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terça-feira, 1 de março de 2016

A vida de um jogador de futebol de verdade e que não sonega impostos



Salário abaixo de R$ 1.000, desemprego em 59%, atraso no pagamento e insistência no sonho – assim vive o atleta que ninguém vê
No Ninho do Corvo, ou Estádio Antônio Soares de Oliveira, a 12 quilômetros do aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos, São Paulo, o barulho do avião que decola abafa os berros que saem do vestiário do time visitante, a Matonense. Ouvem-se os berros por trás da porta de ferro, mas não se distinguem os palavrões de qualquer instrução que o técnico Pinho esteja passando aos atletas. A 20 metros dali, no campo, dois garotinhos de seus 7 anos se revezam em chutes a gol, enquanto o jogo não começa. A cada bola que acerta, um, com a camisa da italiana Juventus e chuteira da Nike, comemora com um sonoro “goool!” e rola na grama. São filhos de jogadores do Flamengo, o time da casa. Não o carioca, da primeira divisão nacional. E sim o paulista, da terceira divisão estadual, em que os jogadores ganham menos que garçons e assistentes de obra.

A desigualdade entre os Flamengos é abissal. O carioca arrecadou R$ 334 milhões em 2014. O de Guarulhos, no mesmo ano, conseguiu 0,02% disso, R$ 59 mil. A diferença tem relação direta com os elencos. Eis a escalação do Flamengo que encara a Matonense neste domingo: Wagner no gol; Arthur, Carlão, Igor Prado e Biro Biro na defesa; Wellington Carioca, André Bilinha e Fernando Júnior na meia; Milton Junior, Ingro e Daniel Bueno no ataque. Não conhece ninguém? Não se culpe. 

Os jogos são transmitidos por rádio só para algumas cidades do interior do Estado. Nada de TV aberta nacional. Se o peruano Paolo Guerrero, sozinho, leva milhões de reais por ano do Flamengo do Rio de Janeiro, a folha salarial total do Flamengo de Guarulhos, em R$ 46 mil, permite pagar salários de cerca de R$ 700 mensais para cada jogador por quatro meses, tanto quanto recebem quatro em cada cinco jogadores de futebol profissionais no Brasil. Esses atletas ganham menos que ascensorista. O craque em Guarulhos é o veterano Daniel Bueno, de 32 anos, 1,84 metro de altura, 80 quilos. Artilheiro do time em 2016, com três gols em seis jogos até ali. Dentro do vestiário, antes do jogo, ele veste a camisa rubro-negra e amarra os cadarços da Adidas tão suja que mal se percebem as três listras.

Caminham para lá Rafael Piauí e Bartô. Ambos usam bonés com aba reta, camisetas coloridas, shorts e chinelos. Nenhum dos dois jogará. O primeiro, atacante, rompeu ligamentos do joelho em um jogo-treino em dezembro. Está fora da competição. Teve sorte de manter o emprego até o fim do estadual. O segundo foi eleito o melhor lateral-direito da terceira divisão pelo Tupã em 2015 e jogou como titular cinco dos seis jogos do Flamengo-SP em 2016, mas seu desempenho caiu e ele nem sequer foi relacionado pelo técnico Edson Vieira para esse jogo. Também se estranhou com a diretoria, depois que contou ter uma proposta para jogar no Nacional, da capital, e se mudar para a segunda divisão de Portugal no segundo semestre. Quis ir, mas desistiu. Diz ter preferido manter a palavra que deu ao técnico ao chegar ao clube. Piauí e Bartô entram no vestiário e na roda de flamenguistas já uniformizados. É hora de concentrar.

 “Eu não gosto de sentir o cheiro de derrota! Não deixa cair! Vambora!”, discursa o técnico, no meio da roda. “Vamos dar o sangue! Sem bobear! Sem sair atrás!”, grita Carlão, zagueirão e capitão do time. “Pai nosso que estais no céu! Santificado seja o vosso nome!”. 
 Os 20 atletas, técnico, assistente e preparador físico, todos agarrados e carrancudos, berram a oração. Batem palmas. Saem, um por um, e marcham para o túnel que leva ao campo. As pisadas mais fortes que o necessário reforçam o humor beligerante. Passam por uma barata morta, uma parte escura do corredor com lâmpada queimada e sobem para o gramado. De longe, todo verdinho. Basta se aproximar para notar no mínimo três espécies diferentes de grama e perceber os buracos. Aguardam o jogo 638 torcedores, acomodados com espaço, que gritam e tomam picolés de R$ 2.