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domingo, 28 de janeiro de 2024

O rancor dos velhos pecadores - Augusto Nunes

Revista Oeste

Criminosos perdoados em 1979 só anistiam companheiros de seita

 Ato pela anistia de presos políticos, na Praça da Sé, em São Paulo, em 1979, e manifestação pela democracia e contra o ataque bolsonarista com a mensagem "sem anistia", na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2023 | Foto: Montagem Revista Oeste/Ennco Beanns/Arquivo Público do Estado de São Paulo/Shutterstock 
 
A anistia de 1979 impede que Franklin Martins se queixe da vida
Hoje com 75 anos de idade, ele foi preso em 12 de outubro de 1968, na abertura do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, e libertado 60 dias depois, na véspera da decretação do Ato Institucional nº 5. É pouco tempo de gaiola para tão extensa ficha criminosa. 
Capixaba criado no Rio de Janeiro, Franklin juntou-se à extrema esquerda ainda na adolescência. Presidente da União Metropolitana dos Estudantes, já defendia a troca da ditadura militar pela ditadura do proletariado. 
Filiado ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, um dos grupos comunistas convencidos de que poderia derrubar o governo à bala, participou de um punhado de ações criminosas antes de articular, em parceria com a Ação Libertadora Nacional (ALN), o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. 
 
Num documentário sobre o episódio que assombrou o país de 4 a 7 de setembro de 1969, Franklin confirma, com a placidez de quem acabou de comungar, que estava pronto para o papel de carrasco. “Sempre entendi que, se não fôssemos atendidos, Elbrick seria executado”, admite sem vestígios de remorso. Como a junta militar que governava provisoriamente o país aceitou embarcar rumo ao México o grupo de 15 extremistas que incluía líderes estudantis presos um ano antes, o carcereiro foi dispensado de matar o refém. 
Retomou a vida clandestina até concluir que seria menos perigoso expor em outras paragens seus quase 2 metros de altura. Morou no México, fez uma escala no Chile e estava em Cuba quando a anistia encerrou o banimento imposto a envolvidos em sequestros de embaixadores. 
Capixaba criado no Rio de Janeiro, Franklin juntou-se à extrema esquerda ainda na adolescência | Foto: Juca Varella/Instituto Lula
Com pouco mais de 30 anos, Franklin teve tempo para ganhar notoriedade como jornalista da Globo, infiltrar-se no alto comando do PT, tornar-se ministro das Comunicações no segundo governo Lula e fazer o diabo na luta pela adoção do “controle social da mídia”, outro codinome da censura à imprensa. Agora semiaposentado, trocou a discurseira agressiva por lições enunciadas com voz de avô que tudo vê e tudo sabe. Ultimamente, anda ensinando que as depredações ocorridas em Brasília no 8 de janeiro escancararam uma tentativa de golpe de Estado — e que lugar de golpista é na cadeia. Portanto, é preciso apoiar a palavra de ordem deste estranho verão:SEM ANISTIA”. 
Isso é coisa para a turma que recorreu à luta armada para chegar ao paraíso socialista sem perder tempo com escalas na detestável democracia burguesa.
 
Muito mais grave é a tentativa de golpe abastecida por vendedores de algodão-doce, concorda José Dirceu, uma das 15 moedas de troca incluídas na barganha que livrou da morte o embaixador Elbrick. 
Presidente da União Estadual dos Estudantes, pai da ideia de realizar em Ibiúna o Congresso da UNE que destruiu a entidade, Dirceu voltou secretamente do exílio em 1973, com o nariz redesenhado por um bisturi, o codinome Daniel, um fuzil numa das mãos e, na outra, o diploma de guerrilheiro formado em Cuba. 
Viu que a coisa estava feia, deixou para mais tarde a hegemonia proletária, mudou de identidade, apareceu na paranaense Cruzeiro do Oeste fantasiado de pecuarista, casou-se com a dona da mais próspera butique da cidade e não revelou quem era, mesmo depois do nascimento de um filho.
 
O guerrilheiro que só disparou balas de festim teria envelhecido por lá se a anistia de 1979 não o livrasse do medo, do casamento e da rotina tediosa. Com o nariz restaurado, desembarcou em São Paulo a tempo de participar da fundação do PT, eleger-se deputado, presidir o partido, comandar em 2002 a vitoriosa campanha de Lula, tornar-se o mais poderoso dos ministros e usar a faixa de capitão do time do presidente. 
Por pouco tempo: o envolvimento em sucessivos escândalos custou-lhe a perda do gabinete no Planalto, do mandato parlamentar e da pose de comandante em combate. 
Aos 77 anos, liberado pelo Supremo Tribunal Federal de mais sessões de fotos de frente e de perfil, desfruta da vida mansa que garantiu ao exercer o ofício de facilitador de negócios suspeitíssimos
Sobra-lhe tempo para desfraldar, em palavrórios publicados por um site companheiro, a bandeira com a inscrição “SEM ANISTIA”.
José Dirceu do século passado não tinha nenhum respeito por adversários | Foto: Reprodução/Redes Sociais
“O que a sociedade quer saber”, comunicou Dirceu no artigo de estreia, “é se todos os implicados nesse crime de traição à Constituição e à democracia em nosso país, sejam eles civis ou militares, populares ou empresários, responsáveis pelas redes sociais, políticos ou não, vão ter as penas que merecem. Só teremos as respostas com a conclusão dos inquéritos e processos conduzidos legitimamente pelo ministro Alexandre de Moraes”
O José Dirceu do século passado não tinha nenhum respeito por adversários.
Num comício em São Paulo, afirmou que o governador Mário Covas e seus partidários mereciam “apanhar nas urnas e nas ruas”
A versão 2024 é menos belicosa: “O resultado das eleições deve ser respeitado”, anda recitando. 
 
As reações do Partido dos Trabalhadores aos resultados das eleições presidenciais sugerem que a recomendação do guerreiro do povo brasileiro seja endereçada à sigla que abrigou toda a turma que a anistia de 1979 resgatou da cadeia, do exílio ou da clandestinidade. A intolerância rancorosa sempre foi a mais notável marca de nascença da seita que tem em Lula o seu único deus. 
Derrotados, os devotos nem esperam a posse do adversário para tentar despejá-lo do cargo.
Em 1989, 1994 e 1998, gritaram Fora, Collor!, Fora, Itamar! e Fora FHC!. Em 2016 e 2018, berraram Fora, Temer! e Fora, Bolsonaro! 
É verdade que poucos partidos sabem perder uma eleição com elegância. Mas o histórico das disputas escancara um segundo e ainda mais espantoso defeito de fabricação: além de não saber perder, o PT também não sabe ganhar.
 
Em vez de comemorar o próprio triunfo, o petista-raiz festeja a derrota do inimigo. 
Em vez de celebrar a vitória dos seus candidatos, arma a carranca e sai por aí à caça de vencidos a espezinhar. 
Transformado num viveiro de ressentidos sem cura, o ajuntamento esquerdista não consegue ser feliz. 
Para gente assim, algum inimigo é o culpado por todos os problemas passados, presentes e futuros. Em 2003, por exemplo, Lula assumiu a Presidência grávido de ressentimento com Fernando Henrique Cardoso, que lhe impusera duas goleadas sucessivas ainda no primeiro turno. Só por isso fingiu não enxergar as transformações modernizadoras embutidas no legado que lhe caíra no colo. 
O Plano Real, por exemplo, havia enjaulado a inflação selvagem. 
O processo de privatização já exibia sua musculatura modernizadora e fixara-se um limite para a gastança. 
Pois foi só FHC descer a rampa do Planalto para que Lula começasse a recitar a lengalenga da “herança maldita”.
A freguesia da “bolsa ditadura”, formada majoritariamente por anistiados de 1979, é engrossada pela ala da “anistia reflexo”, composta de parentes de supostos perseguidos.

E inclui o bloco que conseguiu a Declaração de Anistia, documento que isenta o portador de pagar o Imposto de Renda pelo resto da vida
O culpado da vez é Jair Bolsonaro. Foi ele o responsável no Brasil pelas mortes causadas em outros países por um vírus chinês.  
Foi Bolsonaro quem ressuscitou a pobreza extinta por Lula e a miséria erradicada por Dilma. 
Foi ele quem mandou matar Marielle Franco (e convém verificar se não estava em Santo André quando Celso Daniel foi assassinado)
Foi ele quem tentou exterminar os ianomâmis. 
Evidentemente, foi Bolsonaro quem chefiou a tentativa de golpe de Estado ocorrida em Brasília em 8 de janeiro de 2023. 
Era previsível que o ex-presidiário que prometeu ao menos abrandar o clima de polarização política se engajasse com entusiasmo na campanha contra a decretação de uma anistia que encerraria o drama vivido por mais de mil brasileiros que não votaram no candidato do PT. 
stf bolsonaro
Segundo o PT, Jair Bolsonaro é o culpado da vez | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em 1979, o regime militar liquidara a oposição armada, mas o estado de direito era ainda um brilho nos olhos dos democratas. O AI-5 fora revogado no fim do ano anterior, mas os governadores haviam sido indicados pelo governo federal, e só dez anos mais tarde o presidente da República voltaria a ser eleito pelo voto direto. 
Ainda assim, a anistia foi um avanço e tanto. 
Centenas de exilados foram festivamente recebidos no Aeroporto do Galeão, a libertação dos 53 condenados pela Justiça Militar esvaziou as celas antes atulhadas de sobreviventes da luta armada, as tensões se abrandaram imediatamente. 
Só continuaram zangados os militantes que em 1980 se reagrupariam no PT — e zangados continuariam por quatro motivos. 
 
Primeiro: embora nenhum dos grupos extremistas tenha atraído mais de cem militantes, todos se julgavam representantes de todos os brasileiros. Segundo: um soldado do povo não comete crimes, pratica ações revolucionárias; não mata seres humanos, executa inimigos dos explorados; não assalta bancos, expropria ícones do capitalismo selvagem. Terceiro: anistia só deve valer para quem contempla o mundo apenas com o olho esquerdo. 
Quarto: faltava a indenização. Os perdoados que não perdoam deram-se por satisfeitos com a criação da Comissão de Anistia, o mais generoso e complicado monstrengo administrativo inventado desde 1500. 
Criada em 2002 para consolar com indenizações e mesadas vítimas de perseguições políticas ocorridas entre 1946 e 1988, ninguém sabe direito onde fica a comissão, quem a dirige, quantos são os clientes, qual é o tamanho da gastança e quais são os critérios que regulam as enxurradas de reais.
 
 A freguesia da “bolsa ditadura”, formada majoritariamente por anistiados de 1979, é engrossada pela ala da “anistia reflexo”, composta de parentes de supostos perseguidos. 
E inclui o bloco que conseguiu a Declaração de Anistia, documento que isenta o portador de pagar o Imposto de Renda pelo resto da vida. 
Os requerimentos (mais de mil por mês) são julgados pelos integrantes do Conselho da Comissão de Anistia, subordinado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. 
O Orçamento de 2024 destinou cerca de R$ 180 milhões à comissão. 
Nos últimos 20 anos, saíram por esse ralo quase R$ 7 bilhões.  
O ranking dos milionários é liderado pelo jornalista Paulo Cannabrava Filho, que ingressou no clube dos indenizados em 3 de agosto de 2008. Segundo a Gazeta do Povo, até 2019 o campeão havia recebido R$ 4,7 milhões a título de indenização, fora os pagamentos mensais de valor ignorado pelos brasileiros que bancam a farra.  
No blog em que segue combatendo os inimigos da democracia e defendendo os amigos dos pobres do Brasil, Cannabrava afirma que os presos do 8 de janeiro não são apenas golpistas. 
São também terroristas. Devem, portanto, ser duramente punidos. 
Que sobrevivam na cadeia ou atrelados a tornozeleiras. 
Com ou sem julgamento. Sem provas de culpa. Sem anistia. E, claro, sem indenizações.
 
Ao saber que o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro o incluíra numa lista de candidatos a indenizações, Millôr Fernandes exigiu a retirada do seu nome e desmoralizou a malandragem: “Pensei que era ideologia. Era investimento”. A mobilização dos perdoados incapazes de perdoar cabe em outra lição de Millôr: “Ditadura é quando você manda em mim. Democracia é quando eu mando em você”
Como ensinou o grande pensador, “democracia é torcer pelo Vasco na torcida do Flamengo”
Os que berram “sem anistia” sonham com um Brasil de torcida única e um time só. Qual seria? 
O apontado pelo consórcio que junta o Supremo Tribunal Federal, o atual governo e a imprensa velha.
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste
 
 Com reportagens de Anderson ScardoelliCristyan Costa.

Leia também “Nem Churchill escapou”

 

 

 


domingo, 6 de novembro de 2022

A Direita Está aí

Revista Oeste

Os protestos contra o desempenho do TSE na campanha e o cerco à Jovem Pan estão entre os destaques da Oeste

 

Capa da Revista Oeste. Edição 137. Mesmo sob chuva, uma multidão se reúne na frente do Comando Militar do Leste, na Praça Duque de Caxias, no centro do Rio de Janeiro, nesta quarta, dia 02 | Foto: Redes Sociais

Bastou ser anunciada a vitória de Lula na eleição presidencial para que o chamado Orçamento secreto (“um escândalo comparável ao Mensalão”, berrava a imprensa velha) fosse reduzido a um inofensivo punhado de “emendas do relator”. Com a mesma brandura, a Folha comunicou na manchete que a “equipe de Lula vai propor ‘PEC da transição’ para autorizar gastos extras em 2023”. Tradução: o chefão do PT pretende estourar o teto de gastos e colocar em risco a estabilidade econômica do país, conquistada depois da catastrófica herança legada por Dilma Rousseff.

Na mesma semana que se sucedeu à eleição, o ministro Luís Roberto Barroso, em nome do STF, publicou um despacho que modifica uma das cláusulas pétreas da Constituição: o direito à propriedade. 
 E Alexandre de Moraes, presidente do TSE, continuou convencido de que manda no Brasil ao ameaçar de prisão o chefe da Polícia Rodoviária Federal. “Qual a lei que permite ao chefe da “justiça” eleitoral se intrometer em greve de motorista de caminhão?”, pergunta J.R. Guzzo nesta edição de Oeste.

“O PT, a esquerda e o STF, mais a mídia em peso, estão falando há quatro anos que Bolsonaro é o maior perigo que jamais surgiu para a democracia brasileira; a única salvação era votar em Lula”, registra Guzzo. “Pois aí está: não há mais Bolsonaro nenhum, e querem continuar violando a lei para salvar as ‘instituições’”.

O PT juntou-se a essa marcha da insensatez com a ideia de criar uma “Guarda Nacional” que substituiria o Exército como a principal força armada do país. “Lula nunca presidiu o país com um PT tão extremista como o de hoje, nem com um Supremo que se comporta como esse, e nem com uma mídia que está à esquerda de ambos”, observa Guzzo.

Essa mesma mídia encampou alegremente a censura a veículos de comunicação, que suprime o sagrado direito à informação. “Durante todo o governo Bolsonaro, quem quer que enxergasse alguma virtude na agenda ou na equipe era logo tachado de ‘blogueiro bolsonarista’”, lembra Rodrigo Constantino. “Aconteceu o mesmo com empresários: nunca antes tínhamos ouvido falar em empresários petistas ou empresários tucanos, mas aqueles empresários que apostavam no governo de direita foram logo rotulados de empresários bolsonaristas, o que, para a mídia militante, é sinônimo de golpista”.

A caça às bruxas teve como um de seus alvos preferenciais a emissora Jovem Pan, bombardeada por invencionices, surtos de inveja, ataques de intolerância e restrições arrogantes baixadas por Alexandre de Moraes. O resultado da queda de braço foi a demissão, no dia seguinte à apuração dos votos, de um grupo de jornalistas que inclui Augusto Nunes, Guilherme Fiuza e Caio Coppolla.

Em 2 de novembro, irromperam em todo o país manifestações de protesto contra o desempenho do Poder Judiciário, com destaque para o Tribunal Superior Eleitoral, numa campanha manchada por preferências políticas e ideológicas de autoridades obrigadas por lei a agir com imparcialidade.  
A paralisação dos caminhoneiros e as multidões nas ruas avisam que o governo Lula vai provar do próprio veneno: pela primeira vez, enfrentará uma oposição tão feroz quanto a que moveu contra todos os presidentes que não pertenciam ao PT.

 Branca Nunes - Diretora de Redação - Revista Oeste

 

sábado, 5 de novembro de 2022

Começou a vingança - Revista Oeste

  Cristyan Costa
 

Pressões do TSE e do PT apressaram demissões que modificaram o rosto da Jovem Pan 

Foto: Montagem Revista Oeste 

 Foto: montagem Revista Oeste

Em 11 de maio deste ano, durante um jantar na casa da senadora Kátia Abreu, que reuniu senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal, uma frase acendeu o sinal amarelo: “É preciso calar Os Pingos nos Is“, resumiu um parlamentar, referindo-se ao programa de maior audiência da Jovem Pan. Neste 31 de outubro, horas depois de oficializada a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial, foi aceso pela própria empresa o sinal vermelho: Augusto Nunes e Guilherme Fiuza, 

O encontro no apartamento em Brasília incluiu Renan Calheiros (sete processos no STF),  Randolfe Rodrigues, Marcelo Castro (acusado pelo Ministério Público de ter recebido R$ 1 milhão para votar no então presidente da Câmara Eduardo Cunha), Jaques Wagner (ministro de Lula na época do Mensalão e de Dilma quando foi descoberto o Petrolão), Tasso Jereissati e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. A esta babel, juntaram-se os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.

“Um grupo de senadores teve conversas com vários ministros do STF e com o presidente do Senado, algumas vezes, sobre a necessidade de institucionalmente defendermos a democracia, a Constituição e a separação dos Poderes”, confessou Renan, ao admitir a realização do sarau numa entrevista à Folha de S.Paulo. “Continua o terror institucional e não podemos deixar o STF sozinho”, delirou. O emedebista alagoano acrescentou também que o grupo tivera encontros individuais com Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, também ministros do Supremo. “O alvo da conversa desse jantar foi o presidente Jair Bolsonaro e o inquérito das milícias digitais que se uniu ao ataque às urnas eletrônicas”, afirmou José Maria Trindade, correspondente da Jovem Pan em Brasília e integrante dos Pingos nos Is. “Dessa conversa saiu o nome da Jovem Pan e a independência dos Pingos nos Is ao falar sobre eleições e urnas eletrônicas. Essa união, que é uma novidade, entre o Supremo Tribunal Federal e a elite do Congresso Nacional é perigosa.” Rodrigo Pacheco considerou Augusto Nunes especialmente perigoso para a solidez das instituições.

A primeira ofensiva
O início dos ataques contra a Jovem Pan ocorrera nove meses antes. Um requerimento de Renan Calheiros, relator da CPI da Covid, pediu a quebra do sigilo bancário da empresa. O documento acusava a rádio de disseminar fake news e integrar um “gabinete do ódio” que nunca existiu. A emissora retrucou com um duro comunicado escrito por Augusto Nunes e lido por Joseval Peixoto. No dia seguinte, os articuladores do requerimento recuaram. “O próprio senador Renan ficou muito chateado, porque não tinha conhecimento, pediu para retirar e vai falar sobre isso hoje”, desculpou-se Omar Aziz, presidente da comissão. “Não cabe a nós quebrar sigilo de emissora de rádio e televisão ou coisa parecida. Não tem nada a ver com a CPI. Nosso comportamento, indiferente de posicionamento editorial, tem de dar liberdade à imprensa para se posicionar.”

A primeira rendição
Na noite do jantar oferecido por Kátia Abreu, Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, dono da emissora, estava fora do Brasil, assim como Augusto Nunes. Foi Marcelo Carvalho, irmão de Tutinha e diretor da empresa, quem decidiu que a Jovem Pan não mencionaria o episódio. Até então, Os Pingos nos Is não havia sofrido qualquer restrição.

Idealizado por Tutinha, Os Pingos estreou em 28 de abril de 2014, ancorado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, com a participação de Mona Dorf e Patrick Santos. O programa foi um sucesso desde o nascimento, logo alcançando a média de 100 mil ouvintes por minuto na época, não era transmitido pela TV ou internet. Hoje partidário de Lula, Reinaldo era um dos mais ferozes críticos do PT, que atacou fortemente nos livros O País dos Petralhas e O País dos Petralhas II — O Inimigo Agora É o Mesmo.

Em 3 de julho de 2017, o comando dos Pingos foi assumido por Joice Hasselmann. A bancada era formada por Felipe Moura Brasil e Claudio Tognolli, substituído em 10 de outubro por Augusto Nunes, que recebeu de Tutinha a missão de elevar a audiência do programa, então em queda. Joice foi afastada, Felipe tornou-se âncora e José Maria Trindade completou a bancada ao lado de Nunes. 
Um marco na história dos Pingos aconteceu em 24 de setembro de 2018, quando Jair Bolsonaro, hospitalizado no Albert Einstein, concedeu a Nunes a primeira entrevista depois do atentado em Juiz de Fora. A partir daí, a audiência passou a subir expressivamente.

Às vésperas da eleição, a pedido da coligação lulista, o TSE determinou que a Jovem Pan afirmasse que o ex-presidente era inocente

O programa chegou ao auge em 2020, quando se consolidou o time formado por Nunes, Guilherme Fiuza, Ana Paula Henkel, José Maria Trindade e Vitor Brown. Só no YouTube, eram mais de 200 mil visualizações ao vivo, número que ultrapassava 1 milhão de espectadores em poucas horas. Na mesma época, Tutinha pediu a Nunes que montasse um programa de entrevistas campeão de audiência nas noites de segunda-feira.

O pedido foi atendido logo na estreia do Direto ao Ponto, em outubro daquele ano. A entrevista com o vice-presidente, general Hamilton Mourão, teve mais de 1 milhão de visualizações. A marca seria batida diversas vezes nas semanas seguintes, somando mais de 100 milhões de visualizações nas 99 entrevistas realizadas.

A segunda ofensiva
O sucesso crescente também aumentou a ciumeira de outros veículos,
indignados também com o viés direitista da empresa que lançara a TV Jovem Pan News. Em agosto e setembro, a revista Piauí publicou uma série de reportagens acusando-a de ser “o braço mais estridente do bolsonarismo” (como se um braço pudesse ser estridente) e Os Pingos nos Is de “dar eco a ideias extremistas” (como se as paredes de um estúdio tivessem a mesma ressonância das que delimitam as melhores salas de teatro). O surto da Piauí tem origens evidentes. Enquanto a Jovem Pan só tem crescido, a revista que sobrevive graças ao dinheiro do banqueiro João Moreira Salles viu sua tiragem despencar de quase 40 mil exemplares, em 2018, para pouco mais de 20 mil, em 2021.

O alarido foi ampliado por um “braço estridente” — a Folha, que acusou a Jovem Pan de ser beneficiada por verbas do governo federal e receber tratamento privilegiado do YouTube. Segundo o jornal, a big tech estaria sugerindo os vídeos da emissora com frequência para os usuários da plataforma. “O grupo Jovem Pan repele, enfaticamente, as falsidades divulgadas em suspeita parceria pela revista Piauí e pela Folha”, informou a emissora, num editorial escrito e lido por Augusto Nunes. “Ao contrário do que afirmam a publicação semiclandestina que se arrasta em menos de 30 mil exemplares e o jornal decadente, as relações entre a Pan e o YouTube são normais.” A tiragem da Folha caiu de mais de 100 mil exemplares, em 2018, para cerca de 55 mil, em junho deste ano. O YouTube desmentiu o conteúdo das reportagens.


A segunda rendição
A campanha eleitoral mal começara quando a Jovem Pan decidiu anexar a seus programas a figura do “contraponto”. No caso dos Pingos nos Is, Diogo Schelp foi o escalado. Os demais integrantes sempre afirmaram que o contraponto ao programa era feito por todas as emissoras e todos os jornais, que vocalizavam sem exceções o discurso esquerdista. A Rede Globo, por exemplo, não dá espaço a um único jornalista de direita e jamais foi cobrada por isso.

A terceira ofensiva
Com o início da campanha eleitoral, cresceu a ofensiva
agora estimulada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em geral e, particularmente, por seu presidente, Alexandre de Moraes. A duas semanas da eleição, o TSE proibiu alusões à situação judicial de Lula. Um dos advogados da empresa interpretou a ordem com extraordinário rigor. Para livrar-se de punições das quais fazia parte uma multa pesadíssima, a Jovem Pan proibiu os comentaristas de associarem ao ex-presidente um punhado de expressões. Exemplos: ladrão, ex-presidiário, descondenado e amigo de ditadores.

Dias depois de oficializar a censura prévia, o TSE sustentou num vídeo que apenas exigira o cumprimento do direito de resposta. Foi apoiado por militantes de esquerda, que atribuíam a censura à própria Jovem Pan. Durante o programa, Nunes não perdeu a oportunidade de driblar o cerco: “Autorizado pelo site oficial do TSE, digo que o Lula é ladrão, amigo de ditadores, ex-presidiário e descondenado”.

A terceira rendição
Às vésperas da eleição, a pedido da coligação lulista, o TSE determinou que a Jovem Pan afirmasse que o ex-presidente era inocente. “Em resposta às declarações dos jornalistas Ana Paula Rodrigues Henkel, Guilherme Fiuza e Roberto Bezerra Motta no programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan News, é necessário restabelecer a verdade”,
dizia o comunicado do PT. “O Supremo Tribunal Federal confirmou a inocência do ex-presidente Lula, derrubando condenações ilegítimas impostas por um juízo incompetente. “A ONU reconheceu que os processos contra Lula desrespeitaram o processo legal e violaram seus direitos políticos. Lula venceu também 26 processos contra ele. Não há dúvida: Lula é inocente.” Guilherme Fiuza e Ana Paula Henkel também ficaram fora dos Pingos naquela semana. Oficialmente, o trio voltaria em 31 de outubro, um dia depois da apuração, e o programa retomaria a antiga fórmula, sem contraponto.

“No momento em que órgãos de imprensa são proibidos de se manifestar no período pré-eleitoral, em que se pode dizer ‘não publique essa notícia’, ainda mais por antecipação, e retirar, inclusive, o aspecto financeiro de alguns veículos, isto é censura”, afirmou o jurista Ives Gandra Martins, em entrevista a Oeste. “O artigo 220 da Constituição Federal fala da liberdade absoluta de comunicação. Sete cidadãos do TSE dizem o que é e o que não é democracia, pessoas que não foram eleitas pelo povo. Tenho a impressão de que vivemos um momento terrível para a democracia brasileira.”

A capitulação
Na manhã de segunda-feira, começaram as demissões, que resultaram no desligamento de Augusto Nunes, Guilherme Fiuza, Caio Coppolla, Cristina Graemel, Fabiana Barroso, Carla Cecato e Guga Noblat.  
O petista Noblat foi afastado por não ter defendido a empresa afetada pela censura imposta pelo TSE. 
Os demais foram punidos por terem defendido a empresa afetada pela censura imposta pelo TSE. 
Talvez por isso, Noblat afirma que não entendeu direito por que perdeu o emprego. Tutinha jura que a orientação ideológica do grupo não vai mudar. Procurado por Oeste, não respondeu às mensagens. Nunes está impedido por contrato de se manifestar sobre o caso.

No cabo de guerra com a Jovem Pan, Alexandre de Moraes venceu.

Leia também “O PT coloca em prática o plano de amordaçar a imprensa” 

 

Cristyan Costa, colunista - Revista Oeste

 

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Abraço de afogado - Augusto Nunes

Revista Oeste

Márcio França juntou Haddad e Alckmin no mesmo jazigo onde também vai descansar

 Candidato ao governo de São Paulo Fernando Haddad (PT),  Márcio França e  Geraldo Alckmin | Foto: André Ribeiro/Futura Press/Estadão Conteúdo

Candidato ao governo de São Paulo Fernando Haddad (PT), Márcio França e Geraldo Alckmin | Foto: André Ribeiro/Futura Press/Estadão Conteúdo 

Vereador e duas vezes prefeito de São Vicente, deputado federal, vice-governador de São Paulo, governador interino por mais de um ano, morubixaba do PSB paulista, Márcio França teve em setembro de 2021 uma ideia que lhe pareceu luminosa: transformar o tucano amuado Geraldo Alckmin, a quem substituíra no comando do mais poderoso Estado da federação, em companheiro de chapa de Lula.  
Para tanto, deveria começar pela remoção dos ressentimentos recíprocos, adubados por trocas de insultos e acusações que começaram na eleição de 2006, cresceram nos anos seguintes e chegaram ao clímax na temporada eleitoral de 2018.
 
Os velhos desafetos reagiram com animação à proposta de Márcio. Praticamente aposentado, isolado no PSDB pela afoiteza do ingrato afilhado João Doria, Alckmin teve de conter o entusiasmo diante da chance de vingar-se do verdugo que apadrinhara
Ele aprendeu que fatores biológicos podem encurtar o caminho que leva ao paraíso do poder. 
Em 2001, por exemplo, o câncer que matou Mário Covas acabou instalando no cargo o obscuro deputado federal que o PSDB escolhera para completar a chapa como vice-governador. 
A dobradinha com alguém sete anos mais velho pode desbastar uma trilha que desemboca na Presidência da República.

Lula também gostou do que ouviu. Desde 1994, quando assumiram o governo de São Paulo, os tucanos espancam o PT nas urnas a cada quatro anos. A tarefa sempre foi facilitada pelas figuras todas perturbadoras, algumas apavorantes escolhidas para representar a estrela vermelha

O cortejo transformou em certeza a suspeita dividida por milhões de eleitores: em São Paulo, o PT não lança candidatos; lança ameaças. Os paulistas achavam que qualquer outro seria menos perigoso que gente como Lula, Eduardo Suplicy, Aloizio Mercadante, José Dirceu, José Genoíno, Luiz Marinho e outros perigos fantasiados de homens públicos.

Eduardo Suplicy e Aloizio Mercadante
Eduardo Suplicy e Aloizio Mercadante, em julho de 2022 - 
Foto: Reprodução
Com a ajuda do companheiro Alckmin, acreditou o chefão, seria bem menos complicado chegar ao Palácio dos Bandeirantes, e logo começaram os encontros furtivos. 
Consumado o noivado, Márcio convenceu o carola de carteirinha, capaz de rezar a segunda metade do Credo de trás para a frente, de que deveria filiar-se ao Partido Socialista Brasileiro. 
Alckmin sentiu-se de tal forma em casa que, poucos dias depois, já se desmanchava em mesuras a cada encontro com um homem que, três anos antes, acusava de querer voltar à Presidência por sonhar com o regresso à cena do crime.

A partir de agora, ele é o companheiro Alckmin”, decretou Lula durante outra missa negra da seita. O mais recente amigo de infância retribuiu com afagos ousados. Numa noitada, cobriu a cabeça destelhada com um boné do MST. Noutra, caprichou na cantoria da Internacional Socialista. Logo seria visto puxando palavras de ordem em louvor do companheiro que vivia chamando de “ladrão. “É uma mudança impressionante”, constatou um amigo que convive há décadas com Alckmin. “Ele diz que só agora conheceu o Lula de verdade.”

Márcio esperou a hora certa para reivindicar o dote devido ao seu talento casamenteiro: queria ser senador. E detalhou a barganha. 
Para anabolizar a candidatura a governador do petista Fernando Haddad, o PSB não teria candidato próprio em São Paulo. 
Em contrapartida, o PT desistiria de lançar algum candidato ao Senado filiado à sigla, para que Márcio fosse o único pretendente à vaga. 
Como Lula topou de imediato a troca de favores, Márcio dobrou a aposta: exigiu que sua mulher, a educadora Lúcia França, figurasse como vice na chapa encabeçada por Haddad. Emplacou mais essa.

Está provado que o patrimônio eleitoral de Geraldo Alckmin, se é que algum dia chegou a existir, evaporou-se de vez

Tudo acertado, o idealizador do acerto atravessou a campanha com a pose de quem, numa vida passada no Império Romano, foi senador vitalício. Neste 1° de outubro, foi dormir embalado pelos números da derradeira pesquisa Datafolha. 
Com 45% dos votos válidos, Márcio França liderava a disputa muitas léguas à frente de Marcos Pontes, ex-ministro do governo Bolsonaro, emperrado em 31%. 
Acordou no domingo ansioso por correr para o abraço. Descobriu pouco depois do início da apuração que deveria ter lido e assimilado a frase de Tancredo Neves: “A esperteza, quando é muita, fica grande e come o dono”. Terminada a contagem dos votos, descobriu que lojinhas de porcentagens iludem fregueses de todos os tipos, e são especialmente cruéis com oportunistas deslumbrados.
 
As urnas reduziram para pouco mais de 36% os 45% que lhe haviam embalado o sono e fizeram Pontes saltar de 31% para quase 50%. Nocauteado, o articulador de botequim terá de levantar sem demora para tentar reduzir as dimensões da segunda derrota reservada a Fernando Haddad e Lúcia França, outra dupla eleita pelo Datafolha e castigada pelo mundo real. Na véspera do dia da votação, os fabricantes de índices homenagearam a chapa com 39% dos votos válidos. 
Sobraram 31% para Tarcísio de Freitas, candidato de Jair Bolsonaro, e 20% para o governador Rodrigo Garcia, candidato à reeleição pelo PSDB. De novo, os eleitores de São Paulo puniram a fantasia estatística. Tarcísio venceu com mais de 42% dos votos válidos. Haddad baixou para 35% e manteve o PT longe do governo paulista.  
 
Com 18,5%, Rodrigo Garcia encerrou a longa hegemonia do PSDB.
Lula afirmou na noite de domingo que vai vencer Bolsonaro porque “o segundo turno é apenas uma prorrogação”. Se é assim, tem de admitir que houve, visto de perto, um empate
A declaração também proíbe Haddad de argumentar que a próxima etapa será o recomeço do jogo. 
Como o candidato a presidente pelo PT também foi vencido em território paulista, está provado que o patrimônio eleitoral de Geraldo Alckmin, se é que algum dia chegou a existir, evaporou-se de vez. 
Os estragos provocados pela colisão com a maior e mais sólida fortaleza conservadora do Brasil liberam o ex-prefeito de Pindamonhangaba e o ex-prefeito de São Vicente para o cultivo da bonita amizade simulada durante a campanha do primeiro turno. Nasceram um para o outro.

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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


sexta-feira, 17 de junho de 2022

Uma toga perdida na Amazônia - Revista Oeste

Augusto Nunes

Sem sair de Brasília, Barroso resolveu assustar a selva com urros retóricos
Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: STF/SCO
Luís Roberto Barroso, ministro do STF | Foto: STF/SCO
 
Os meninos que chamávamos de “filhinhos de papai” viviam sob a estreita vigilância das mães. Eram elas que berravam o prenome (quase sempre composto) para intimá-los a cuidar dos deveres escolares, alimentar-se na hora certa, colocar um agasalho ou evitar más companhias. Nunca ficavam descalços, nem mesmo para disputar uma pelada num campinho de quintal. Para prevenir tosses e resfriados decorrentes de traiçoeiros golpes de vento, jamais dormiam com as janelas abertas ou embarcavam em enxurradas. 
Não se metiam em brigas na porta da escola. E aprendiam ainda no berçário que mamãe puniria com uma surra de assustar vizinho três pecados mortais: furtar laranjas em plantações à beira da estrada, nadar em rios, riachos ou lagoas e enveredar por mais de 20 centímetros por qualquer pedaço de mato (se fosse além disso, o pecador estaria ingressando numa selva municipal). Melhor esquecer tais tentações, recolher-se ao quarto e permanecer no topo do ranking dos melhores alunos da classe.
 
Bastou-me conviver na infância com meia dúzia de filhinhos de papai para reconhecer de imediato um genuíno integrante da espécie. Um exemplo? Luís Roberto Barroso.  
Alguém pode imaginá-lo sujo de lama, num terreno baldio de Vassouras, dando caneladas e carrinhos por trás? 
Ou invadindo sem sapatos nem meias o laranjal cujo dono podia aparecer subitamente com a carabina engatilhada? 
Ou mergulhando nas águas escuras do ribeirão oculto pelo matagal? 
Tais hipóteses são tão improváveis quanto uma foto de Luís Roberto abrindo a facão uma picada na Floresta Amazônica
Se é que algum dia pousou na região, Barroso só saiu do hotel para contemplar o Encontro das Águas, visitar uma ilhota do Rio Negro habitada por índios de cordão carnavalesco e ajudar a empunhar aquela sucuri de quartel treinada para recepcionar amavelmente forasteiros ilustres. Mas um filhinho de papai que se torna ministro do Supremo Tribunal Federal vira especialista em tudo, com doutorado em assuntos que desconhece profundamente.

É compreensível que Barroso ignore, por exemplo, que desde 2012 o Amazonas registrou 9.128 desaparecimentos de pessoas

O ministro Edson Fachin, por exemplo, nunca deu as caras sequer num ensaio da Mangueira. Mas deve achar que a vida nos morros do Rio é tão idílica quanto a descrita em velhos sucessos musicais. 
Barracão de zinco sem telhado é bangalô, sinfonias de pardal anunciam o alvorecer e o morro inteiro, no fim do dia, reza a ave-maria. 
Só essa disfunção mental explica a decisão de proibir que ações policiais perturbem o sossego reinante no universo que só nos mapas oficiais ainda faz parte do Estado brasileiro
Se Fachin não sabe — ou finge não saber, o que dá no mesmo — que os morros cariocas se transformaram em zonas de exclusão controladas pelas mais violentas organizações criminosas, é compreensível que Barroso ignore, por exemplo, que desde 2012 o Amazonas registrou 9.128 desaparecimentos de pessoas. Desse total, apenas 295 foram encontradas.

Caso conhecesse tais números, talvez fosse mais discreto e menos trapalhão ao tentar transformar em outro capítulo da guerra contra o presidente Jair Bolsonaro a tragédia protagonizada pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista inglês Dom Phillips. No pelotão formado por combatentes togados, cabe a Barroso liderar ofensivas na frente amazônica. Foi o que fez ao receber o pedido de ajuda encaminhado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A entidade informou que Phillips e Pereira haviam sido vistos pela última vez em 5 de junho, num rio na reserva do Vale do Javari, perto da fronteira com o Peru, “onde desempenhavam atividades de reforço da proteção territorial contra invasores”. No dia 10, centenas de militares e policiais destacados para os trabalhos de busca e resgate já haviam colhido evidências de que ocorrera um duplo homicídio e capturado um dos assassinos. Nem por isso Barroso perdeu a chance de, em resposta à petição da APIB, debitar na conta de Bolsonaro todos os problemas passados, presentes e futuros da Amazônia em geral e, em particular, dos antigos donos do Brasil.

Luís Roberto Barroso | Foto: Divulgação/Assessoria de Imprensa

Filhinhos de papai, quando crescidos e poderosos, costumam vingar-se da opressão imposta pelas mães endereçando ordens, advertências e repreensões a quem nada tem a ver com angústias infantis

Sem sair de Brasília, o ministro resolveu assustar a selva com os urros retóricos que permeiam a determinação amalucada: o governo federal deveria começar a fazer imediatamente o que vinha fazendo desde que foi informado do sumiço de Phillips e Pereira. 
O item 3 da “decisão” é um hino ao ativismo judiciário: Determinoou reitero, caso já tenha sido providenciado — à União, suas entidades e órgãos que: (I) adotem, imediatamente, todas as providências necessárias à localização de ambos os desaparecidos, utilizando-se de todos os meios e forças cabíveis; (II) tomem todas as medidas necessárias à garantia da segurança no local; (III) apurem e punam os responsáveis pelo desaparecimento ; e (IV) apresentem nos autos da petição sigilosa, no prazo de até 5 (cinco) dias corridos da ciência desta decisão, relatório contendo todas as providências adotadas e informações obtidas”. Haja arrogância.

O parágrafo seguinte começa a erguer o monumento à megalomania: “Sem uma atuação efetiva e determinada do Estado brasileiro, a Amazônia vai cair, progressivamente, em situação de anomia, de terra sem lei”. A obra é concluída com arabescos insolentes: “Intime-se a União pelo meio mais expedito à disposição do Juízo. Intime-se, ainda, pelo mesmo meio e pessoalmente o Exmo. Senhor Ministro da Justiça e Segurança Pública, o Ilmo. Sr. Diretor-Geral da Polícia Federal e o Presidente da Funai. O descumprimento do prazo assinalado implicará a incidência de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Publique-se”. A ausência dos militares entre os alvos sugere que o ministro não perdeu de todo o juízo. Neste 12 de junho, com o caso esclarecido e dois assassinos na cadeia, dois caixões foram transportados até Brasília com os restos mortais das duas vítimas. Barroso não estava lá para recepcioná-los.

Se continuar interessado num drama que aflige incontáveis brasileiros, gente a procurar é o que não falta.  
Em 2021, desapareceram no país 62.857 pessoas — 172 por dia. 
Nos três primeiros meses deste ano, só no Rio de Janeiro sumiram 1.777 crianças. 
Ou o ministro pressiona com prazos e ultimatos os governantes estaduais e municipais, responsáveis pela segurança pública, ou estará provado que só se interessa por desaparecimentos que ajudem a apressar o sumiço do governo de Jair Bolsonaro.

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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste


sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

A esperança venceu a vergonha - Augusto Nunes

 Revista Oeste

 O jantar que lembrou um saidão de Natal da Lava Jato avisa: Alckmin esqueceu o que Lula fez nos últimos 15 anos

O jantar estrelado por Lula, com Geraldo Alckmin caprichando no papel de principal coadjuvante, foi uma espécie de encontro dos beneficiários do saídão de Natal da turma da Lava Jato, engrossado por representantes do Clube dos Bandidos de Estimação do Supremo Tribunal Federal e da Associação dos Culpados Condenados à Eterna Impunidade, além de veteranos do Mensalão e do Petrolão
 
E confirmou aos berros a teoria formulada pelo jornalista Ivan Lessa: a cada 15 anos, o Brasil esquece o que aconteceu nos 15 anos anteriores. A troca de afagos retóricos entre os dois velhos desafetos, por exemplo, atestou que nenhum deles se recorda da pancadaria verbal que agitou a campanha presidencial de 2006. Num debate na Band, por exemplo, o tucano que deixara o governo de São Paulo para entrar na corrida rumo ao Planalto valeu-se do escândalo do Mensalão, devassado entre junho e outubro do ano anterior, para colar na testa de Lula o selo de corrupto. Candidato a um segundo mandato, o chefão do PT acusou o adversário de abortar CPIs em gestação para impedir o esclarecimento de bandalheiras regionais.
Jantar entre Geraldo Alckmin e Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Reprodução
Jantar entre Geraldo Alckmin e Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Reprodução

Os sorrisos e abraços registrados no restaurante em São Paulo avisam que os dois também esqueceram o que andaram fazendo e dizendo nos verões seguintes (e também nas primaveras, nos outonos e nos invernos). Alckmin colecionou temporadas no Palácio dos Bandeirantes alertando para o perigo: em São Paulo, o PT não lançava candidatos; lançava ameaças. Nenhum exagero
O mais importante Estado brasileiro correu o risco de ter no governo casos de polícia como José Dirceu, José Genoino e o próprio Lula, fora o resto. Os petistas replicavam com o mantra que comparava o inimigo a um picolé de chuchu, com as sucessivas exumações do “mensalão mineiro”, protagonizado por oficiais graduados do PSDB, e com tentativas de equiparar os feitos de um Paulo Preto aos assombros produzidos pelo alto comando do partido que virou bando. 
 
Na campanha de 2018, novamente em busca da Presidência, Alckmin demonstrou que suas memórias do PT continuavam frescas. demonstrou que suas memórias do PT continuavam frescas. “Os brasileiros não são tolos”, avisou num discurso. “Vejam a audácia dessa turma. Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja: quer voltar à cena do crime. Será que os petistas merecem uma nova oportunidade?”. Claro que não, enfatizou. “Lula será condenado nas urnas por ter sucateado a nossa saúde, pelo desgoverno, pela destruição da Petrobras, por jogar brasileiros contra brasileiros.” Essa catilinária, como todas as outras, perdeu o prazo de validade quando alguém teve a ideia surpreendente: que tal uma chapa encabeçada por Lula com Alckmin como candidato a vice? Foi essa parceria tão improvável quanto indecorosa que juntou quase 500 pessoas num jantar organizado por advogados que lutam pelo estancamento da sangria que inquietava Romero Jucá, sonham com a prisão de todos os brasileiros que aplaudiram o desempenho da Lava Jato e consideram a corrupção essencial para o crescimento da economia nacional.

A ocupação das mesas evocava a definição do crime de formação de quadrilha ou bando

(Pausa para a visita de lembranças longínquas. Como no resto do mundo, na Taquaritinga em que vivi até o fim da adolescência ocorriam combinações estranhas, alianças bizarras, malabarismos eleitoreiros de alta periculosidade. Mas também para essas acrobacias havia limites, demarcados pelo sentimento da honra. Era a vergonha na cara que riscava a difusa fronteira que separa a crítica feroz da infâmia intragável. “Vejamos o exemplo elementar: um homem íntegro não pode admitir que o qualifiquem de ladrão”, ensinava o advogado Carlos Pastore, que inibia com uma advertência soberba quem cruzasse a linha inviolável: “Considere-se proibido de me saudar”. Se não reagisse com altivez à ultrapassagem dessa barreira, políticos gravemente insultados perdiam o respeito da própria família, começando pela mulher, dos amigos e dos eleitores.) 

Lula garantiu que sempre respeitou Alckmin. O ex-governador jurou que vê em Lula um democrata exemplar. Janja, a namorada do candidato a um terceiro mandato, confraternizou com Lu, candidata a vice-primeira-dama. E a ocupação das mesas evocava a definição do crime de formação de quadrilha ou bando resumida no artigo 288 do Código Penal: “Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”. Em que mais poderia estar pensando uma trinca formada por Omar Aziz, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues, sempre unidos na missão de transformar cadáveres em cabos eleitorais involuntários? 

Estaria preocupada com os destinos da nação a roda que reunia Gleisi Hoffmann, Aloizio Mercadante,e Paulinho da Força e Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians?

Às vésperas de outro ano eleitoral, todos acordam e dormem buscando a melhor maneira de extrair das urnas de 2022 um cargo vistoso, um gabinete de bom tamanho e gordas verbas federais. Esses atrativos justificam a presença no restaurante de deputados, prefeitos e governadores de diferentes partidos. Estava lá até Arthur Virgílio Neto, que acabou de fracassar nas prévias promovidas pelo PSDB para a escolha do candidato ao Planalto. A exemplo de Alckmin, o ex-senador e ex-prefeito de Manaus está caindo fora do ninho cada vez mais inóspito. O que se desconhecia é a disposição amnésica de Virgílio.

Há 15 anos, ele prometia no Senado punir com “uma surra” o conjunto da obra de Lula. Repetiu a ameaça com tamanha insistência que o presidente baixou no Amazonas para dedicar-se pessoalmente a impedir a reeleição do inimigo. Afastado do Senado, Virgílio parecia um pote até aqui de mágoa antes de aparecer no jantar. O sorriso fácil avisou que a fila puxada por Alckmin vai crescendo. Nela só existem vagas para quem faz de conta que, de 2006 para cá, não houve o julgamento do Mensalão, a Lava Jato, o Petrolão, a prisão de Lula. É tanta coisa que é melhor esquecer.

O prêmio a dividir é o posto de vice de um titular que, se eleito, assumirá a chefia do governo com 76 anos de idade. A questão biológica favorece Alckmin, um quase setentão. Em 2002, o PT recitava que a “esperança vencera o medo”. Passados 20 anos, o medo cresceu. A súbita conversão de um fundador do PSDB mostra que desta vez a esperança venceu a vergonha.

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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste