
Se o assunto tratado for de caráter oficial, qualquer manifestação pública sobre o conversado fica ao exclusivo  critério da autoridade maior - o presidente da República - e deverá ser feita pelo porta voz do presidente.
 
Essas simples medidas bastam para enquadrar os filhos do presidente, deixar claro que eles o óbvio =  quem foi eleito presidente da República foi o JAIR BOLSONARO = e assim não podem, nem devem, interferir no governo do presidente Jair Bolsonaro.
 
Ao mesmo tempo, Bolsonaro - o pai extremoso - deixa um canal aberto para os filhos, de forma reservada, desfrutarem do amor paternal e oferecerem o amor filial ao pai.
 
ACABOU A ENCRENCA.] 
 
Mas mais do que terem mau desempenho como parlamentares, os três filhos do presidente criam dificuldades para o país atacando integrantes do governo do pai. Uma frente de constrangimento vem do autodenominado filósofo Olavo de Carvalho, a quem Carlos e Eduardo, e o próprio presidente, prestam uma patética vassalagem. Os ataques que, dos Estados Unidos, ele dispara contra pessoas como o ministro Santos Cruz, ou o próprio vice-presidente, não teriam a mais remota relevância. Têm destaque quando o presidente posta em rede social uma entrevista na qual ele mistura seus costumeiros palavrões, pensamentos rasteiros, com críticas a integrantes do governo.
 
[outra aberração, ou fantasma,  que atrapalha o Governo Bolsonaro é uma figura chamada Olavo Carvalho e que até agora não teve nenhuma utilidade ao governo do capitão; 

o que ele tem feito é semear a desarmonia, a cizânia, fazer comentários que não são da sua alçada, tuitar asneiras, ofender pessoas de bem;
tal individuo vive há décadas longe do Brasil, homiziado nos Estados Unidos, e que se dependesse do tal Olavo para obter votos, Bolsonaro não teria chegado sequer aos 100.000 votos.
 
Se o tal Olavo resolver privilegiar o Brasil e o Governo Bolsonaro com sua ausência, em no máximo uma semana será lembrado por, no máximo, meia centena alienados. Seus comentários, seus palpites, suas sugestões, não servem para nada e só atrapalham o Brasil.
 
Olavo de Carvalho tinha um site - Mídia Sem Máscara - que parece foi desativado, o que lamentamos já que ele poderia usar aquele domínio para veicular suas encrencas e provocações,  sem sentido e/ou necessidade e sem forçar audiência.
 
Aliás, ele se auto intitula filósofo e são pessoas do seu tipo, do seu comportamento, que fazem com que exista um brocardo (com o qual não concordamos) que diz: "A filosofia é uma ciência tal que com a qual ou sem a qual o mundo continua tal e qual."
 
Presidente Bolsonaro, peça ao filósofo de Virgínia para favorecer com sua ausência e silêncio ao Brasil, ao seu Governo e a todos os brasileiros e as coisas vão melhorar.]
O país está em uma enorme crise. Ela foi em grande parte herdada da última administração, mas o ex-presidente Temer tinha reduzido a dimensão do problema e deixado uma série de boas propostas prontas para serem assumidas pelo governo. [preferimos destacar que o termo 'última administração' se refere ao governo da escarrada ex-presidente Dilma Rousseff, já que o governo Temer só não deixou o Brasil em melhores condições pela sistemática sabotagem promovida pelo ex-procurador-geral da República, o tal Janot - aliás, as denúncias daquele ex-PGR, fundadas em grande parte em delações dos açougueiros de Anapólis, que até a presente data ainda não foram homologadas pelo STF.] Cabia ao presidente Bolsonaro aproveitar o momento de otimismo com a sua eleição e tomar decisões que ajudassem a tirar o país dessa longa estagnação.

A confiança na capacidade do governo Bolsonaro está derretendo entre os agentes econômicos e o mercado financeiro. Sua popularidade está em queda rápida. E isso, na visão dos analistas, tornará mais remota a possibilidade de o governo aprovar as necessárias reformas econômicas. Enquanto o país se preocupa com problemas reais — a alta taxa de desemprego que não cede, as projeções do PIB que desabam, a falta de perspectiva do país, o dólar que volta a rondar a casa de R$ 4,00 — a família presidencial gasta o seu tempo, e a nossa paciência, postando críticas a supostos inimigos do pai, mesmo quando estão dentro do governo, como o vice-presidente Hamilton Mourão. [conveniente lembrar que o vice-presidente Mourão, FOI ELEITO, e é indemissivel.
Mesmo que fosse demissivel, nãda existe que justifique tal medida.
Na campanha o general Mourão, se empolgou e falou algumas coisas que não soaram bem, mas, desde que foi empossado que tem honrado o cargo, inclusive, quando no exercício da Presidência da República.] Há, sinceramente, problemas maiores no país do que eventuais divergências de opinião entre Bolsonaro e seu vice. As trapalhadas dos filhos também seriam vistas como cômicas — que de fato são — se o presidente não fosse tão dominado por seu círculo familiar. Por isso é que um assunto menor passa a ser um problema da política nacional.
 
Míriam Leitão - O Globo
 
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Aureliano, modelo de vice de Mourão, notabilizou-se por divergir do titular


Os vices, como os ciprestes, costumam crescer apenas à beira do túmulo. Mas há exceções. Hamilton Mourão, por exemplo, começa a exibir os galhos antes da posse. "Serei uma mistura de Marco Maciel e Aureliano Chaves", disse o número dois de Jair Bolsonaro nesta quarta-feira, referindo-se aos vices de Fernando Henrique Cardoso e do general João Baptista Figueiredo. Maciel foi um vice dos sonhos. Era quase invisível de tão magro e reservado. Aureliano, entretanto, frequenta o verbete da enciclopédia como um pesadelo que tirou o sono do último presidente da era militar. 

Corpulento e expansivo, foi um vice, por assim dizer, espaçoso. "O Marco Maciel era uma pessoa extremamente discreta, um político hábil. É um bom exemplo de vice-presidente", enalteceu Mourão, antes de acrescentar: "O Aureliano era um pouquinho mais audaz. Mas é também um bom exemplo para ser seguido." Recém-saído do quadro ativo do Exército, o general que Bolsonaro escolheu como companheiro de jornada parece ambicionar uma nova carreira: "Aureliano era político. Eu acabo aprendendo."

Afora as substituições rotineiras, Aureliano, o protótipo de Mourão, comandou o Planalto em duas longas interinidades. 


MATÉRIA COMPLETA, clique aqui

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O triunfo do Bolsonarismo

Como os eleitores criaram o maior partido de extrema direita da história do país

Até o início do horário eleitoral, a visão dominante sobre as eleições de 2018 era a de que repetiria os padrões dos pleitos anteriores. Nem PT nem PSDB acreditavam no fenômeno Bolsonaro.  No sábado, véspera do primeiro turno das eleições, fui a uma festa de família em Nova Friburgo, minha cidade natal. Durante o dia, no inevitável passeio pela avenida principal da cidade, deu para perceber os sinais de campanha presidencial, o que não tinha ocorrido em nenhum momento no Rio de Janeiro: dezenas de cabos eleitorais balançando bandeiras, muita gente vestindo a camisa amarela com a foto de Bolsonaro estampada.

Em conversa com familiares, comecei a dimensionar a força do bolsonarismo na cidade. No grupo de 25 pessoas que jogam vôlei com a minha irmã, apenas ela e mais três disseram que não votariam no candidato do PSL; no grupo de vinte que jogam a tradicional pelada de fim de semana com o meu cunhado, apenas ele e mais quatro não iam votar em Bolsonaro. O mais inesperado foi ouvir relatos sobre antigos colegas de colégio, figuras silenciosas e discretas, que tinham se transformado em virulentos defensores de Bolsonaro nas redes sociais. Adotando uma “tática de enxame”, eles se especializaram em conjuntamente atacar páginas do Facebook de amigos que postassem qualquer crítica ao capitão.

Friburgo é uma cidade conservadora, mas saí de lá com a sensação de que Bolsonaro estava muito mais forte do que eu imaginava. De volta ao Rio, ao votar no primeiro turno, encontrei uma situação muito mais equilibrada. Meu passatempo, durante a longa espera, foi tentar identificar o voto dos eleitores das filas vizinhas. Alguns, atendendo ao pedido da campanha de Bolsonaro, chegaram com a camisa da Seleção brasileira. Vi muitos com adesivos de candidatos do PSOL e de Ciro Gomes. Será que as urnas em geral estariam mais próximas da maré bolsonarista vista em Friburgo ou do cenário mais equilibrado das filas de uma escola de Botafogo?

(...)
 
. Afinal, quais eram as bases do sistema partidário que teria sido destruído no primeiro turno do pleito de 2018?
Vale a pena voltar no tempo e lembrar a grande instabilidade que marcou a primeira década da vida partidária após a redemocratização. Cinco partidos foram fundados ainda no regime militar: PDS, PMDB, PT, PDT e PTB. Entre 1985 e 1994, nada menos do que 68 partidos foram organizados e disputaram pelo menos uma eleição. Dentre esses, destacam-se o PFL, o PSDB, o PL, o PCdoB, o PSB e o PRN.

Mais do que pelo grande número de legendas, o período foi caracterizado pela crise que afetou os partidos tradicionais. Nas eleições presidenciais de 1989, os candidatos do PMDB e PFL – os dois partidos responsáveis pela vitória na eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral – tiveram um desempenho pífio. Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte que encerrara seu trabalho um ano antes da eleição, obteve 4,7% dos votos. Aureliano Chaves, ex-vice-presidente da República, alcançou apenas 0,9%.

A vitória de Fernando Collor pelo PRN, legenda à qual se filiou apenas para concorrer à Presidência, e o subsequente governo de Itamar Franco, presidente que se desfiliou do PRN e governou sem estar vinculado a nenhuma legenda, ilustram bem o quadro de crise do sistema partidário nos primeiros anos da década de 90.


Para além do sucesso eleitoral, um aspecto que sempre chamou a atenção no PT foi a sua capacidade de organização. Enquanto os outros partidos mantiveram uma estrutura organizacional tênue, com baixo envolvimento dos filiados em suas atividades, o PT inovou ao apostar em uma estrutura capaz de mobilizar milhares de quadros para as suas fileiras.
Os cientistas políticos David Samuels e Cesar Zucco, no livro Partisans, Antipartisans and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (2018), mostraram como a divisão PT/anti-PT foi importante na escolha dos eleitores. Caso raro, o principal concorrente do PT não foi outro partido, mas um sentimento genérico com nome próprio: antipetismo.

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Numa eleição de tantas surpresas, nada foi mais espantoso do que a votação obtida pelo Partido Social Liberal para a Câmara dos Deputados. O partido obteve 11,3% dos votos e 10,1% das cadeiras. Havia conseguido eleger apenas um deputado federal nas quatro das cinco eleições que disputou antes de 2018. Era um dos partidos a serem barrados pela cláusula de desempenho. A filiação de Bolsonaro e de seus seguidores ao PSL, em março desse ano, mudou inteiramente a sorte da legenda.

O PSL foi o partido que teve o maior crescimento desde as eleições de 1990, quando é possível comparar com a primeira eleição do regime democrático, em 1986. Em 1990, o PRN do então presidente Collor obteve 8,3% dos votos, enquanto o estreante PSDB recebeu 8,7%. Ambos já contavam com um grande número de deputados e tinham o apoio de importantes lideranças regionais. Outra característica singular do PSL é o grande número de eleitos que disputam um cargo pela primeira vez.

(...) 

Escrevo as linhas finais desse texto poucos minutos após a confirmação de que Bolsonaro é o novo presidente do Brasil. Escuto muitos gritos, panelas batidas e fogos para celebrar a vitória. O volume se assemelha ao das manifestações contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Numa eleição de tantas novidades cabe registrar mais essa. Pelo menos no Rio de Janeiro, nunca tinha visto uma vitória eleitoral ser tão celebrada.

Ainda vou passar muitas semanas analisando os dados das eleições de 2018. Mas como não podia deixar de ser, começo observando o que ocorreu em Nova Friburgo: no primeiro turno, Bolsonaro obteve 63% dos votos válidos, Ciro Gomes, 16% e Haddad, 10%. No segundo turno, Bolsonaro obteve 73%. Já na minha zona eleitoral, no Rio, o quadro foi bem mais equilibrado no primeiro turno: Bolsonaro obteve 44% dos votos, Ciro, 30% e Haddad, 13%; no segundo turno Bolsonaro chegou aos 54%.
Olho os números e me dou conta de como Bolsonaro foi bem votado em outras áreas da cidade do Rio de Janeiro. Enquanto isso, os gritos pró-Bolsonaro e contra o PT continuam a ecoar lá fora. Realmente, estamos diante de um fenômeno eleitoral diferente de tudo que eu já tinha visto.

Matéria na íntegra, Revista Piauí
 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Coquetel de formicida

Publicado na versão impressa de VEJA
J.R. GUZZO


Este país, a cada dia que passa, vai se tornando um competidor favorito na disputa do Campeonato Mundial das Discussões sem Pé nem Cabeça. A contribuição mais recente das nossas altas autoridades para esse novo título nacional é o palavrório enfezado, tolo e pretensioso que se armou em torno da seguinte questão: a campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff foi feita dentro ou fora da lei? A resposta, pelo jeito que tomaram as coisas até agora, é que não pode haver resposta, pois não vale fazer a pergunta.



Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o homem que deveria procurar saber se aconteceu ou não aconteceu algo de errado na história, “não interessa à sociedade” discutir essas “controvérsias”; é inconveniente, a seu ver, que a Justiça se meta nisso, pois a eleição já foi, os vencedores devem “usufruir as prerrogativas de seus cargos” e os derrotados devem se preparar para a próxima. Não será possível, assim, saber se houve ou não houve algum crime ─ pela vontade da Procuradoria, não deve haver investigação, sem investigação não há prova e, sem prova, ninguém pode dizer que houve crime.

O passado passou. Ficam arquivadas as dúvidas. É melhor não fazer perguntas, pois há o risco de se encontrar respostas. A campanha para a reeleição de Dilma Rousseff e do seu entorno é uma viagem completa no trem fantasma da política brasileira

Apareceram a empregada doméstica que, pela contabilidade oficial, recebeu 1,6 milhão, mas não sabe que recebeu, o motorista que é sócio de empresa prestadora de serviços à candidatura oficial, o pobre-­diabo que é promovido a empresário para passar notas fiscais com temperatura de 10 graus abaixo de zero. Há uma indústria gráfica que recebe mais de 20 milhões de reais da campanha, mas não tem máquinas gráficas, nem funcionários, nem sede social.

Há de tudo ─ e ao mesmo tempo não há nada, pois, sem uma decisão judicial, os fatos que ocorreram não produzem efeito algum. Por via de consequência, como diria o doutor Aureliano Chaves, não se pode dizer que a presidente é culpada e não se pode dizer que é inocente; ficamos apenas com uma discussão de hospício. Já seria bem ruim se a questão ficasse só nesse porre mental, mas é pior. Antes e além da rixa entre a PGR e a Justiça Eleitoral, o que existe aqui é um caso para a vara de falências do mundo moral.

É bem simples. Todos falam, falam e falam, e ninguém toca no ponto de onde realmente vem o curto-circuito: como pode haver limpeza numa campanha presidencial que recebe contribuições oficiais, contabilizadas e pagas em moeda corrente, de empreiteiras de obras públicas, fornecedores do governo e toda a tropa de empresas que dependem de licenças, autorizações ou favores governamentais para sobreviver? Dá para levar a sério, sinceramente, o argumento mais sagrado de todos os candidatos a algum cargo eleitoral quando lhes perguntam quem financiou sua campanha? “Ah, bom, a doação que recebemos foi perfeitamente legal”, dizem eles. “Está tudo declarado, direitinho. A lei permite. 

Qual é o problema?”

O problema é que a contribuição legal é feita basicamente com dinheiro ilegal. Em português claro: dinheiro que vem da corrupção. Esqueçam-se a empregada, o motorista, a gráfica etc. A flor do mal está na origem contaminada das doações ─ se elas são fruto do crime, a coisa toda vai para o diabo. Eis aí o verdadeiro coquetel de formicida que envenena as eleições brasileiras. No caso da eleição presidencial de 2014, a campanha de Dilma Rousseff recebeu dinheiro de empresas dirigidas por criminosos processados e condenados por corrupção ativa na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba. Não há mais nada a provar quanto a isso: o processo tem 28 réus confessos, a maioria deles ligada a empreiteiras de obras públicas que declararam ter feito doações à candidata oficial.

Só uma delas, a Camargo Corrêa, vai devolver 700 milhões de reais ao Erário, após reconhecer que ganhou ilicitamente essa importância, pelo menos, em seus contratos com o governo. Será que Dilma não sabia nada sobre a origem dos 350 milhões de reais que gastou para se reeleger? Levou um susto quando soube? Nunca ouviu falar em empresas que roubam do governo e fazem contribuições de campanha? Naturalmente, não é só o PT que age assim ─ todos os seus adversários se servem dessa mesma rapadura. Mas os adversários não foram eleitos para a Presidência da República em 2014 ─ o problema concreto é de quem está sentado, hoje, num cargo ganho com a ajuda de dinheiro que veio do crime.

domingo, 18 de janeiro de 2015

De Figueiredo@org para Dilma@gov

Outro dia, um puxa-saco disse que resolvi não subir no meu próprio pedestal. 

Coisa de puxa-saco, mas talvez tenha razão, porque sei que me deixei levar pelo temperamento

Senhora,
Não gosto do seu governo, como vosmecê não gosta do meu. Quando eu assumi a Presidência, em 1979, meus serviços de informações acompanhavam seus passos. A senhora tinha 32 anos, saíra da cadeia, passara pela Universidade de Campinas, perdera um emprego em Porto Alegre e continuava militando na esquerda.

O SNI dizia que estava metida com uma tal de Junta de Coordenação Revolucionária. Veja como são as coisas que nos contam, a ameaça dessa JCR, à qual estaria ligado também o Fernando Henrique Cardoso, era um delírio de meia dúzia de generais. Volto a escrever-lhe sobre nosso temperamento explosivo (só eu, a senhora e o maluco do Jânio Quadros tivemos essa característica).

Desta vez, falarei da explosão que tive nas 24 horas seguintes à manhã de quinta-feira, 14 de março de 1985. Daqui a pouco completam-se 30 anos desses acontecimentos, e acredito que essa memória tenha alguma utilidade para a senhora. Eu havia bloqueado a campanha de Paulo Maluf à minha sucessão, e Tancredo Neves elegera-se pelo voto indireto. Tomaria posse na manhã de sexta-feira, dia 15. Seria o primeiro presidente civil depois de cinco generais.

Eu sabia que o Tancredo estava doente. Ao final da manhã, soube que ele precisaria ser operado depois de tomar posse. As coisas se aceleraram, e, na noite de quinta-feira, ele foi levado às pressas, de pijama, para o Hospital de Base de Brasília. A quem eu entregaria a faixa na manhã seguinte? Ao José Sarney?  Nem morto, pois detestava-o. Poderia transferir o cargo ao meu vice, o Aureliano Chaves, mas aí a coisa ficava pior, pois detestava-o ainda mais. Depois eu soube que o Aureliano estava pronto para sair no braço comigo caso eu lhe fizesse alguma descortesia durante a cerimônia. Duvido.

Decidi que não entregaria faixa nenhuma. Ia-me embora do Palácio e saí pela porta lateral. Senhora, ouvi meu fígado e arruinei a lembrança que os brasileiros têm de mim.
Nenhum dos meus colaboradores chamou-me num canto para dizer que estava cometendo uma maluquice. Conto-lhe isso porque a senhora sabe quantas vezes lhe faltaram vozes para recolocá-la no caminho da razão. A gente explode, todo mundo fica calado, e depois ficamos com a conta.

Imagine que alguém tivesse corrido o risco de me desafiar. Talvez eu tivesse cedido. Disso resultaria a cena do quinto general entregando a faixa ao Sarney. Seria o indiscutível coroamento da abertura política. Fui o presidente que assinou a maior anistia da História nacional. Presidi com lisura a eleição direta dos governadores. Leonel Brizola ganhou no Rio; Franco Montoro, em São Paulo; e Tancredo, em Minas. Encerrei o ciclo de presidentes militares entregando o poder a um político que militava na oposição.

Quem fez isso? Em ponto menor, só o Floriano Peixoto em 1894, mas outro dia ele me disse que não tinha pelo Prudente de Morais o apreço que eu tinha pelo Tancredo.
Daqui a dois meses, todo mundo lembrará a posse do Sarney, o fim da ditadura e o general que saiu pela porta lateral do Palácio. É a vida, e eu não posso culpar ninguém pela minha decisão.

Outro dia, um puxa-saco disse que resolvi não subir no meu próprio pedestal. Coisa de puxa-saco, mas ele talvez tenha razão, porque eu sei que me deixei levar pelo temperamento.

Recomendo-me ao seu neto Gabriel e despeço-me.

João Baptista Figueiredo