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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Quem se importa com o dinheiro manchado de sangue que deu à Beija-Flor o título de campeã? Afinal, é de longa data a conivência da Beija-Flor com o crime


Um Estado permissivo e uma sociedade tolerante por natureza ajudam a entender por que foi possível a uma das ditaduras mais sangrentas do mundo, a da Guiné Equatorial, se associar à escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, 13 vezes campeã do carnaval do Rio de Janeiro, a que mais coleciona títulos na Era do Sambódromo.

Uma vez perguntaram ao prefeito Eduardo Paes o que ele achava das ligações entre as escolas de samba e os chefes do jogo do bicho, proibido por lei. Cito de memória a resposta dele: - É chato, não é? Mas o que posso fazer? Acabar com o carnaval do Rio?

Os antecessores de Paes devem ter pensado assim, bem como ex-chefes de polícia, ex-governadores, juízes, desembargadores, empresários, socialites, artistas, e parte do distinto público acostumado a fazer sua fezinha no bicho. Se nem o Estado nem a iniciativa privada bancavam as escolas por que não os bicheiros?

Quantas vezes eles não desfilaram a frente de suas escolas, festejados por notáveis que os admiravam e tiravam vantagens de sua amizade? Quantas vezes não foram ovacionados pelos que lotavam camarotes, frisas e arquibancadas do Sambódromo?
Quantos favores não prestaram? E a quantos não beneficiaram?

Depois que os mais importantes bicheiros foram presos em janeiro de 1993 por ordem da juíza Denise Frossard, presos novamente em 2007, dessa vez pela Polícia Federal, e condenados em 2012 pela juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, poucos entre eles se arriscaram a ser vistos novamente na Sapucaí. A morte tirou vários de circulação.
Mas na última segunda-feira, no desfile do Grupo Especial, uma das cabeças da máfia do jogo do bicho passeou sem constrangimento no Sambódromo pilotando um carro elétrico – o contraventor Anísio Abrahão, presidente de honra da Beija-Flor. A televisão mostrou. Foi dele a última palavra que fechou a parceria da ditadura da Guiné Equatorial com a escola.
Aniz Abraão David, mais conhecido como Anísio Abraão David, o Anísio da Beija-Flor (Imagem: Divulgação)
 
Mariana Sanches, em reportagem publicada, hoje, pelo O Globo, registrou a reação ao episódio de o principal defensor dos direitos humanos da Guiné Equatorial, Tutu Alicante, que vive exilado nos Estados Unidos: - O carnaval da Beija-Flor é um insulto para o povo da Guiné Equatorial.

Alicante explicou a razão. Cerca de 75% da população de 1,6 milhão de pessoas do seu país vivem com apenas dois dólares por dia e não têm acesso à água limpa ou à saúde.
“Nada disso foi para a avenida na madrugada de terça-feira, quando a escola desfilou as “belezas” da Guiné Equatorial”, acusa.

Mônica perguntou se as pessoas por lá já sabem o que aconteceu. Resposta de Alicante:
- Não há jornais lá. Não existe imprensa livre na Guiné. As pessoas não sabem o que está acontecendo nem oficial nem extraoficialmente. Não existe nenhuma rádio ou emissora de televisão livres. O Facebook é bloqueado, assim como a maior parte dos sites de informação.

E um cidadão médio do país? Como vive? Alicante:
- Obiang [ditador há 35 anos] tem pelo menos 17 palácios. 75% da população não têm onde morar, não estuda, não têm água limpa. Se ficar doente, morre. Medicamentos básicos são inacessíveis. Há uma única universidade no país, sem alunos. Nos últimos dois ou três anos, pelo menos 60 mil pessoas foram sequestradas, executadas ou torturadas na Guiné.

Quem por aqui se importa verdadeiramente com isso?

Fonte: Blog do Noblat - Ricardo Noblat