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quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Artigo 58 - Luciano Trigo

VOZES - Gazeta do Povo


(Disclaimer: Este é um artigo sobre um aspecto específico da União Soviética sob o regime de Stálin. Não há intenção, por parte do autor, de sugerir qualquer tipo de associação ou paralelo com outro país e outra época. Qualquer semelhança porventura percebida terá sido mera coincidência: interpretações diferentes serão de responsabilidade exclusiva do leitor.)

Em 25 de fevereiro de 1927, entrou em vigor na União Soviética o Artigo 58 do Código Penal, no capítulo “Crimes contra o Estado”. Basicamente, ele autorizava o governo a jogar na prisão qualquer suspeito de atividades contra-revolucionárias. 
Ao longo dos anos seguintes, à medida que Stálin se consolidava no poder e instituía o terror e a fome como políticas públicas, o Artigo 58 foi sendo aprimorado, ganhando diversos sub-artigos que expandiram ainda mais o seu alcance.

Em 1934, por exemplo, o dispositivo legal incorporou formalmente o conceito de “inimigo dos trabalhadores”, ou “inimigo do povo”, tipificação acrescentada a outras, como “traidor” e “sabotador”. Por serem carregadas de peso moral mas, ao mesmo tempo, subjetivas e sujeitas a interpretações flexíveis, estas expressões serviram (e deram contornos legais) à perseguição, à prisão e à execução de uma multidão de cidadãos inocentes que só queriam exercer seu direito de criticar o governo.

Ora, eles não tinham entendido que esse direito não existia. Aprenderam da forma mais dura que, em um Estado arbitrário, não há crime pior que denunciar a arbitrariedade do Estado. A lei se torna, meramente, uma ferramenta de ação política.

Talvez a vítima mais famosa do Artigo 58 tenha sido o dissidente Alexander Soljenitsin. Nascido em 1918, um ano após a revolução, quando jovem e universitário ele foi um entusiasta do experimento comunista e da teoria marxista-leninista. Condecorado por bravura na Segunda Guerra, quando ajudou o Exército Vermelho a derrotar os nazistas, era um comunista exemplar, típico da sua geração.

O Artigo 58 mostrou que, em um Estado arbitrário, não há crime pior que denunciar a arbitrariedade do Estado

Até que, em 1945, Soljenitsin cometeu o crime de criticar aspectos da política de Stalin em cartas particulares a um primo. A correspondência foi interceptada. Enquadrado no Artigo 58, ele foi condenado a passar oito anos em um campo de concentração na Sibéria e a mais três anos de isolamento no Cazaquistão.

Mais tarde, Soljenitsin relataria essas experiências no romance “Um dia na vida de Ivan Denisovich” (1962) e, principalmente, no livro “Arquipélago Gulag” (1973), o principal registro já escrito sobre os horrores a que eram submetidos os presos políticos na União Soviéticada fome a variadas formas de tortura física e psicológica, em condições climáticas extremas.

As penas impostas pelo Artigo 58 eram longas (até 25 anos de prisão) e, na prática, indefinidamente prorrogáveis. Nos casos mais graves, pena de morte com um  tiro na cabeça ou no peito.

Aqueles que sobreviviam à alta taxa de mortalidade nos campos (resultante da combinação de tortura, trabalho pesado, isolamento, frio intenso, alimentação mínima e condições sanitárias inexistentes) e conseguiam recuperar a liberdade continuavam privados de direitos políticos, ou mesmo impedidos de morar em grandes centros. Tinham, além disso, todas as suas propriedades confiscadas pelo Estado.

Crimes mais brandos também eram punidos com severidade. Não relatar uma suposta traição de um terceiro (um vizinho ou um colega de trabalho, por exemplo) era passível de seis meses de prisão. Todo cidadão era obrigado a ficar vigilante e denunciar qualquer pessoa suspeita que conhecesse.

Isso levou, como era previsível, à formação de um exército de informantes voluntários: todos viviam com medo, e ninguém confiava em ninguém. O historiador Orlando Figes escreveu um livro de mais de 600 páginas retratando esse ambiente de pavor e silêncio compulsório, "Sussurros".

O próprio Soljenitsin conta, entre outros episódios, que um encanador que desligava o rádio do seu quarto quando transmitiam discursos de Stalin foi condenado a 20 anos de prisão, após ser denunciado por um vizinho.

“Não havia nenhum pensamento, ação ou falta de ação sob os céus que não pudesse ser punido pela mão pesada do Artigo 58”, resumiu Soljenitsin. E era este, justamente, o gênio do sistema: qualquer pessoa podia ser enquadrada em alguma das ramificações dialéticas do dispositivo. Era praticamente impossível viver sem violá-lo.

Conversas entre amigos ou uma carta privada bastavam para fundamentar a acusação de agitação e propaganda anti-soviética. Possuir literatura proibida também dava cadeia. Faltar ou chegar atrasado ao trabalho, por sua vez, se enquadrava no sub-artigo referente à “sabotagem das estruturas produtivas do regime”. Até crianças podiam ser – e foram – punidas. Aliás, a educação religiosa infantil também era classificada como atividade contra-revolucionária.

Outras vítimas do Artigo 58 foram os prisioneiros de guerra russos que voltavam da Alemanha, condenados por traição, por contato com burgueses estrangeiros ou, simplesmente, por não terem lutado até a morte (não lutar até a morte era uma atividade anti-soviética). Em caso de fuga do acusado, as sanções recairiam sobre a sua família.

Não parava aí. Como a subjetividade na análise do crime era deliberada, o comissário do partido responsável pela instrução do processo julgava com base não em definições objetivas da lei, não em provas documentais e testemunhos confiáveis, mas no seu “sentido revolucionário do Direito” e na sua “intuição como membro do partido”.

Na ausência de provas, pessoas podiam ser enquadradas não apenas por atos, mas também pela interpretação e presunção das suas intenções: “Nós não fazemos diferenciação entre a intenção e o próprio delito, e nisto reside a superioridade da legislação soviética sobre a legislação burguesa”, escreveu um jurista russo da época, em uma exegese do Artigo 58.

É nesse contexto que deve ser entendida a declaração feita mais tarde pelo infame Lavrenti Beria, chefe da polícia secreta stalinista: “Mostre-me o homem, e eu direi qual foi o crime”.

Luciano Trigo, colunista - VOZES - Gazeta do Povo 


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Arquipélago Gulag

Uma História do Gulag

Diálogo em um Gulag quando da chegada de um novo preso:

-  Quantos anos você pegou?
                                     - Dez anos...
                                     - Por que?
                                     - Por nada...
             - Não é possível! Por nada as pessoas pegam 12 anos!

O GULAG (“Glavenoe Uporavlenie Lagerei”, Administração Central dos Campos) consistia em uma vasta rede de campos de trabalhos forçados que se espalhavam por todo o comprimento e toda a largura da ex-União Soviética, das ilhas do Mar Branco às costas do Mar Negro, do Círculo Ártico às planícies da Ásia Central, de Murmansk a Vorkuta e ao Cazaquistão, do centro de Moscou à periferia de Leningrado.

GULAG, com o tempo, passou a indicar também o próprio sistema soviético de trabalho escravo, em todas as suas formas e variedades: campos de trabalhos forçados, campos punitivos, campos criminais e políticos, campos femininos, campos infantis, campos de trânsito. Ou seja, todo o sistema repressivo soviético, o conjunto de procedimentos que os presos outrora denominaram como “o moedor de carne”: as prisões, os interrogatórios, o traslado em vagões de gado sem aquecimento, o trabalho forçado, a destruição de famílias, os anos de degredo e as mortes prematuras e desnecessárias.

O GULAG já existia na Rússia czarista, nas turmas de trabalho forçado que operaram na Sibéria desde o século XVII até o início do século XX. Entretanto, quase imediatamente após a Revolução de Outubro, ele assumiu sua forma moderna e mais familiar tornando-se parte integral do sistema soviético. O terror em massa contra oponentes reais ou pretensos fez parte da Revolução desde o começo. No verão de 1918, Lênin já exigira que “elementos indignos de confiança” fossem encarcerados em campos de concentração fora das cidades principais. Em 1921 já existiam 84 campos de concentração em 43 províncias, a maioria destinada a “reabilitar” esses primeiros inimigos do povo.

A partir de 1929, os campos adquiriram nova importância. Naquele ano, Stalin resolveu utilizar o trabalho forçado tanto para acelerar a industrialização da URSS quanto para explorar os recursos naturais do extremo norte, quase inabitável, do país. Também naquele ano, a polícia secreta soviética (a CHECKA), passou a assumir o controle do sistema penal, lentamente arrebatando ao Judiciário todos os campos e prisões. Com o impulso das prisões em massa de 1937 e 1938, os campos entraram num período de rápida expansão. No final da década de 1930, podiam ser encontrados em cada um dos doze fusos horários da URSS.

Ao contrário do que se imagina, o GULAG não parou de crescer no final dos anos 30. Ao invés disso, continuou a expandir-se durante toda a II Guerra Mundial e a década de 1940, atingindo seu apogeu no início dos anos 50. Nessa época os GULAG desempenhavam um papel crucial na economia soviética. Produziam um terço do ouro do país, boa parte do seu carvão e madeira e muito de quase tudo o mais. No decorrer da existência da URSS, surgiram pelo menos 476 complexos distintos de campos, consistindo em milhares de campos individuais, cada um deles tendo de algumas centenas a milhares de pessoas. Os presos trabalhavam em todas as atividades imagináveis – derrubada e cortes de árvores, transporte dessa madeira, mineração, construção civil, manufatura, agropecuária, projetos de aviões e peças de artilharia – e, na realidade, viviam em um Estado dentro do Estado, quase numa civilização em separado. 

O GULAG tinha suas próprias leis, seus próprios costumes, sua própria moralidade, e até sua própria gíria. Gerou sua própria literatura, seus próprios vilões, seus heróis, e deixou sua marca em todos os que passaram por ele, fossem como presos, fossem como guardas. Anos depois de libertados, os habitantes do GULAG muitas vezes eram capazes de reconhecer ex-condenados na rua, simplesmente “pelo olhar”. 

O número total de prisioneiros nos campos costumava girar em torno de 2 milhões, mas o número total de cidadãos soviéticos que tiveram alguma vivência dos campos, na condição de presos políticos, é muito maior. De 1919, quando o GULAG iniciou sua maior expansão, a 1953, quando morreu Stalin, as melhores estimativas indicam que cerca de 18 milhões de pessoas passaram por esse infame sistema.  Como sistema de trabalho em massa que envolveu milhões de pessoas, os campos desapareceram com a morte de Stalin. Dias após a sua morte seus sucessores começaram a desmantelá-los. 

No entanto, não desapareceram por completo. Em vez disso, eles evoluíram. Durante toda a década de 1970 e começo da década de 1980, alguns foram reformulados e usados como cárcere para uma nova geração de ativistas democráticos, de nacionalistas anti-soviéticos e de criminosos. Mesmo nos anos 80, o presidente norte-americano Ronald Reagan, e seu equivalente soviético, Mikhail Gorbachev, ainda discutiam a existência dos campos da URSS. Gorbachev – ele próprio neto de prisioneiros do GULAG só começaria a dissolver definitivamente os campos em 1987. 

Embora tenham durado tanto quanto a URSS e milhões de pessoas tenham passado por eles, a verdadeira história dos campos de concentração da União Soviética não era de modo algum bem conhecida até recentemente. Mesmo os fatos concisos até aqui relacionados, embora familiares à maioria dos estudiosos ocidentais da história soviética, não penetraram na consciência popular ocidental. “O conhecimento humano”, escreveu Pierre Rigoulot, historiador francês do comunismo, “não se acumula como tijolos de uma parede, que se eleva gradualmente, acompanhando o trabalho do pedreiro. Seu desenvolvimento, mas também sua estagnação ou recuo, depende da estrutura social, cultural e política” (Rigoulot, “Les Paupieres Lourdes”). 

Poder-se-ia dizer que, até agora, não existia a estrutura social, cultural e política para o conhecimento do GULAG. Suas localizações eram um segredo, mas o medo que despertava era bem conhecido por russos, lituanos, poloneses, armênios e tantos outros que viveram sob a influência da ex-União Soviética.  

Os campos de concentração do GULAG surgiram antes mesmo de seus infames contrapartes nazistas, como Auschwitz, Sobibor, Buchenwald e Treblinka, mas só agora, após o colapso do comunismo, a história desse sistema de repressão e punição que aterrorizou milhões, veio à luz com toda a sua força. Embora a existência desses campos já fosse conhecida no Ocidente, graças a clássicos como “Um Dia na Vida de Ivan Denisovitch” e “Arquipélago Gulag”, do dissidente Alexander Soljenitsin, aqueles que desejarem conhecer um retrato completo e acurado de um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade, deverão ler as 749 páginas do livro de Anne Applebaum “Gulag – Uma História dos Campos de Prisioneiros Soviéticos”, editora Ediouro, 2004, de onde foram extraídos os dados acima.

Segundo diversos autores, o regime soviético sob a direção de todos os grandes timoneiros não tem precedentes em toda a História, pois não se assemelha a nada que jamais tenha existido. Nunca um Estado teve como objetivo matar, deportar ou reduzir à servidão os seus cidadãos e nunca um partido substituiu tão completamente um Estado. Nunca uma ditadura teve um poder tão grande em nome de uma mentira tão completa e, contudo, tão poderosa e tão perfeita sobre as mentes, que fazia com que os que a temiam, ao mesmo tempo saudassem seus fundamentos. [a idéia central, básica e total dos comunistas brasileiros, tanto os de 35, quanto os de 64 e os de agora sempre foi, é e sempre será a de suplantar o regime soviético - especialmente em autoritarismo, crueldade e desumanidade.

O poder que o PT busca supera em crueldade, autoritarismo e capacidade de corrupção todo o obtido pela NOMENKLATURA soviética.
Mas, sempre serão derrotados.]

O socialismo real cometeu uma agressão sem precedentes à civilização. Todavia, o Nuremberg dos bolcheviques não ocorreu e provavelmente jamais ocorrerá, pois as instituições jurídicas criadas pelo socialismo real que, em parte, ainda permanecem vigentes, foram de tal forma corrompidas a ponto de não permitirem iniciativas nesse sentido. E, como não existe um vencedor oficial do socialismo real, não houve e nem deverá haver um julgamento formal de seus crimes contra a Humanidade. Cabe, também, duvidar que o julgamento da História, consolo das vítimas, faça, algum dia, justiça aos milhões de sacrificados no Arquipélago Gulag.



Por: Carlos I. S. Azambuja é Historiador - Publicado originalmente no Blog Alerta Total - Jorge Serrão