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terça-feira, 6 de setembro de 2022

“Sr. Gorbachev, derrube este muro!” - Revista Oeste

Ana Paula Henkel

A liberdade sempre vencerá com base no mérito. Mas ela não pode vencer se ninguém estiver fazendo nada

Mikhail Gorbachev morreu na última terça-feira, aos 91 anos, em um hospital de Moscou. Como o último líder da União Soviética, Gorbachev ficou conhecido por aumentar a diplomacia com líderes ocidentais, principalmente com o 40º presidente norte-americano, Ronald Reagan, e por inaugurar uma série de reformas políticas que precederam a total dissolução da União Soviética, em 1991.

Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, 1986 | Foto: Reagan White House Photographs/Shutterstock
Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, 1986 | Foto: Reagan White House Photographs/Shutterstock

Um dos eventos mais notáveis ​​que levaram ao colapso da União Soviética foi a destruição do Muro de Berlim, em novembro de 1989, que dividia o enclave democrático da Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental desde 1961. Berlim Oriental era controlada pelos soviéticos.

Com a morte de Gorbachev, nesta semana ressurgiu nas redes sociais e TVs o famoso discurso de Reagan Tear down this wall”, proferido na Berlim Ocidental perto do Portão de Brandemburgo, em 12 de junho de 1987. Pouco mais de dois anos no mandato de Gorbachev como secretário-geral do Partido Comunista Soviético, Reagan elogiou as tentativas de reformas do líder soviético como “compreendendo a importância da liberdade”, mas antes instou-o a derrubar o muro que mantinha a liberdade fora da vida de muitos alemães. Reagan era um capitalista ávido e defensor da liberdade. Um presidente determinado a anular a corrida armamentista nuclear dos Estados Unidos com o “império do mal” da União Soviética, expressão que o presidente usou em um discurso em 1983. Gorbachev era um jovem comunista comprometido com o regime e que havia subido na hierarquia política para liderar a URSS, mas pressionado publicamente por reformas.

No discurso “Tear down this wall”, facilmente encontrado no YouTube e incrivelmente inspirador, Reagan diz: “Acreditamos que liberdade e segurança andam juntas, que o avanço da liberdade humana só pode fortalecer a causa da paz mundial. Há um sinal que os soviéticos podem dar que seria inconfundível, que faria avançar dramaticamente a causa da liberdade e da paz. Secretário-geral Gorbachev, se você busca a paz, se você busca prosperidade para a União Soviética e a Europa Oriental, se você busca a liberalização: venha aqui para este portão”. E, então, Reagan profere as históricas palavras: “Sr. Gorbachev, abra este portão! Sr. Gorbachev, derrube este muro!”.

O apelo do presidente Ronald Reagan em 1987 ao líder soviético Mikhail Gorbachev para derrubar o Muro de Berlim é considerado um momento decisivo de sua presidência — e é simplesmente incrível como esse discurso permanece atual, vivo e pertinente até hoje, sempre vale a pena assistir a ele. 
Um dos pontos mais interessantes é que, de acordo com o redator de discursos de Reagan na época, Peter Robinson, essas palavras poderosas quase não foram ditas.

Um trecho do discurso — que inclui a lendária frase “Sr. Gorbachev, derrube este muro!” — foi quase cortado depois que os conselheiros do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional acharam que a passagem poderia ser provocativa demais, relata Robinson. Um assessor direto da Casa Branca chegou a afirmar que o trecho não era nada “presidenciável”. Mas depois que o Muro de Berlim caiu — em 9 de novembro de 1989 — as palavras de Reagan, proferidas menos de dois anos antes, definiram um ponto de virada nas relações EUA–União Soviética. O que antes era considerado audacioso se tornou auspicioso.

Peter Robinson, que hoje faz parte do Hoover Institution, um think tank conservador de políticas públicas liberais e uma instituição de pesquisa dentro da Universidade de Stanford, diz que “o discurso se tornou retroativamente profético” e que, “depois que o muro caiu, parecia ter resumido e até previsto a fase final da Guerra Fria”. Quando o muro caiu, Robinson já havia deixado a Casa Branca e era estudante de pós-graduação na Stanford Graduate School of Business, mas recorda: “Lembro-me de dirigir da escola de negócios até a casa que estava alugando com três outros amigos e estava com o rádio do carro ligado. Voltei para casa, liguei a TV e ela ficou ligada por horas! Estava maravilhado. Na verdade, nunca esperei que o muro fosse cair tão rápido”.

Símbolo da liberdade

Já escrevi alguns artigos aqui em Oeste sobre passagens históricas de vários discursos daquele que, para mim, foi um dos maiores presidentes norte-americanos e uma das figuras políticas mais importantes para a humanidade. Hoje, no entanto, gostaria de trazer alguns fatos por trás do discurso que se tornou um símbolo eterno pela liberdade, até para que sirva de inspiração para todos nós, vivendo tempos assustadoramente sombrios em 2022.

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Portão de Brandemburgo, em Berlim, 1981 | Foto: Wikimedia Commons

A inspiração não vinha e, bastante desanimado, já que a falta de vida e a de esperança eram sentimentos avassaladores ali olhando para uma “preta e branca” Alemanha Oriental, Robinson esperava que seu próximo encontro com um diplomata norte-americano de alto escalão lhe fornecesse o material necessário para o discurso. Mas isso também foi inútil, disse Robinson: “Ele estava cheio de ideias sobre o que Reagan NÃO deveria dizer, incluindo — sob nenhuma circunstância — qualquer alarde ou menção sobre o Muro de Berlim. “Eles já se acostumaram”, disse o diplomata.

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O otimismo é uma força, não uma fraqueza. Enquanto algumas pessoas retratam o otimismo como ingênuo ou fora de contato com a realidade, Ronald Reagan entendeu seu poder

Robinson escreveu as observações sobre essa experiência no discurso de Reagan, mas sabia que enfrentaria resistência dentro da própria Casa Branca. Ele e dois de seus redatores-chefes queriam primeiro a opinião de Reagan para finalizá-lo e, com um pouco de discrição, levaram um rascunho para o presidente no final de uma semana especialmente ocupada antes que qualquer outra pessoa pudesse vê-lo. Na segunda-feira, quando a equipe se reuniu com Reagan, um dos editores perguntou se ele tinha alguma opinião sobre o discurso e apenas comentou que era um bom rascunho. Robinson então interveio e disse ao presidente que as pessoas em Berlim Oriental poderiam ouvi-lo falar; que, dependendo das condições climáticas, ele poderia ser ouvido até em Moscou pelo rádio. Robinson perguntou se havia algo que Reagan queria transmitir às pessoas que ouviriam do outro lado, e o presidente disse: “Bem, há aquela passagem sobre derrubar o muro. É isso o que eu quero dizer a eles. Esse muro tem que cair”.

Embora Robinson reconheça que ele é creditado por escrever o discurso, ele defende que o discurso é de Reagan. Ele relata que tudo o que ele fez foi tentar refletir as políticas e as posições de Reagan e de que apenas Reagan poderia ter dito aquelas palavras, porque era o que ele realmente acreditava: “Ronald Reagan podia imaginar um mundo diferente. Ele podia imaginar um mundo pós-soviético. Ele podia ver um mundo sem o Muro de Berlim. Se você o colocar em posição de fazer um discurso em frente ao Muro de Berlim, ele sentirá um certo senso de dever de dizer a verdade como ele a vê. O discurso pertence a Ronald Reagan”. A bordo do Air Force One, a caminho da Alemanha, alguns assessores ainda tentaram fazer com que Reagan desistisse do trecho que pleiteava a derrubada do muro. Reagan, lembra Robinson, foi enfático e disse que era preciso coragem de dizer o que precisava ser dito.

E, vejam vocês, queridos amigos… 35 anos depois, ainda podemos usar essa premissa como máxima inspiração.

Enquanto alguns creditam ao discurso de Reagan a derrubada do Muro de Berlim, o desmantelamento do muro — e do que ele significava —, o evento pode ser atribuído mais diretamente a uma série de situações que foram desencadeadas inadvertidamente pelas reformas de Gorbachev através da Perestroika e da Glasnost: medidas econômicas e políticas que tinham como objetivos modernizar o mercado econômico soviético e possibilitar a abertura política. Uma onda de revoluções políticas anticomunistas nos países do Leste Europeu seguiu as reformas, enquanto o muro caiu após protestos maciços dentro da Alemanha Oriental. O discurso de Reagan alcançou uma notoriedade generalizada somente depois que o muro caiu, já que inicialmente foi recebido com críticas, especialmente na União Soviética, onde a agência de notícias estatal TASS o chamou de “um discurso abertamente provocativo e belicista.”

(...)

Fred Ryan, presidente da Fundação Presidencial Ronald Reagan, disse em um comunicado nesta semana que a fundação estava de luto pela perda de um homem que já foi um adversário político de Ronald Reagan, mas que acabou se tornando um amigo: “O presidente Reagan era um anticomunista dedicado que nunca teve medo de dizer o que precisava ser dito ou fazer o que precisava ser feito para trazer liberdade às pessoas que viviam sob regimes repressivos. Contra todas as probabilidades, ‘Ron e Mikhail’, como eles eventualmente passaram a se chamar, encontraram uma maneira de tornar o planeta mais seguro juntos”, continuou ele. “Como o presidente Reagan escreveu em seu diário pessoal sobre a correspondência inicial dos dois, isso mostrou o que se tornaria a base não apenas de um melhor relacionamento entre nossos países, mas de uma amizade entre dois homens. Nossos pensamentos e orações vão para a família Gorbachev e o povo da Rússia durante este período difícil.

Leia também “Acredite na velha imprensa, se puder”

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Uma STASI para chamar de nossa - Guilherme Baumhardt

O início dos anos 2000 trouxe uma interessante produção cinematográfica alemã. Recomendo o fantástico “Adeus, Lênin” (2003), em que uma senhora entra em coma antes da queda do Muro de Berlim e desperta em um país já unificado – sob rigorosa recomendação médica de não ser submetida a emoções fortes. Já o filme “O Grupo Baader Meinhof” (2008) retrata o surgimento e as atrocidades dos terroristas de extrema-esquerda, responsáveis por atentados na então Alemanha Ocidental. Mas a obra que mais se assemelha ao que vivemos hoje no Brasil certamente é “A Vida dos Outros” (2007).

 Aos que não assistiram, um breve resumo. Um dos grandes dramaturgos da Alemanha Oriental (Georg Dreyman) é considerado por muitos o modelo de cidadão alemão a ser seguido. É o sujeito perfeito, que não questiona o regime e sobre o qual não pairam suspeitas
Ao menos até o dia em que um burocrata do governo resolve vigiá-lo 24 horas por dia, utilizando o aparato da STASI, a polícia secreta da Alemanha soviética.
 
 Escutas são instaladas no apartamento em que Dreyman vive. Cada passo dele e sua companheira passam a ser monitorados. Toda palavra ou ação é alvo da atenção dos espiões. 
Ao perceberem que viraram foco dos agentes, as conversas na casa passam a ser feitas ao pé do ouvido, com música alta ao fundo, para que os microfones instalados de maneira clandestina não captem o que é dito. Alguma semelhança com a operação da Polícia Federal contra oito empresários brasileiros ocorrida nesta semana?  
Sim, o Brasil de Alexandre de Moraes e do STF virou isso.
 
 A vida imita a arte. A ação autorizada pelo autossuficiente Moraes (que instaura inquéritos, investiga, julga e condena) é a reprise desse estado policialesco. 
 Celulares foram apreendidos, contas em redes sociais foram bloqueadas, o sigilo bancário de investigados foi quebrado. 
Para quê? 
Inúmeros motivos foram elencados, nenhum deles minimamente plausível até aqui. O que parece bastante claro, porém, é o caráter intimidatório da ação.

 Estamos tratando de mensagens trocadas em um espaço privado. E, do que veio a público até agora, nada (repito, nada) representa um atentado contra a democracia. “Ah, mas alguns ali falaram em golpe, Guilherme!”. Sim, e desde quando alguém deve ser punido por uma ideia, por mais estapafúrdia que ela seja?

Não custa lembrar: o ainda todo-poderoso petista José Dirceu já disse com todas as letras que “eleição não se ganha, se toma”
Inúmeros integrantes da esquerda e extrema-esquerda não escondem o fascínio e a admiração por regimes ditatoriais, alguns com boas doses de saudosismo da extinta União Soviética. No Brasil, idolatra-se um ditador chamado Getúlio Vargas (que governou o país durante muito mais tempo sem ter sido eleito, do que pela via democrática). 
 E? Todos são livres para defenderem, inclusive, absurdos. É a beleza da liberdade.
 
Desde a eleição de Jair Bolsonaro alguns alertam para “tempos sombrios” e para o “obscurantismo”
Alertas de araque, feitos por pensadores de fundo de quintal. 
A afronta às liberdades vem do outro lado da Praça dos Três Poderes, em Brasília. 
Foi o Supremo Tribunal Federal quem mandou prender jornalistas
Foram os “supremos” que ordenaram a prisão de um deputado federal que goza de imunidade parlamentar.  
Se há uma ameaça às liberdades nesse país, ela começa na casa dos togados.

 Foi o ministro Alexandre de Moraes que acionou a Polícia Civil de São Paulo para enquadrar um grupo que conversava no Jockey Club da capital paulista, fazendo críticas ao STF. Detalhe: Moraes não estava ali, foi “avisado” por terceiros. E, assim, voltamos ao filme “A Vida dos Outros”. Temos, portanto, uma Stasi para chamar de nossa.

 Enquanto isso, parte de uma imprensa calhorda comemora. Mal sabem eles que amanhã ou depois podem ser os próximos alvos da fúria suprema. Para a burrice, infelizmente, ainda não há remédio.

O autor é jornalista e o artigo foi publicado originalmente no Correio do Povo de 28 de agosto de 2022


sábado, 18 de maio de 2019

O delírio atômico

“O Brasil sonhou com a bomba atômica durante o regime militar. As consequências foram mais negativas.  A ambição era adquirir o ciclo nuclear por meio de cooperação internacional”

O ex-deputado federal Benito Gama é uma raposa política baiana daquelas que já viram de tudo no Congresso, desde quando presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o ex-presidente Collor de Mello e resultou na sua renúncia à Presidência da República para evitar o próprio impeachment. Governista, defende o presidente Jair Bolsonaro com bom humor e fina ironia. Um de seus argumentos favoritos, quando alguém cita declarações polêmicas do presidente e seus ministros, é comparar o começo do atual governo com o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Foi muito pior, a confusão era tanta que tinha até ministro defendendo a fabricação de uma bomba atômica!”

É uma alusão ao então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, que defendeu a retomada do projeto nuclear com objetivos militares, que teve péssima repercussão internacional. Esse argumento já não pode ser utilizado por Benito, porque o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e filho do presidente da República, defendeu que o Brasil tenha armas nucleares, para ser levado “mais a sério”. Eminência parda da política externa brasileira, Eduardo Bolsonaro acompanhou o pai no encontro com o presidente norte-americano, Donald Trump, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington.

Eduardo soltou o disparate durante palestra para alunos do curso superior de defesa da Escola Superior de Guerra, em reunião da comissão que preside na Câmara. Ele defendeu o rompimento do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, assinado pelo Brasil em 1998: “A gente sabe que se o Brasil quiser atropelar essa convenção, tem uma série de sanções. É um tema muito complicado, mas eu acredito que um dia possa voltar ao debate aqui”. A Constituição brasileira, no seu artigo 21, determina que toda atividade nuclear em território brasileiro seja realizada apenas para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional.

Eleito por São Paulo com 1,8 milhão de votos, Eduardo Bolsonaro é o parlamentar com mais influência na política externa brasileira, foi um dos padrinhos na nomeação do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. A visão do filho não é desconectada das ideias do presidente Bolsonaro, que se declara um “armamentista”. A expressão não se refere apenas à liberação da posse de armas, expressa uma concepção de projeção de poder, que ainda pode dar muitas dores de cabeça para o Brasil na sua política externa.

Na visão de Eduardo, bombas nucleares garantem a paz, como se não fosse possível, no caso brasileiro, defendê-la como se fez até agora, desmilitarizando o Atlântico Sul e evitando a nuclearização da América Latina. É simples e direto o seu raciocínio: “Tem um colega do Paquistão aqui, não tem? Como é que é a relação do Paquistão com a Índia se só um dos lados tivesse uma bomba nuclear? Será que seria da mesma maneira que é hoje? Óbvio que não. Quando um desenvolveu a bomba nuclear, o outro desenvolveu no dia seguinte. E ali está selada ao menos minimamente uma espécie de paz. Eu sou entusiasta dessa visão”, explicou aos alunos da ESG.

Programa nuclear
O Brasil sonhou com a bomba atômica durante o regime militar. As consequências foram mais negativas do que positivas para o país. O presidente Costa e Silva chegou a defender a condução de pesquisa, mineração e construção de artefatos nucleares numa reunião do Conselho de Segurança Nacional: “Não vamos chamar de bomba, vamos chamar de artefatos que possam explodir”, disse. A ambição do governo era adquirir todas as fases do ciclo nuclear por meio de cooperação internacional.


Chefiada por Paulo Nogueira Batista, um diplomata de carreira, a recém-criada Nuclebras, na década de 1970, foi encarregada de implementar o programa nuclear. Após a Índia testar uma bomba nuclear em 1974, no entanto, os EUA suspenderam a cooperação nuclear com o Brasil, que passou a privilegiar as negociações com a França e com a Alemanha Ocidental para transferência de tecnologia. A partir daí, passou a sofrer fortes pressões de EUA, Reino Unido, Canadá, França e da antiga União Soviética, que somente cessaram quando o Brasil e a Alemanha Ocidental assinaram um acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica que assegura a natureza pacífica do programa nuclear brasileiro.

Coube ao então presidente Collor de Mello pôr uma pá de cal no projeto, ao lacrar os poços localizados na base aérea da Serra do Cachimbo, no Pará, em setembro de 1990. As atividades nucleares foram reduzidas ao programa de desenvolvimento de um submarino nuclear e à construção de duas usinas nucleares adicionais em Angra dos Reis (RJ). O Livro Branco de Defesa Nacional, divulgado em 2012 e publicado pelo Ministério da Defesa, reafirma que a América Latina é uma Zona Livre de Armas Nucleares e que o Brasil defende o desarmamento nuclear. Também afirma que o submarino de propulsão nuclear contribuiria para a proteção de rotas comerciais, a manutenção da livre navegação, a proteção de recursos naturais e a promoção do desenvolvimento tecnológico no país.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB


 

sábado, 8 de dezembro de 2018

AI-5 faz 50 anos em país polarizado; general Heleno defende decreto da linha-dura

[13 de dezembro - 50 anos do AI-5 = Ato Institucional nº 5 - data a ser comemorada, festejada, por representar o inicio da derrota dos maus brasileiros pelas Forças do BEM]

Traumas demoram a passar. Cinquenta anos depois daquela sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, ainda causam emoção e controvérsias os motivos que levaram o então presidente Arthur da Costa e Silva (1899-1969) a editar o Ato Institucional nº 5, o AI-5, marco do início dos anos de chumbo. Quando, numa tarde ensolarada, o marechal-presidente abriu a reunião com as 24 autoridades mais poderosas do país, em volta da mesa de jantar do Palácio das Laranjeiras no Rio, já estava tomada a decisão de armar o Estado de poderes extraordinários, libertando o regime, por tempo indeterminado, das já tênues amarras legais. [emoção, pode e deve existir, quanto a controvérsia não tem fundamento que exista - o Ato Institucional nº 5, foi o remédio necessário e eficaz para restabelecer a ORDEM no Brasil e evitar que pela ação de maus brasileiros (a maioria dos traidores da Pátria que ainda estão vivos, que sobreviveram, ainda causa prejuízo à Nação.
Era o AI-5 ou uma Cuba ainda pior do que a ilha dos irmãos Castro. Felizmente foi feita a opção certa e os comunistas, os traidores, os maus brasileiros, mais uma vez foram derrotas e, se necessário, será derrotados outras vezes.]

(...)

"Assinei e, se as condições fossem as mesmas e o conhecimento fosse aquele que a gente tinha naquele instante, assinaria outra vez", diz Delfim Netto, o único sobrevivente da histórica reunião, da qual participou aos 40 anos como ministro da Fazenda ainda apagado, mas já com passagem bem-sucedida como secretário de São Paulo e autor de tese de doutorado sobre café, na época o produto que mais mexia com a economia brasileira.

A fidelidade ao passado não impede Delfim de ridicularizar, duas décadas depois, o solene pronunciamento feito, em cadeia nacional de televisão, pelo então ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva (1913-1979) horas depois da decretação do AI-5. Em nome do governo, ele justificava o fechamento do Congresso, a cassação de mandatos, a prerrogativa de demitir funcionários públicos, a suspensão do habeas corpus, o cancelamento da liberdade de expressão e de reunião, pela necessidade de poderes extraordinários contra a ameaça comunista.

(...)


"A sensação era de que o novo Ato Institucional liberava as feras, que saíram à caça com mais vontade do que em 64", diz Patto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de "As Universidades e a Ditadura" (Zahar).

(...)

Depois de um longo ajuste fiscal promovido pelo governo de Castello Branco (1897-1967), a liberação de crédito ao consumo estimulava a economia e já em 1968 o país cresceu 10%, iniciando um ciclo de taxas recordes de aumento do PIB até 1973. Só que a sensação de melhoria na qualidade de vida ainda não chegara à elite brasileira e, muito menos, aos mais pobres, dizem alguns especialistas.

"A crise foi estritamente política. O propósito que unificava os militares era transformar o Brasil em uma grande potência por meio de uma ação autoritária. O AI-5 não foi um fato episódico, foi a vitória da tendência saneadora, que achava necessário prender subversivos, corruptos e opositores para levar o projeto adiante", diz Fico, autor de livros importantes sobre o período.

Era a vitória da chamada linha-dura. A outra corrente, mais moderada, tinha uma dimensão pedagógica, acreditava na força da propaganda política para conquistar apoios e da censura para resguardar a moral conservadora. Ambas as tendências partiam do princípio de que a sociedade era despreparada, não sabia votar e cabia aos dirigentes o papel de "Messias". Os dois grupos se confrontaram ao longo da ditadura, às vezes ganhava força a corrente saneadora, outras, a pedagogia autoritária. 

(...)
 
O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, próximo ministro do Gabinete da Segurança Institucional, olha o passado de uma maneira semelhante à de Jair Bolsonaro (PSL) e ao discurso oficial da época. O homem que vai assessorar o presidente eleito em assuntos militares e de segurança acha que é fácil criticar agora o AI-5, longe do que qualifica de cenário de guerra revolucionária alastrando-se pelo país. "Não era possível seguir permitindo que as forças da 'comunização' seguissem ganhando espaço por falta de instrumentos legais", diz o general, em defesa das medidas de exceção, consideradas como uma maneira de "partir para a ignorância" pelo diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI) da época, o depois presidente João Baptista Figueiredo (1918-1999).

"O AI-5 começou a censurar antes mesmo de ser editado e a prender antes de ser anunciado publicamente", escreve o jornalista Zuenir Ventura no livro "1968: O Ano que Não Terminou". Nos dias seguintes ao 13 de dezembro, oficiais fizeram arrastões pelas cidades levando centenas de intelectuais, estudantes, artistas e jornalistas para as celas dos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops) e quartéis. Estavam nessa turma de Caetano Veloso e Gilberto Gil ao ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), capturado enquanto descia as escadas do Teatro Municipal do Rio. Aos 75 anos, o jurista Sobral Pinto (1893-1991) foi levado de chinelos e meias para um quartel; o antigo aliado dos militares Carlos Lacerda (1914-1977) se viu na mesma cela que o seu arqui-inimigo Mário Lago (1911-2002), histórico comunista vestido de vilão, o figurino da novela que gravava ao "cair". [a maior parte das 'vítimas' dos 'arrastões' já faleceu e muitos outros estão senis e nenhuma falta fizeram, ou fazem,  ao Brasil.]

(...)

"A partir do AI-5 monta-se a repressão política, organizada nacionalmente por setores de espionagem, setores da polícia política, setores de censura", diz Fico. O general Heleno contesta: "Apenas os excessos das forças do Estado são invariavelmente maximizados, enquanto as forças que desejavam transformar o Brasil em uma ditadura comunista são romantizadas".

(...)

"Os britânicos construíram três salas de tortura no DOI-Codi na Barão de Mesquita, antes de fazer isso na Irlanda, perto de Belfast", diz Martins Filho, autor do livro "Segredos de Estado - O Governo Britânico e a Tortura no Brasil". Eram cubículos pintados de preto ou completamente brancos, hermeticamente fechados, mantidos sob frio intenso ou calor escaldante, bombardeados com sons em alta frequência, variações de luz e ameaças gritadas em alto-falantes.

Uma réplica dessa sala escondia-se numa prisão na Irlanda, onde os membros do IRA também conheceram a arquitetura e os métodos de interrogatórios do Exército britânico, exportados depois para a prisão de Abu Ghraib, onde os EUA torturavam prisioneiros no Iraque. "O prisioneiro ficava no escuro muitas horas, perdia a noção do dia e da noite, começava a ouvir vozes e não sabia mais se eram deles ou não", afirma o professor.

Para a rua Barão de Mesquita eram levados os ativistas nos anos 70. O jornalista Álvaro Caldas esteve lá duas vezes e constatou a modernização da tortura entre a primeira e a segunda prisão. Na primeira, era pau de arara e choque elétrico, juntos ou separados. Na segunda, foi deixado numa das salas especiais e viu que era tudo novinho, notou que os fios elétricos eram importados e achou tudo parecido com consultório de dentista. "Fiquei sozinho, ouvindo o barulho, até que entrou um cara e, de um púlpito, dizia: 'Agora não torturamos mais', como se não estivesse me torturando", relembra Caldas. A história abre o livro "Tirando o Capuz".

O "Times" de Londres foi o primeiro a denunciar o uso das "técnicas do Ulster [Norte da Irlanda]" e, por exigência do arcebispo ao primeiro-ministro britânico, a tortura foi proibida logo depois. Em relatório secreto consultado pelo pesquisador, um general citava enviados de muitos países, a Alemanha Ocidental entre eles, para aprender as técnicas britânicas de interrogatório. O Brasil não estava na lista, mas há registros de militares brasileiros em Londres e vice-versa.

"O documento comprova a participação direta do Reino Unido na construção da tortura no Brasil", diz Martins Filho. Contatada, a embaixada do Reino Unido em Brasília não respondeu ao pedido de informações sobre o assunto.Quase oficial foi a exportação para a América Latina da doutrina militar francesa, batizada de guerra antissubversiva. O método, cuja arma principal era a tortura, foi sistematizado após a derrota do Exército francês contra a Frente de Libertação Nacional da Argélia e, nos anos 60, foi ensinado a brasileiros, argentinos, chilenos e uruguaios. Em 1972, quando o Brasil enfrentou a guerrilha do Araguaia, um ex-general da batalha de Argel, Paul Aussaresses (1918-2013), veio servir como adido militar em Brasília e deu aulas no Centro de Instrução de Guerra na Selva, com sede em Manaus.

(...)
 
O general Heleno rechaça as críticas. "A história do Brasil, durante o que chamam de regime militar, jamais foi contada com imparcialidade, a começar pela falsa afirmativa de que a tortura, os sequestros e os assassinatos foram institucionalizados", diz.

(...)
O general Heleno vê o período como a consolidação da vitória do Brasil contra o comunismo: "Concordo com o general Leônidas [Pires Gonçalves], quando afirma que o Brasil se transformaria em um verdadeiro continente sócio-marxista, se não fosse o regime militar. O AI-5 aconteceu dentro desse contexto". Tudo indica que as profundas cicatrizes e divisões da sociedade deixadas por esses anos ainda atravessarão novas gerações. 

MATÉRIA COMPLETA no Valor Econômico 
 

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Politização da Justiça

Esse controle de vastas esferas de órgãos públicos produz sustos como o do domingo

Mais ou menos na mesma época em que o PT estava sendo fundado no Brasil os militantes de vários grupos de esquerda na então Alemanha Ocidental inventaram um nome bonito para a tática de abandonar as ruas, as passeatas, os protestos e deixar de ser oposição extraparlamentar para ganhar votos e entrar no parlamento. Chamava-se “a marcha através das instituições”. No Brasil o PT preferiu tomar conta delas, aparelhando-as e transformando o que deveriam ser instâncias do Estado em braços servindo ao partido.

Ao lado do submarxismo primitivo que dominou boa parte do mundo acadêmico e da “produção de ideias” (incluindo jornalismo) esse controle de vastas esferas de órgãos públicos produz sustos como o do domingo, quando um desembargador resolveu cumprir uma missão político-partidária para libertar o chefe do partido que virou seita.  Chegou há tempos ao STF, onde um ministro paralisa privatizações não só por se sentir contrariado em suas opiniões políticas, mas por acreditar que a Lava Jato é uma operação engendrada por serviços secretos de potências estrangeiras para roubar o pré-sal do Brasil.

Nem vale a pena examinar um absurdo desses (“debater um absurdo significa dar a ele um ar de legitimidade”, dizia Raymond Aron durante a Guerra Fria quando confrontado com quimeras inventadas por comunistas). Mas o absurdo do plantonista amigo que queria libertar Lula levanta duas questões de grande alcance:

a) até onde permanece intacto e obedecendo à direção de partidos o aparelhamento do Estado brasileiro?
b) em que medida o enfraquecimento, deterioração, solapamento, destruição das instituições – como o caso do Judiciário também, rachado pela política – é um fenômeno duradouro?

A “privatização” do Estado brasileiro, entendido como sua apropriação por entes privados (como o são partidos políticos) precede o PT, mas não é uma ocorrência uniforme. Algumas instâncias, sobretudo da área econômica, apresentam bolsões de eficiência e formas de conduta próximas ao que se chamaria de uma burocracia impessoal. Outras são aquilo que o Padre Vieira criticava em sermões já no século 17: cabides de emprego para inúteis – alguns mais, outros menos gananciosos. Sobre essa máquina diminui o controle ideológico que o PT exercia. Estamos indo de volta para uma situação na qual impera “apenas” o fisiologismo.

Quando figuras de peso como a presidente do STF ou o comandante do Exército afirmam – como fizeram recentemente – que as “instituições estão funcionando”, temos de considerar que eles não poderiam dizer outra coisa. Já pensaram Cármen Lúcia declarando “as instituições NÃO estão funcionando?” E aí, ministra, como é que fica? Ou o general Villas Boas afirmando “as instituições pararam de funcionar”. E o senhor, general, pensa em agir como? O fato é que a bizarra disputa entre togados no domingo é apenas o mais recente indicador de como progrediu, no Judiciário, a rachadura política.

Não é um fenômeno tão recente assim. Lembram-se de como o País parou, em janeiro de 2017, logo após o acidente que matou o então relator da Lava Jato, e todos esperavam o resultado de um sorteio? Se o sorteio indicasse um determinado ministro como relator da operação poderia-se esperar certa conduta frente à campanha anticorrupção. Em outras palavras, a conduta de órgãos de Estado dependia da sorte? O que aconteceu no domingo foi não só um truque aplicado por uma organização criminosa para livrar seu chefe, mas, pior que isso, o resultado da politização da Justiça.
Resumo de um domingo, como diz o juiz aposentado Wálter Maierovitch, da República de Bananas: o aparelhamento do Estado, apesar de maléfico, preocupa menos do que o esfrangalhamento das instituições.


William Waack


quinta-feira, 3 de maio de 2018

Busca por desaparecidos da guerra chega ao fim na Alemanha

Diethild Heubel, 83 anos, pega um valioso documento em sua gaveta: uma velha carta amarelada escrita por seu pai, um soldado alemão capturado ao fim da Segunda Guerra Mundial.  “Foi seu último sinal de vida, a última vez que escreveu para nós”, diz a senhora em seu apartamento em Nördlingen, na Baviera, no sul da Alemanha.
Diethild Heubel mostra álbum de fotos da família em 6 de abril de 2018, na cidade alemã de Nördlingen. - AFP


Seu pai, Gerhard Stürzebecher, foi soldado do Exército alemão durante o Terceiro Reich. Em 1945, foi enviado a um campo de prisioneiros controlado pela União Soviética na Áustria. Diethild Heubel tinha 10 anos de idade. Sua mãe e ela nunca mais ouviram falar dele. “Éramos refugiadas, havíamos perdido tudo, mas o pior é que nunca soubemos o que aconteceu”, lamenta, sem tirar os olhos de uma foto dela quando criança, sentada no colo do pai, com um sorriso no rosto.  “Continuo pensando nele todos os dias. Ele era professor, não gostava da guerra e, ainda assim, teve que lutar nas duas guerras mundiais”, lamenta. “Não saber como ele morreu ou onde foi enterrado… É difícil”.

1,3 milhão de enigma
Muitos alemães ainda procura membros da família, militares ou civis desaparecidos desde 1945. Seus requerimentos chegam ao serviço de busca da Cruz Vermelha alemã em Munique, criado no final da Segunda Guerra Mundial para encontrar 20 milhões de desaparecidos. “No início, o número de casos elucidados era muito alto, mas existem cerca de 1,3 milhão de destinos que provavelmente nunca conheceremos”, diz o diretor do serviço, Thomas Huber, de 59 anos.

Para tentar resolver esses enigmas, seu escritório estuda arquivos alemães, soviéticos e da ex-RDA.  “É especialmente difícil encontrar soldados mortos nos campos soviéticos, principalmente porque seus nomes ou datas de nascimentos estavam errados”, diz Christoph Raneberg, que dirige o serviço de buscas em Munique.

Cerca de três milhões de alemães foram capturados pelo Exército Vermelho durante a guerra. As autoridades soviéticas sempre afirmaram que quase 10% deles morreram nos gulags, enquanto a Alemanha considera que, de fato, um milhão de pessoas morreram em detenção.
Os últimos sobreviventes conseguiram voltar para casa em meados dos anos 50, após a morte de Joseph Stalin.
Quase 75 anos depois do fim da guerra, os arquivistas ainda recebem 9.000 solicitações a cada ano, “principalmente de netos interessados pela história de sua família”, indica Thomas Huber.
Cerca de metade dos casos são resolvidos. Às vezes, de maneira extraordinária, como em 2010, quando dois irmãos separados em 1945 se reencontraram: um morava na Alemanha Oriental; o outro, na Alemanha Ocidental.
“Casos relacionados a crianças perdidas ou separadas ao nascer são sempre espetaculares, mas para nós, cada caso é importante”, diz Huber.
– A esperança de que um dia… –
Stephan Haidinger, de 40 anos, decidiu seguir o rastro de seu avô no ano passado. “Eu tive um câncer e durante o tratamento pensei muito sobre meus ancestrais, percebi que me doía não ter conhecido meu avô”, lembra-se este morador de Glonn, cidade da Baviera.
“Nós só sabíamos que ele havia sido preso no final da guerra e mandado para um campo, mas não sabíamos por que, já que ele não era um soldado”.
A Cruz Vermelha mal levou quatro semanas para encontrar respostas. “Eu soube que ele tinha sido denunciado como o líder de um grupo do NSDAP (o partido de Adolf Hitler) em Berlim e que tinha morrido em um campo de concentração em 1946. Foi um choque, mas fiquei aliviado por ter conseguido uma resposta”, diz Stephan Haidinger.
Agora ele sabe que seu avô foi enterrado em uma vala comum no norte da Alemanha, que ele planeja visitar. Será “um pouco como conhecê-lo pela primeira vez”, antecipa.
Mas com o passar do tempo e a morte de testemunhas, a Cruz Vermelha e o governo alemão decidiram encerrar suas buscas em 2023.
“Temos todos os arquivos existentes, não encontraremos novas fontes de informação”, diz Huber, que promete não poupar esforços nos cinco anos restantes.  Diethild Heubel guardou toda a sua correspondência com o serviço da Cruz Vermelha, confirmando que a investigação de seu pai não deu resultado.
Mas a senhora se recusa a desistir. “Eu não posso (…) virar a página. Vou continuar procurando até eu morrer”.

AFP
 

sexta-feira, 6 de março de 2015

O Supremo não será ultrajado pela troca de ministros septuagenários por cinquentões que imploram por bengaladas no lombo



Konrad Adenauer tinha 73 anos em 1949, quando assumiu a chefia do governo da Alemanha Ocidental, e 87 ao deixar o cargo em 1963. Entre a posse e a renúncia, reconstruiu o país devastado pela Segunda Guerra Mundial. Nelson Mandela tinha 76 anos em 1994, quando assumiu a presidência da África do Sul, e 81 ao deixá-la em 1999. Nesse curto período, transformou a terra dividida e dilacerada pelo apartheid numa nação democrática.

Se tivessem nascido por aqui, os dois admiráveis setentões até poderiam tentar enfeitar o peito com a faixa presidencial. Como Tancredo Neves, que tinha 73 anos em 1984, quando aceitou a missão de disputar a sucessão de João Figueiredo, primeira etapa do processo de restauração democrática. Ao morrer em abril de 1985, a era dos generais-presidentes havia chegado ao fim. Em menos de um ano, Tancredo juntou oposicionistas e governistas dissidentes numa frente política tão heterogênea quanto poderosa, transformou-se no candidato dos milhões de brasileiros sem acesso às urnas, nocauteou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral e montou o ministério que não pôde presidir. Até ontem, Adenauer, Mandela e Tancredo estariam proibidos de sonhar com a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal.

No Brasil, leis e decretos decidiram que a juventude acaba só aos 29 anos, a velhice começa já aos 60 e os magistrados têm de cair fora dos tribunais aos 70. Esta terceira restrição imbecil  começou a morrer nesta quarta-feira. Uma proposta de emenda constitucional (PEC) que adia por cinco anos a despedida obrigatória foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Basta mais uma votação para sepultar-se de vez a limitação injustificável.

O documento que homenageia a sabedoria, a experiência e a sensatez merecia ser batizada de PEC da Maturidade. A imprensa optou pelo apelido pejorativo: PEC da Bengala. Faz sentido: os redatores do noticiário sobre o Petrolão insistem em rebaixar a “delatores” todos os depoentes que, por ajudarem a esclarecer as bandalheiras em que se meteram, são qualificados de “colaboradores da Justiça” por jornalistas de países civilizados. Além de prolongar a permanência no STF de septuagenários com reputação ilibada e notável saber jurídico, como exige a Constituição, a decisão da Câmara vai impedir que Dilma Rousseff amplie a bancada dos ministros da defesa de culpados com a nomeação de bacharéis cinquentões que tratam a pontapés a lei, a ética e a verdade. Luiz Inácio Adams e José Eduardo Cardozo, por exemplo.



VÍDEO:  A bengalada de José Dirceu

O advogado-geral da União (50) e o ministro da Justiça (55) estão longe da bengala. Mas nunca estiveram tão perto de uma velha e boa bengalada no lombo. Como aprendeu José Dirceu, não há corretivo mais pedagógico para gente que perdeu a vergonha.

Fonte: Coluna do Augusto Nunes