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quinta-feira, 10 de março de 2022

Na coleira de Putin: a dependência europeia do gás natural russo - VOZES

 Flavio Gordon

Koni estranhou a silhueta desconhecida e o som daquela voz. Em busca de compreensão, inclinou a cabeça de lado, como tendem a fazer os de sua espécie. Embora imperceptível às demais criaturas presentes, o cheiro de repolho fermentado, mais carregado no sal do que a habitual salmoura doméstica, logo excitou suas sensíveis células olfativas. Acostumado a cheirar as mãos do dono, que o contemplava com um sorriso ao mesmo tempo zombeteiro e orgulhoso, o imponente cão julgou por bem fazer o mesmo com a convidada, fonte de tão inédito olor. Esta, vítima de um ataque canino no ano de 1995, crispou-se de visíveis constrangimento e temor.

A inspeção farejadora durou pouc
o. Apenas pelas diferenças no tom da voz e postura corporal, a intuição canina dera ao animal a certeza de que o poder ali permanecia nas mesmas mãos, e que, tal como ele próprio, a nova criatura no pedaço haveria de acomodar-se gostosamente à autoridade do velho dono. Koni espantou-se apenas com o fato de, conquanto solta como ele, mas pela curiosa rigidez dos músculos, a outra mais parecesse encoleirada. Tratava-se, afinal, de um cachorro muito perspicaz, herdeiro de um centenário clã de farejadores a serviço da polícia secreta. A habilidade de farejar fragilidades emocionais e psíquicas era questão de pedigree.

 
O encontro ao qual Koni compareceu em condição estratégica, e sobre o qual, posto que nominalmente irracional, extraiu conclusões tão razoáveis, aconteceu no ano de 2007, na bela dacha de Vladimir Putin em Sochi, cidade localizada à beira-mar. Sim, o dono de Koni era o presidente russo, que então recebia para uma conversa sobre fornecimento de energia a chanceler alemã Angela Merkel – objeto dos perspicazes insights caninos. Com efeito, intimidada pela presença do labrador preto, e inteiramente submissa ao seu dono, Angela estava mesmo na coleira.

Posto que altamente simbólico do ponto de vista das relações interespecíficas envolvidas, o encontro em Sochi era apenas mais um episódio no processo de aprofundamento da dependência alemã do gás natural russo. Esse processo, que se iniciara com o filo-russo Gerhard Schröder, antecessor de Angela, agravou-se bastante com essa última, grande entusiasta da agenda anti-combustíveis fósseis da União Europeia, instrumentalizada, por exemplo, pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão, um dos produtos do famigerado Protocolo de Quioto. Guiada por ideólogos da “sustentabilidade”, Merkel era um dos líderes europeus para os quais a mudança para o gás natural preencheria o vácuo entre o estágio de abandono do arcaico carvão e a fase da futura consolidação das energias renováveis.

Resta que as implicações políticas dessa exaltada mudança são bem conhecidas. Quase metade do fornecimento de gás natural para a Europa provém da Rússia uma proporção que tende a aumentar caso seja retomado o projeto do gasoduto Nord Stream 2, recentemente suspenso por conta da guerra, mas nada garante que de forma permanente. E, como prevê a Eurogas, o consumo europeu de gás natural utilizado tanto para aquecimento quanto para gerar eletricidade – deve aumentar entre 14% e 23% até 2030, o que provavelmente deixará mais justa a coleira do Kremlin em torno do pescoço do Velho Continente.

Dentre as razões para o aumento do consumo de gás natural,
destaca-se, por um lado, a radical agenda ambientalista de redução de emissão de CO2, cujo fundamento está na mitologia pseudocientífica e milenarista do aquecimento global antropogênico. E, por outro, o abandono do investimento em energia nuclear, também causado por histeria e alarmismo em torno da possibilidade de acidentes como os de Chernobyl e Fukushima. No ano 2000, por exemplo, o governo alemão assinou um tratado prometendo fechar todas as usinas nucleares até o presente ano, 2022. Sem combustíveis fósseis e sem energia nuclear, resta, obviamente, o gás natural, pelo menos até que as energias renováveis se tornem menos custosas.

O problema é que o aumento da dependência de gás natural fruto de muita ideologia e pouca racionalidade coincide com a diminuição de fontes alternativas para sua obtenção, (como as do Mar do Norte), 
criando uma situação obviamente explorada pela Rússia de Putin. Diante desse contexto, nações do Leste Europeu, a exemplo da Polônia, República Checa e Hungria, mostram-se apreensivas ao constatar que se encontram tanto mais vulneráveis aos fortes ventos geopolíticos que lhes chegam do Oriente quanto mais sujeitos a uma estratégia de redução de emissões formulada a muitas léguas dali, em Bruxelas. A cruzada contra os combustíveis fósseis é particularmente nociva a países como a Polônia, no qual esses combustíveis respondem por aproximadamente 80% da produção de energia.

Com o mercado cada vez mais regulado desde cima, e na medida do crescente controle russo sobre a oferta, esses países veem o futuro de modo ainda mais tenebroso do que estados-membros mais ricos da EU, nos quais o investimento em energias renováveis é muito maior. Antes da presente guerra, enquanto a política afetava mais sensivelmente os países mais carbono-dependentes, a Comissão Europeia pressionava por mais restrições às emissões. Resta saber se, agora, com o projeto imperialista neossoviético avançando obstinadamente, a Alemanha e outras nações ricas do bloco continuarão dóceis e submissas, presas na coleira curta de Vladimir Putin.

Flavio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


domingo, 27 de fevereiro de 2022

Putin já foi o motorista Vladimir - Elio Gaspari




Outro dia, antes do início da guerra na Ucrânia, o jornalista americano Thomas Friedman escreveu que o melhor lugar para se acompanhar a crise é tentando entrar “na cabeça de Vladimir Putin”. 
Diversas pessoas já tentaram mapear essa cabeça, da alemã Angela Merkel à ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright. O presidente russo é frio como cobra.

Em dezembro de 1989 ele estava na sede da KGB, em Dresden, na falecida Alemanha Oriental, quando uma multidão se aproximou da casa. Ele foi para o portão, disse que era um intérprete e recomendou que fossem embora, do contrário seus compatriotas atirariam. Deu certo, mas não havia atiradores.

Dois anos depois a Alemanha Oriental se acabara, a União Soviética derretera e a Rússia perdera cerca da metade de seu Produto Interno. Putin havia voltado para São Petersburgo e trabalhava com o prefeito da cidade. Para fechar o orçamento familiar, fazia bicos como motorista. Lembrando essa época numa entrevista, foi breve: “É desagradável falar sobre isso, mas infelizmente foi o caso”. 

 
Folha de S.Paulo - 
O Globo

Putin é frio como uma cobra 

Esse anônimo burocrata, que viu o fim do império soviético e a exaustão do Estado russo, governa o país há 22 anos com mão de ferro.

Vendo-se a figura de Putin nos salões da Rússia imperial, vale a pena lembrar que Vladimir já teve que trabalhar como chofer para fechar as contas.

Mourão e 1938
A referência do vice-presidente Hamilton Mourão ao xadrez diplomático de 1938, quando o primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain e muita gente do andar de cima inglês defendiam uma política de “apaziguamento” com Hitler, ecoa um livro que saiu em 2019 nos Estados Unidos. Chama-se “Appeasement” (“Apaziguamento”), do historiador inglês Tim Bouverie. Magnificamente pesquisado, ele mostra friamente como e porque Chamberlain construiu a política que o levou a Munique, onde entregou parte da Tchecoslováquia aos alemães. Tinha o apoio da cúpula militar e dos principais jornais ingleses.

Faltava-lhe a simpatia de um leão: Winston Churchill. Ele assumiria o cargo de primeiro-ministro em 1940. [De Churchill sobre o apaziguamento:
Diante da política de “apaziguamento” com os nazistas, Churchill profetizou: “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra”. Churchill sabia que um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”. Essa percepção se aplica perfeitamente ao caso atual envolvendo a Ucrânia.]

Com o tempo, a conta do apaziguamento foi toda para Chamberlain. Bouverie mostra que não foi bem assim. Em julho de 1938, Lord Halifax, ilustre conservador e ministro das Relações Exteriores, disse a um ajudante de ordens de Hitler que gostaria de ver o Führer em Londres, sendo aplaudido ao lado do rei George VI. Em setembro, Chamberlain foi a Munique e acertou-se com Hitler.

Dias depois a tropa alemã ocupou parte da Tchecoslováquia e em março de 1939 tomou o resto.

Problemas para amanhã
Na melhor das hipóteses, a invasão da Ucrânia criou dois problemas para amanhã. Cada um para um lado da questão:

Putin deverá lidar com o movimento de resistência dos nacionalistas ucranianos.
Os países europeus deverão lidar com centenas de milhares, senão milhões, de refugiados em busca de fronteiras que estiverem abertas para recebê-los.

(...)
 
Elio Gaspari, colunista - Folha de S.Paulo  e o Jornal O Globo 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Na fila da vacina - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 28 de janeiro de 2021

Vamos falar francamente: ainda neste ano, mais para o segundo semestre, hospitais e clínicas particulares estarão oferecendo vacina contra a Covid-19, em caráter suplementar ao Plano Nacional de Imunização – e tudo de acordo com a Constituição.  Um pouco de história: a Constituinte de 1988 tinha um viés claramente estatizante. Por isso temos o Sistema Único de Saúde – e o “único” aí não era apenas um modo de falar. A ideia era essa mesma: um sistema estatal, universal e gratuito. E obrigatório, vetando-se a medicina privada.

Só não ficou assim por dois motivos. Primeiro, porque seria preciso estatizar hospitais, clínicas e mesmo consultórios privados. E não havia dinheiro para isso – já que não se poderia simplesmente confiscar tudo, como se fosse uma ditadura. O segundo motivo vai na mesma linha: teria o Estado os recursos necessários para esse sistema gratuito? Está lá no artigo 196: que a “saúde é direito de todos e dever do Estado” e que será garantido “acesso universal e igualitário”.

Reconhecendo isso, os constituintes incluíram o artigo 199, dizendo que a assistência à saúde é “livre à iniciativa privada”. Como isso estava em contradição com o contexto, colocaram-se  várias ressalvas: essa atuação seria “complementar” e controlada pelo SUS, seria vedada a empresas estrangeiras e se daria preferência às instituições filantrópicas em relação àquelas com fins lucrativos.

O entendimento dos estatizantes era simples: com o tempo, dada a qualidade e gratuidade do SUS, o sistema privado desapareceria ou ficaria apenas para os poucos milionários. O mundo andou e como estamos hoje? Mais de 40 milhões de contratos particulares com planos e operadoras de saúde, muitas de capital estrangeiro. E um sistema privado de qualidade internacional.  Isso já funciona no caso da Covid. Os hospitais e clínicas particulares atendem os doentes e aplicam os testes. Aliás, os altos dirigentes da República se tratam nesses hospitais.

Por que, portanto, não podem vacinar?  Por questões econômicas, éticas e políticas. Na economia: ainda há escassez de vacinas em relação à demanda mundial. As farmacêuticas que já têm o imunizante estão vendendo apenas para governos e instituições multilaterais, como a OMS. A entrada do setor privado no negócio, no mundo, aumentaria ainda mais a demanda e elevaria os preços. Assim, se cairia onde os líderes mundiais de respeito tentam evitar: que os ricos passem na frente.

Mas, para falar francamente, de novo, ricos, no cenário mundial, estão tentando passar à frente
A União Européia encomendou 400 milhões de doses à AstraZeneca, para entrega neste primeiro trimestre. A farmacêutica avisou, nestes dias, que não conseguirá entregar nem metade disso. Qual a reação de parte dos líderes da União Européia. Proibir a AstraZeneca, que tem sede na Europa, de exportar sua vacina antes de atender toda a demanda da comunidade. [são a esses democratas de araque que os traidores brasileiros querem entregar a Amazônia do Brasil. Foram comprados para vender a ideia, aos incautos, que a democracia desses países é a democracia secular. 
União Europeia, Estados Unidos e outros do mesmo naipe cultivam a democracia em que eles possuem o controle, o domínio total.]

Ainda bem que líderes como a alemã Angela Merkel se opõem ao que consideram falta de solidariedade global. Mas, veremos. A questão ética vem na sequência. Não se pode vacinar os ricos, aqui e lá fora, antes dos grupos prioritários, pobres ou não.  A questão política decorre das anteriores. Claro que os hospitais e clínicas privadas, assim como as grandes empresas, poderiam estar no mercado comprando vacinas, se é que já não o fizeram. Mas não estão querendo vacinar neste momento justamente por temor da reação da sociedade, dos clientes e dos parceiros comerciais.

Tudo considerado, no momento, no Brasil e no mundo, cabe aos governos comprar e aplicar as vacinas, seguindo a fila dos mais para os menos vulneráveis.  Não há problema onde os governos estão cumprindo isso. Não é o caso do Brasil. Como o governo Bolsonaro desdenhou da doença, está muito atrasado na busca dos imunizantes. Se não fosse o governo paulista, tudo o que teríamos seriam dois milhões de doses vindas da Índia.[não podemos esquecer:  
dois milhões de doses vindas da Índia, vacinam dois milhões de pessoas, com eficácia de 71%;  
dois milhões de doses da vacina chinesa, vacinam um milhão de pessoas, com eficácia de 51%.
Estupidamente, a turma do Doria quer usar as doses destinadas a segunda aplicação, nos que já receberam a primeira, e deixar para realizar a segunda aplicação  mais para a frente. O problema é que a bula da CoronaVac - como recomenda a Anvisa o documento que deve ser seguido - determina que a segunda dose deve ser aplica na 3ª/4ª semana. Os milhões vacinados no estado de São Paulo, correm o risco de não receberem a segunda dose a tempo e passarem à condição de semi vacinados.
Cabe perguntar: os que receberem a segunda dose com atraso, passarão à condição de imunizados, ou terão que receber outra dose?]

Saída de momento? O setor privado financiar o público e, sobretudo, apoiar na organização. Quando o Plano Nacional estiver funcionando normalmente, aí vai aparecer a vacina no sistema privado. E se o governo nem assim conseguir vacinar? Aí os mais ricos vão se vacinar à sua maneira.

Carlos Alberto Sardenberg,  jornalista


quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Liberdade de expressão - J R Guzzo

O Estado de S. Paulo

Em vez de cortar a palavra de Trump, o certo é ter leis que combatam o incitamento à violência

Todo mundo tem direito hoje em dia a seus quinze minutos de fama como herói da esquerda internacional, mas em geral é mais ou menos só isso que se consegue. O mais recente desses heróis foi o Twitter, que proibiu o presidente Donald Trump de mandar mensagens pela sua plataforma acompanhado por seus companheiros Facebook e Instagram – depois da violenta invasão do Congresso norte-americano por grupos de militantes trumpistas. Criou-se, rapidamente, um clima de esperança no chamado “campo progressista”: as empresas-gigante que controlam a comunicação através das redes sociais estariam assumindo a liderança da luta mundial contra a “direita”, e ninguém tem força para resistir a elas. Mas não rolou.

Logo em seguida a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, denunciou a decisão das redes americanas como uma “séria violação do direito fundamental à liberdade de expressão”.

Em vez de cortar a palavra de Trump, o certo é ter leis que combatam o incitamento à violência, como na Alemanha. Não se pode admitir, disse o porta-voz de Merkel, que “o Twitter e o Facebook façam as regras”. Não há como achar que a chanceler da Alemanha seja uma extremista de direita pró-Trump – ela é justamente o contrário disso. E agora?

A mesma reação aconteceu na França, onde o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, declarou-se “chocado” pela censura à Trump – e disse que “a regulação da arena digital não pode ser feita pela própria oligarquia digital”. Isso, segundo o ministro do governo de Emmanuel Macron, tem de ser decidido “pela soberania do povo, através de suas instituições e de sua justiça”. Também não se pode dizer que haja alguma coisa direitista no governo da França. Outras vozes protestaram inclusive o principal dissidente da Rússia, Alexander Navalny, para quem houve “um ato de “censura inaceitável, que vai ser aproveitado pelos inimigos da liberdade através do mundo.” 

[o mais absurdo, contraditório é que no Brasil  colunistas famosos,  de grande parte da mídia, se regozijaram com a censura imposta a Trump.
Não nos surpreende,  já que em Pindorama um ministro da nossa Suprema Corte - que se autodenomina guardiã da Constituição, que proíbe a censura - determinou a uma das redes sociais a retirada de postagens sob pena de multa diária.
Na empolgação censória se imaginou integrante de um Supremo Tribunal Universal. Pior, foi atendido pela rede social. Sua decisão, além fronteiras, foi atendida pela rede social.] 

Essas reações, na verdade, refletem a divergência fundamental entre as visões que Europa e Estados Unidos têm sobre a questão. Na Europa, a tendência é que as redes sejam reguladas por lei. Nos Estados Unidos, a ideia é deixar isso a cargo das próprias redes. 
Para o governo da Alemanha, é perigoso entregar ao Twitter ou Facebook todas as decisõesUm direito de importância vital”, disse o porta-voz do governo alemão, “só deveria ser restrito pela justiça – e não pela gerência das redes”.

A mensagem que a Alemanha, a França e outros estão passando ao Twitter, Facebook o Instagram é bem clara: “Não tentem fazer a mesma coisa por aqui. Não vamos deixar.” É pouco provável que o chamado “Big Tech” compre essa briga.

JR Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Ações do Twitter afundam após banimento de Trump

Rede social gerou intenso debate no fim de semana após decisão de excluir o presidente americano

As ações da rede social Twitter afundam no pregão desta segunda-feira, 11, em Nova York. Os papéis, negociados na Nasdaq, caem quase 10%, após cerca de 30 minutos de negociação. Por trás da queda, está o banimento do presidente americano Donald Trump da rede social por “risco de mais incitação à violência”. O Twitter foi a única a excluir permanentemente Trump.

A medida gerou intensos debates mundo afora durante o fim de semana. Nesta segunda, uma das principais líderes globais, a chanceler alemã, Angela Merkel, criticou a atitude do CEO do Twitter, Jack Dorsey. Steffen Seibert, porta-voz de Merkel, afirmou que é correto não “recuar” quando esse tipo de conteúdo é postado, mas também disse que a liberdade de opinião é um direito fundamental de “significado elementar”.

 “Este direito fundamental pode sofrer intervenção, mas de acordo com a lei e dentro da estrutura definida pelos legisladores — não de acordo com uma decisão da administração das plataformas de mídia social”, disse ele a jornalistas em Berlim. “Visto por este ângulo, a chanceler considera problemático que as contas do presidente dos EUA estejam agora permanentemente bloqueadas.”

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segunda-feira, 11 de maio de 2020

Bolsonaro perde bonde do corona - Fernando Gabeira

O Globo 

Ele apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump

Bolsonaro se limita a atacar o isolamento, em vez de agir [o presidente deixa claro, até com exagero, o que não tem seu apoio - o que inclui o isolamento social; mas, é forçoso reconhecer que não adota nenhuma medida contrária ao isolamento, ou que atrapalhe a execução de tal medida nos estados e municípios que as executa.

Ter opinião contrária, mas não atrapalhar a execução do que não aprova,  não é crime. Crime é usar a pandemia para atrapalhar o governo do presidente Bolsonaro.] 

Perdeu o primeiro, quando se isolou, negando a importância da pandemia, criticando o trabalho de governadores e prefeitos. Uma nova oportunidade de liderança e alinhamento se abriria para ele, no processo de volta às atividades. Compete ao presidente unir governadores e prefeitos em torno de um detalhado plano de retomada. Dois dias antes de Bolsonaro ir ao Congresso, Angela Merkel reuniu as lideranças regionais para definir e modular um plano de volta. Esses planos são complexos. Não adianta pedir ao Tofolli, porque ele não tem. Implicam a definição dos dados necessários, como número de casos, disponibilidade de hospitais, capacidade de testar.

Implicam também um redesenho das escolas, das fábricas, dos escritórios. Na Alemanha, técnicos foram às escolas para redefinir o espaço, inclusive determinar o novo lugar dos professores na sala.
Em alguns países, houve escalonamento de turmas escolares; em algumas regiões, normas para restaurantes ao ar livre. Normas para o funcionamento de teatros e casas de espetáculo também estão sendo trabalhadas nos detalhes. Os intervalos, por exemplo, serão suprimidos para evitar aglomeração. O próprio futebol na Alemanha volta no dia 16, mas com portões fechados, sem plateia. Bolsonaro até o momento apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump.

Essa pressa acaba se estendendo a outros setores. O governador de Brasília queria que a final do campeonato carioca fosse jogada no Estádio Mané Garrincha mesmo com um hospital de campanha instalado ali. Não sei a que atribuir esta loucura. Nós temos uma singularidade cultural, que é a improvisação. É inegável que ela tem qualidades, no compositor que escreve seus versos num botequim, nos profissionais que driblam a falta de recursos para alcançar um certo resultado. Na formulação de uma política nacional e solidária contra o coronavírus, é preciso liderança e capacidade de planejamento. Bolsonaro trabalha por espasmos, acorda pensando na briga nossa de cada dia, a quem vai combater e orientar sua galera a chamar de lixo.
O ministro da Saúde tem dito que o Brasil é um país diverso. Todos concordam. Mas é precisamente por ser diverso que necessita de um plano com modulações.

Basta olhar no mapa para ver quantas cidades brasileiras não tiveram casos de contaminação. Até elas precisam ser orientadas a rastrear com rigor caso apareça alguém contaminado por lá. Na verdade, é um projeto que se enquadra nessa expressão muito usada de nova normalidade. Os Estados Unidos viveram algo parecido de longe com isso, depois do atentado de 11 de setembro. As circunstâncias agora são diferentes. O redesenho da sociedade não se faz diante de inimigos humanos, mas ameaças biológicas que podem nos dizimar. A etapa final do planejamento seria concluída com a existência de uma vacina, acessível a toda a população.

Mas, no entanto, a existência de uma pandemia como essa abriu os olhos de muita gente para a possibilidade de outras. Algumas delas podem ser favorecidas pelo desmatamento. Tive a oportunidade de sentir isso quando cobri a volta da febre amarela. Aparentemente, a destruição de algumas áreas de mata acabou expondo os trabalhadores agrícolas e algumas populações rurais.Estamos trabalhando com algo muito sério para o futuro das crianças. Se não houver uma transformação cultural que nos faça pensar coletivamente e nos convença da necessidade de planos cientificamente adequados, vamos ser uma presa fácil. Nos anos de política, lamentava que o Brasil era um país onde o principio de prevenção não pegou. Não esperava um governo que, além de imprevidente, desprezasse a ciência. Tudo do que o coronavírus gosta.

Transcrito de O Globo - Fernando Gabeira, jornalista

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Quando fechar, quando abrir - William Waack

O Estado de S.Paulo

Bolsonaro não é o único chefe de Estado que não sabe como sair do dilema

A realidade se encarregou de lembrar Jair Bolsonaro de que ele pode trocar de ministro quanto quiser, mas não pode trocar quanto quiser de política de saúde. Os limites aplicados às vontades do presidente – não importam méritos ou motivações – foram antes de mais nada institucionais. Em princípio, não é mau sinal. [apesar de algumas autoridades tentarem induzir no presidente a fancaria de que era falta de autoridade presidencial.
Alcolumbre, senador presidente do Senado, chegou a ligar para o presidente da República e ameaçar dizendo que o Parlamento não aceitaria a demissão do ministro Mandetta.]

Entrou como freio uma estrutura federativa que, no caso do combate ao coronavírus, concede aos operadores do SUS uma grande margem de ação. E os operadores são, em primeira linha, governadores e prefeitos. Além da eterna crise fiscal, eles se ressentem hoje sobretudo de falta de coordenação política, e estão assustadíssimos com a nada remota probabilidade de colapso de partes do sistema de saúde. Clamam por liderança. [sistema de saúde que na hora de trombar com o presidente os governadores dizem ser da responsabilidade deles e  na hora de falhas tentam atribuir ao Presidente da República.] 

É outro problema que veio junto de Bolsonaro e que a crise do coronavírus apenas escancarou. O presidente acha que seu poder vem da caneta, que ele diz não ter pavor nenhum de usar (mas não pode). Na verdade, o poder presidencial no Brasil vem de algo que o atual ocupante do Planalto renunciou a aplicar ou o faz de forma inconsistente, errática e subordinada exclusivamente ao curtíssimo prazo de redes sociais: ditar a agenda política. Sob o avanço da doença, a postura de Bolsonaro consiste o tempo todo em “salvar” seu governo, que ele enxerga exclusivamente pelo prisma de uma ameaça de crise social urdida por adversários reais ou imaginários mancomunados para destruir a economia e criar o caos. As manobras que faz para neutralizar inimigos (governadores, por exemplo) e afastar obstáculos ao que considera necessário realizar (o ministro da Saúde e o isolamento social, por exemplo) são perfeitamente racionais dentro desse quadro mental que beira a paranoia. [Vamos ser imparciais e justos:
algum dos nossos dois leitores, estando no lugar do Presidente Bolsonaro, confiaria naquele governador do Maranhão?
ou no Witzel do Rio?
no do DF? e vários outros, os três citados ilustram o assunto.] 

O problema é muito maior e, mesmo em seu jeito tosco (Bolsonaro sobre Bolsonaro), o presidente fala diariamente de um dilema para o qual os principais chefes de governo nas democracias liberais ainda não encontraram saída. 
Em termos bastante brutais, trata-se de saber até quando precisa durar o fechamento de economias antes que a devastação delas se torne irrecuperável. 
Na outra ponta, reabrindo as economias, trata-se de saber qual é o limite tolerável do número de mortos, a partir do qual a falência de qualquer carreira política é irrecuperável.
[Linkamos aqui, ou aqui, um Post do Luis Fernando Veríssimo - Weintraub na Saúde - mais pelo cômico do que por improvável realismo.
Segue um trecho:
" ...Falando sério: a teoria mais difundida no momento é a de que a pandemia teria a ver com a proliferação de novas torres de telefonia móvel, 5G, que de alguma maneira espalhariam o vírus. Dizem que não é coincidência o fato de as primeiras antenas 5G, mais potentes do que as 4G que substituem, terem sido instaladas na China, onde a pandemia começou, antes de qualquer outro lugar do mundo. ........" ]


Projeções e análises de curvas estatísticas sobre economia e saúde pública permitem no máximo contornos de cenários nebulosos, sem horizonte de tempo e qualquer “certeza”. Em outras palavras, dirigentes políticos ao redor do mundo democrático liberal estão sendo obrigados a “sentir” o dia a dia de temperaturas políticas e situações de degradação econômica e social que parecem ser, neste momento, muito mais abrangentes e que aparentemente estão reagindo timidamente ao inédito volume de medidas de estímulo e combate à recessão.

Para os que se sentem fascinados por entender qual papel exercem personalidades na História, a atual crise e sua imprevisibilidade oferecem alguns contrastes eloquentes. Donald Trump, por exemplo, ziguezagueia exibindo seu narcisismo (ele se proclamou um “gênio muito estável”). Angela Merkel, na outra ponta, demonstra uma postura próxima ao estoicismo (filha de um teólogo protestante em país comunista). E Jair Bolsonaro? [seja em qual posição se coloque ou o coloquem, Bolsonaro vai para o tronco.
Felizmente, vai também vencer em 2022 - o que desespera muitos.] 

Chegou ao Palácio do Planalto na crista de uma onda política e social que ele apenas em parte entendeu e controlou, onda que vai ficar parecendo apenas uma marola diante das proporções da crise de saúde e economia que começamos a enfrentar agora. [nenhum governante aprendeu a nadar, Bolsonaro é apenas e tão somente mais um - apesar de muitos torcerem para que ele assuma o protagonismo do fracasso.] Nela, Bolsonaro não aprendeu a nadar, e está se afogando.

William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo


terça-feira, 31 de março de 2020

‘Vão morrer, ué, lamento’ - O Globo

José Casado

Governadores têm aprovação até 30 pontos acima do presidente

A sociedade se move. De Manaus a Porto Alegre, incontáveis voluntários, líderes religiosos, comunitários e empresariais multiplicam a coleta de alimentos e de kits de higiene para áreas onde o poder público não alcança, porque delas sempre se manteve distante — salvo nas ações de repressão policial. 
[Sempre bom ter presente que pesquisas e panelaços possuem algum valor - pesquisas quando acertam - em época de eleições e os panelaços quando um presidente está sendo julgado por impeachment.
Até 2022, muita coisa vai mudar. 
As pesquisas realizadas no final de 2019 e inicio de 2020 não expressaram as profundas mudanças que a pandemia já causou, está causando e ainda vai causar.
A desmoralizar os panelaços, as imagens veiculadas quando são noticiados são sempre dos mesmos locais.]
.
São 74 milhões (37%) de brasileiros sem saneamento, parte abrigada em imóveis com mais de três por quarto, e a maioria agrupada em famílias cuja renda oscila no salário mínimo. Estão mais expostos ao vírus. “Alguns vão morrer? Vão morrer, ué, lamento” — disse Jair Bolsonaro, semana passada, com a naturalidade de quem lava as mãos e o distanciamento, talvez consciente, de possíveis cenas de comboios de caixões, com vítimas da “gripezinha”. A lógica de Bolsonaro é a da campanha pela reeleição mesmo num cenário devastado pelo medo coletivo: “Nós não podemos parar a fábrica de automóveis porque tem 60 mil mortes no trânsito por ano, está certo?”

A maioria reage, mostram pesquisas recebidas no Planalto. Indicam um presidente em derretimento na própria base. O Datafolha (20/3) confirma: entre aqueles que assumem ter votado em Bolsonaro, 15% declararam-se arrependidos. Não é irreversível, mas é a fotografia eleitoral mais recente. Isso equivale à perda potencial de 8 milhões de votos sobre os 57 milhões de 2018. [Vencido o coronavírus, o presidente Bolsonaro terá fôlego mais que suficiente para reverter este quadro. 
Tem mais: ainda que tirasse dos quase 58.000.000 de votos esses oito milhões, o presidente Bolsonaro ficaria um pouco a frente do poste petista.
Ninguém em sã consciência vai considerar que todos os votos 'perdidos' seriam herdados pelo candidato segundo colocado.
Imperioso perceber que agora, no apogeu da pandemia, tudo conspira contra o presidente, cessando a praga...]
A corrosão é visível nos estados, onde governadores têm aprovação até 30 pontos acima do presidente. [governador ter 30%,  ou 50%, nada significa para o presidente Bolsonaro - são patamares diferentes, os governadores ínfimos diante do capitão.]  Na raiz está a imprevidência. Um mês atrás (20/2), Bolsonaro insuflava protestos contra o Congresso e o Supremo, atacava governadores ameaçados por motins de PMs e calculava eventuais prejuízos à reeleição com avanço do PIB a 2% no ano.

Enquanto isso, na Alemanha, a conservadora Angela Merkel organizava um plano emergencial de saúde pública, aumentava gastos e garantias às dívidas. Na época, o Brasil tinha 14 casos suspeitos, nenhum confirmado. Hoje, as projeções para o PIB são de -1,7% (Citi), - 2,8% (Safra) e - 3,4% (Goldman Sachs). Bolsonaro persevera na campanha. Agora caça culpados pelos próprios erros. [exceto a China e mais uns dois ou três países, os demais vão ter crescimento ZERO ou mesmo negativo.
Convenhamos que comparar a Alemanha com o Brasil herdado pelo presidente Bolsonaro é forçar a barra.]


José Casado, jornalista - O Globo





quarta-feira, 18 de março de 2020

A realidade se impõe - Merval Pereira

Governo finalmente reage

O presidente Bolsonaro teve que abandonar a retórica irresponsável sobre a gravidade da crise do novo coronavírus, devido às evidências em escala mundial. A preocupante lentidão do governo federal nas ações de combate ao coronavirus foi quebrada ontem com a decretação do estado de calamidade pública. Só segunda-feira foi montado o gabinete de crise, que se reunirá hoje já sob o novo espírito, o que deveria ter sido feito há pelo menos 15 dias. Diversas medidas emergenciais continuam em estudo, espera-se que hoje, depois da primeira reunião do grupo, sejam anunciadas.

O ministro Paulo Guedes anunciou uma série de medidas, mas falta muita coisa, inclusive para guiar os executivos estaduais, que, na parte relativa à sociedade, estão muito mais avançados. Por isso Bolsonaro diz que as medidas tomadas pelos governadores prejudicarão a economia, como fosse possível reativar a economia sem a ação do governo federal de compensação aos pequenos e micro-empresários. Também as grandes empresas precisarão de estímulos para enfrentar a crise, que já está fazendo com que previsões de recessão este ano no país se generalizarem entre os agentes econômicos.

O presidente da República deveria estar à frente dessa ação, não apenas fisicamente, mas como símbolo da cidadania que terá que suportar sacrifícios do distanciamento social. Bolsonaro, ao contrário, diz que tudo não passa um complô para acabar com a economia e com o governo. Daqui a pouco teremos um país trancado em casa e o cidadão precisará de um líder para animá-lo, para dar uma visão de futuro. Enquanto a crise se agrava, o presidente anuncia publicamente que dará duas “festinhas” particulares na próxima semana, para comemorar seu aniversário e de sua mulher.  

Exemplar da diferença entre seus pares, um vídeo que circula nas redes sociais mostra como diversos chefes de governo reagiram, começando por Donald Trump, ídolo de Bolsonaro que soube colocar o GPS para recalcular seu itinerário político quando viu que menosprezar o coronavírus colocava sua reeleição em xeque. Trump, cercado de autoridades civis e militares, declarou “emergência nacional” nos Estados Unidos para combater a epidemia. O primeiro-ministro Boris Johnson, do Reino Unido, disse que esta é a “a pior crise de saúde pública de uma geração”. A chanceler Angela Merkel ressaltou a possibilidade de que até “60% da população da Alemanha” serão contaminados pelo novo coronavírus.

Na França, o presidente Emmanuel Macron classificou a situação como “a mais grave crise sanitária que atingiu a França em um século”. No Japão, o primeiro-ministro Shinzo Abe avisou que o governo não hesitará em tomar “medidas duras” para proteger a saúde dos cidadãos. Já o presidente Bolsonaro continuava até ontem a classificar de “histeria” a reação à crise, e se dedica a picuinhas menores. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que vem tendo uma atuação competente na gestão das ações de saúde pública, encontra obstáculos desde o primeiro momento da crise devido a questões políticas.

Mandetta teve que pedir permissão a Bolsonaro para encontrar-se com o governador de São Paulo João Dória numa atividade pública sobre o coronavírus. Mesmo assim, Bolsonaro não gostou. Agora mesmo, por ter ido ao Supremo Tribunal Federal (STF) a convite do ministro Dias Toffoli, para uma reunião com os presidentes da Câmara e Senado,
Madetta teve que se explicar a Bolsonaro. [Natural. Houve deselegância, ou mesmo intenção de fomentar a indisciplina, o não encaminhamento do convite à Presidência da República, já que Mandetta iria como um representante oficial.]

Talvez por isso ele não tenha colocado o ministro da Saúde como coordenador do gabinete de crise, dando a tarefa para o chefe do gabinete civil General Braga Neto. Embora esteja deixando seu lado médico prevalecer, o ministro Luiz Henrique Mandetta é deputado federal e tem jogo de cintura para escapar de armadilhas. Saiu-se bem quando teve que enfrentar questionamentos sobre o comportamento do presidente Bolsonaro ao apertar as mãos de simpatizantes, e conseguiu convencê-lo a manter a proibição dos cruzeiros marítimos de entrarem no país, para conter o Codiv-19. [A coordenação do gabinete de crise envolve todos os ministérios, sendo conveniente sua ocupação por um ministério com atividades mais voltadas para a articulação.
Caberá sempre ao ministro da Saúde, a coordenação técnica das atividades.].

Bolsonaro já tem um conselheiro na área, o diretor-presidente indicado para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contra-almirante  Antonio Barra Torres, que filmou toda a participação do presidente na manifestação de domingo. Ele tem posição divergente à do ministro Mandetta, e defende que não são necessárias medidas drásticas para enfrentar a crise. Pela decisão do fim da noite de decretar estado de calamidade pública, o  contra-almirante Torres perdeu a disputa de poder, para o bem do país.

Merval Pereira, jornalista - O Globo




segunda-feira, 14 de outubro de 2019

O capitão quer guerra - O Globo

Bernardo Mello Franco

DISCURSOS DE BOLSONARO

Jair Bolsonaro quer guerra. Na sexta-feira, o capitão participou de uma solenidade no Complexo Naval de Itaguaí. Diante de operários e oficiais da Marinha, fez mais um discurso em tom de combate. “Temos inimigos dentro e fora do Brasil. O de dentro são os mais terríveis. O de fora nós venceremos com tecnologia e disposição, e meios de dissuasão”, afirmou. [É DEVER do presidente da República, das autoridades constituídas e mesmo de qualquer cidadão brasileiro alertar para os inimigos que rondam o Brasil - inimigos que sempre estão presente, não só no Brasil, os inimigos podem até mudar conforme o país onde estão, mas sempre existem -  e também combatê-los.]

O Brasil já teve um presidente que se sentia perseguido por “forças terríveis”. Agora é comandado por um ex-militar que vê perigos em toda parte. A retórica de Bolsonaro expõe uma personalidade viciada em confronto. No último dia 2, no Planalto, ele falou em “dar a vida pela pátria”. “Não nos esqueçamos que o inimigo está aí do lado, o inimigo não dorme”, advertiu. [alguns podem até se espantar quando um militar, ou mesmo um ex-militar, considera algo absolutamente normal dar a vida pela Pátria;

os militares estão ligados por juramento ao solene compromisso, diante da Bandeira Nacional, de dar a vida pela Pátria = compromisso que não se extingue quando, por qualquer razão, passa à condição de ex-militar (exceto se a razão for traição à Pátria);
aliás, este compromisso se estende a todos os brasileiros, ainda que nunca tenham sido militares - por enquanto, apenas os do sexo masculino - visto que é regra o reservista prestar solene juramento à Bandeira Nacional, assumindo o compromisso em comento.]
 
Em agosto, no QG do Exército, jurou “lealdade ao povo” e conclamou o povo a “marchar para o sucesso”. “Não nos faltam é inimigos como os de sempre, que teimam em ganhar a guerra de informação contra a verdade”, afirmou. Na ausência de guerras reais, o presidente se dedica a fabricar inimigos imaginários. No início do governo, a ameaça viria dos comunistas, que estão em extinção desde a queda do Muro de Berlim. Em seguida, foi a vez de estudantes, professores, artistas e jornalistas.
Com a onda de queimadas na Amazônia, entraram na mira cientistas e ambientalistas que alertam para os riscos de destruir a floresta. [fenômeno sazonal que ocorre este ano, correu nos anteriores e ocorrerá nos vindouros.] Depois a fúria se voltou contra líderes da centro-direita europeia, como Angela Merkel e Emmanuel Macron. [qual presidente de uma nação soberana não se sente ofendido e reage com firmeza e veemência, quando um presidente de um país, especialmente no caso do Macron com viés colonialista, sugere internacionalizar parte do território nacional?] 
 
A pregação contra “inimigos internos” é usada por todo regime autoritário. Na ditadura brasileira, o conceito fazia parte da doutrina de segurança nacional. Servia para simular um ataque iminente e justificar a repressão feroz aos opositores. No caso de Bolsonaro, a estratégia se mistura a uma tendência à paranoia. Nos últimos tempos, o capitão passou a enxergar inimigos até nas próprias bases. Personagens como o cantor Lobão e o deputado Alexandre Frota, que o apoiaram com fervor, viraram desafetos do governo. Agora o alvo é o PSL, o partido do clã presidencial. Aliados que resistem à nova cruzada, como o senador Major Olímpio, estão prestes a entrar na lista dos proscritos.

Bernardo Mello Franco, jornalista -  Blog em O Globo


quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Radicalismo que isola - Merval Pereira

O Globo

O discurso do presidente Bolsonaro na abertura da Assembleia-geral da ONU foi surpreendente não pelo que falou, pois não há novidade no seu discurso, nada que não seja conhecido por todos, aqui e no exterior. O que surpreendeu é que se esperava que o discurso fosse pacificador e conciliador, quando foi agressivo na sua maior parte, e defendeu posições anacrônicas na política externa. [Bolsonaro fez questão de expressar-se como presidente do Brasil - NAÇÃO INDEPENDENTE E SOBERANA - e não como servo de uma Organização que sempre ignora os menores e é controlada, nos assuntos mais importantes, por um único país - para ter tal controle, basta que seja membro permanente do Conselho de Segurança da ONU = o poder de veto torna decreto o que a minoria - um apenas, lembrem-se - decida.
Fez questão de deixar claro que a SOBERANIA do Brasil é inegociável e a Amazônia não será internacionalizada, visto que invadi-la pode resultar no fim da região e que comunistas e socialistas, já fizeram parte do mal que tencionavam fazer e, portanto, devem ser neutralizados.]

Quem ainda tinha esperança de ver o presidente brasileiro associando-se a posições progressistas das democracias ocidentais frustrou-se, mesmo porque o presidente e seus assessores, oficiais e informais, como o guru Olavo de Carvalho, consideram que o termo “progressista” identifica socialistas e comunistas, não governos que se alinham aos conceitos e valores do mundo atual globalizado, mas não globalista, como gostam de criticar.

Nessa visão extemporânea do mundo, o governo brasileiro vê na discussão sobre os interesses globais, como o meio-ambiente, uma tentativa “de apagar nacionalidades e soberanias”. Como exortou Bolsonaro no final de seu discurso, (...) “Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer”.
Não foi à toa que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimentou Bolsonaro pelo discurso, embora não tenha encontrado tempo na agenda para um jantar, ou ao menos um encontro privado, como era esperado pela comitiva brasileira. Pelos assessores que fizeram o discurso, o tom não poderia ser outro: General Heleno, ministro Ernesto Araujo, Eduardo Bolsonaro e assessor internacional Filipe Martins. Foi uma defesa das posições que assume desde a campanha eleitoral, e usou a tribuna da ONU como um palanque para seu público interno.

Bolsonaro erra quando diz que representa o pensamento da população brasileira. Ele representa o Brasil, pois foi eleito presidente, mas muito do que diz não tem a concordância da maioria. Foi firme e não se intimidou diante da platéia e da possibilidade de protestos – apenas a representação de Cuba se retirou. O que pode ser visto como uma qualidade, coragem de reafirmar suas posições mesmo num ambiente potencialmente hostil, não significa que persistir no erro deixa de ser um defeito.

Só significa que está mais à vontade no cargo, pois quando foi ao Fórum Econômico Mundial de Davos, logo depois de tomar posse, perdeu a chance de marcar posição lendo um discurso de 8 minutos, quando tinha 45 minutos à sua disposição. [se fala pouco o condenam, se fala muito também é condenado. Optou por falar o necessário para deixar claro a posição de independência do Brasil.]

Mas assumiu naquela ocasião compromissos importantes, para incentivar os investidores estrangeiros. Falou em reformas, em abertura da economia, simplificação da burocracia para melhorar ambiente de negócios, diminuição da carga tributária, abertura para o mundo e ainda se comprometeu com preservação do meio ambiente. Coerente com o que está fazendo, com exceção do meio-ambiente.   Ontem na ONU, se preocupou também em agradar os investidores, mas abriu mão de potenciais aliados, contentando-se com o apoio que imagina ter do governo Trump. O problema é que Bolsonaro assume as suas verdades como se refletissem fatos, e esses muitas vezes o desmentem.

Foi um discurso radical, mas sem perder a linha, uma retórica agressiva, mas sem perder a compostura do cargo. O presidente mostrou que tem posição e sabe o que quer. Nem sempre, no entanto, o que ele quer representa o melhor para os interesses do Estado brasileiro, mas apenas ideias pessoais, que podem ser prejudiciais.

Ontem, Bolsonaro perdeu a oportunidade de levar sua assertividade ao porto seguro da conciliação e do entendimento. Ao contrário, reafirmou os pensamentos mais retrógrados, inclusive sobre valores morais e religiosos num cenário inapropriado, mergulhou de volta na Guerra Fria, mas dispensou o apoio da Europa com críticas veladas ao presidente da França Emannuel Macron e à chanceler da Alemanha Angela Merkel.  [Nenhum dos dois citados representam a Europa.] Reafirmar a soberania nacional sobre a Amazônia com ataques a países que deveríamos querer como aliados pode alegrar seu público interno e uma ala mais radical das Forças Armadas, mas não resolve a situação. Só ficamos mais isolados num mundo necessariamente conectado.  


Merval Pereira, jornalista - O Globo





terça-feira, 27 de agosto de 2019

Questão ambiental está oculta na disputa comercial- Editorial - O Globo

Macron situou livre comércio com Mercosul como problema real de competição para a França

A dimensão da crise ambiental brasileira não pode ser subestimada. É uma fragilidade antiga, realçada agora no governo Jair Bolsonaro com a multiplicação de incêndios na Floresta Amazônica. Novidade é o uso desses problemas ambientais em disputas político-comerciais com o Brasil, como fez o presidente Emmanuel Macron no fim de semana. 

Macron levou o desmatamento crescente na Amazônia para debate na reunião de cúpula do G-7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido). Em público, citou a possibilidade de uma recusa da França a ratificar o recém-assinado acordo da União Europeia com o Mercosul.  Macron, dessa forma, situou o livre comércio com o Mercosul como um problema real de competição no agronegócio para a França. Foi ironizado pelo líder britânico Boris Johnson. E contraditado pela chanceler alemã Angela Merkel. Ela viu no acordo UE-Mercosul uma chance política: usá-lo, sim, mas para delimitar a liberalidade da política ambiental do governo Bolsonaro, sobretudo na Amazônia.

Com maestria diplomática, Merkel completou sua proposta com o anúncio de que procuraria o presidente brasileiro para uma conversa sobre possível colaboração europeia na política para a Amazônia. O problema é que se em Brasília existe um plano para a Amazônia, nem o Congresso conhece. [será que até para apagar  incêndios,  vão querer que Bolsonaro seja autorizado pelo Congresso?] O governo apenas reage. No sábado, enquanto o G-7 debatia, anunciaram-se as primeiras medidas contra os múltiplos incêndios que devastam a floresta e a imagem do Brasil. Entre as iniciativas, o emprego das Forças Armadas, o uso de aeronaves da FAB para combate ao fogo e a promessa de desbloqueio de R$ 28 milhões previstos no Orçamento para suporte à operação militar.

Medidas necessárias, e tardias, para debelar o fogo gerado pelo próprio governo na sua errática política ambiental, comandada pelo ministro Ricardo Salles. Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro anunciava uma liberalização extremada, por isso mesmo perigosa, na área de meio ambiente, com redução do ritmo de fiscalização do Ibama e do Instituto Chico Mendes (ICMBio). “Essa festa vai acabar”, disse, ao prometer oxigenar um setor onde há tempos estão alinhados ONGs, burocratas e organizações de esquerda. Assumiu e deu curso a um desmonte dos órgãos de controle ambiental.

Em sua cruzada, Bolsonaro já propôs transformar a Estação Ecológica de Tamoios, um santuário em Angra dos Reis, na Costa Verde fluminense, numa Cancún brasileira. E demitiu o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, [demissão por insubordinação.]  depois de discordar de dados divulgados pelo órgão sobre aumento do desmatamento na Amazônia. Acabou cercado pelos incêndios na floresta.



Editorial - Jornal "O Globo"



sábado, 6 de julho de 2019

A saída é negociar

Quando se trata de economia, o presidente Jair Bolsonaro pode ser tudo, menos ingênuo

[o nosso presidente Bolsonaro pode até parecer, pode até desejar deixar a impressão de ingenuidade, mas, não convence: ele é apenas firme em suas ideias, firmeza  que as vezes o qualifica como extremamente teimoso.]

Entre vários dos dirigentes partidários e do Congresso existe hoje o entendimento de que as relações com Jair Bolsonaro vão piorar muito no segundo semestre. Acham que o presidente começará a sentir seu poder pessoal aumentar, principalmente depois de demitir um nome respeitado como o do general Santos Cruz, esperar algum ruído da ala militar e perceber que ele não veio. Ou participar de uma reunião do G-20, responder com pedras às pedradas que poderia receber da chanceler alemã Angela Merkel e do presidente francês Emmanuel Macron, e ver que não houve reação.

Pelo contrário. Bolsonaro saiu da reunião com um acordo assinado entre Mercosul e União Europeia, acordo cujas conversações tiveram início em 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas que só veio a ser fechado no atual governo. Então, por que não atribuir a si tão grande feito? Finalmente, dizem líderes partidários, Bolsonaro tenderá a dizer que outros tentaram, mas só ele conseguiu uma reforma da Previdência abrangente como a atual. E sem negociar cargos com os partidos, estabelecendo o presidencialismo sem coalizão, para usar uma expressão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Pode ser que as lideranças estejam certas e as relações entre Congresso e presidente entrem mesmo num campo de choque. Afinal, quem é que pode dizer alguma coisa sobre o futuro? Mas é pouco provável que um choque forte ocorra. Mesmo que seja chamado de “ingênuo” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e admita que é mesmo, quando se trata de economia, Bolsonaro pode ser tudo, menos ingênuo.

Ele sabe, e Rodrigo Maia também sabe, tanto é que já admitiu isso publicamente, que no presidencialismo sem coalizão a tendência é de que lideranças do Parlamento sejam fortalecidas. Ninguém pode dizer que Maia não se fortaleceu muito nestes seis meses de governo de Jair Bolsonaro. Maia tem hoje a seu lado líderes partidários como Baleia Rossi (MDB), Arthur Lira (PP), Elmar Nascimento (DEM), Wellington Roberto (PL), André de Paula (PSD), Paulo Pimenta (PT), Carlos Sampaio (PSDB) e Tadeu Alencar (PSB), para citar alguns. Em resumo, a influência de Maia vai da direita à esquerda, sendo muito forte no centro. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre(DEM-AP), também não faz nada sem conversar antes com Maia. O fato de serem do mesmo partido facilita as coisas. Mas não é só isso. Maia empresta a Alcolumbre a experiência que o presidente do Senado não tem. [quando Maia cair, Alcolumbre vai junto, essa é a vantagem desse empréstimo de experiência; e quem vai emprestar votos aos dois?]

Quanto a Bolsonaro, mesmo que ele venha a se sentir o dono do mundo por causa do acordo Mercosul/União Europeia, por ter enfrentado Macron e Merkel, ou pela afinidade ideológica com Donald Trump, é o Brasil que ele preside. Pode demitir um ministro forte como Santos Cruz sem maiores problemas. Ele é o presidente. E num presidencialismo sem coalizão. Mas, quando se trata da relação com o Congresso, não tem outra opção a não ser negociar. Melhor: não tem outra opção a não ser negociar com Maia.

Foi o que ocorreu em relação aos decretos que facilitavam a posse de armas. Se Bolsonaro não tivesse recuado, seriam todos derrubados, assim como foi derrubado o decreto que aumentava o número de pessoas aptas a dizer o que era documento secreto e ultrassecreto. Em relação à reforma da Previdência, ela só andou tão bem porque o Congresso a adotou como parte de sua agenda positiva. Se tivesse ficado na dependência da articulação do governo, talvez hoje ainda estivesse esperando pelo exame de admissibilidade da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a não já pronta para ir ao plenário. Bolsonaro, como dito acima, não é ingênuo. Ele depende do Congresso para governar. Mesmo que na cadeira presidencial se sinta muito forte.