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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

‘Je suis’ Sérgio Cabral

O detento de Bangu 8 ficará marcado pela corrupção, mas a essência de seus males estava na demofobia

O repórter Ruben Berta informou que em 2010 o então governador Sérgio Cabral mimou seu vice, Pezão, durante as festas de fim de ano hospedando-o no hotel Portobello, em Mangaratiba. As diárias saíram por R$ 5.600. O salário do anfitrião era de R$ 13,4 mil, mas isso não tinha importância.

Aquele réveillon poderia ter sido uma festa qualquer, mas durante o dia 31 de dezembro de 2009 uma chuva matou 46 pessoas na região de Angra dos Reis e outras 21 no estado.
Cabral estava na sua casa de Mangaratiba, a 60 quilômetros dos locais da tragédia. Seria uma viagem de poucos minutos em seu meio de transporte preferido, o helicóptero, mas só botou o pé na lama no dia 2, com uma frase emblemática: “Você jamais vai me ver fazendo demagogia”.

A demofobia foi a marca de sua passagem pelo Rio.  Em 2007 ele defendeu o aborto porque na sua opinião a favela da Rocinha era “uma fábrica de produzir marginal”. (Citou estatísticas erradas, mas deixa pra lá.)  Dois anos depois propôs que onze favelas do Rio fossem cercadas por muros de três metros de altura. (A voz solitária contra essa maluquice veio de um português, o Prêmio Nobel José Saramago.) Vendeu a ilusão de uma pacificação dos morros, quando sua única iniciativa foi a militarização do cotidiano nessas comunidades. (O fracasso do conjunto dessa obra foi reconhecido neste ano pelo seu marechal-de-campo, o secretário de segurança José Mariano Beltrame.)

No morro do Alemão, ocupado com uma coreografia digna da tomada das praias da Normandia no Dia D, ficou o teleférico, símbolo da conjugação da demofobia com a corrupção. Custou R$ 210 milhões num cenário de concorrências viciadas e desde outubro está parado. Foi lá que madame Christine Lagarde, diretora do FMI, sentiu-se “no Alpes”.

Graças à Polícia Federal e ao juiz Marcelo Bretas, Sérgio Cabral está em Bangu 8, vestindo uma camiseta verde. Carnavalizaram-se os deslocamentos do detento com faixas, fogos e festas. De uma hora para outra, Sérgio Cabral tornou-se o estuário de todas as reclamações. Vá lá, mas Cabral pareceu ser solução. Em 2010, 5,2 milhões de eleitores (66%) deram-lhe um segundo mandato. Quatro anos depois ele elegeu Pezão, o hóspede no hotel Portobello. O “Je suis Sérgio Cabral” foi um grito popular, tanto no andar de baixo como no de cima.

A declaração demófoba de 2010 foi amplamente noticiada (e até admitida).  Nem todo mundo sabia a extensão de suas relações com o empreiteiro Fernando Cavendish (o do anel da Van Cleef), mas os deputados da CPI do contraventor Carlinhos Cachoeira sabiam muito bem o que estavam fazendo ao blindá-lo.

O estouro das verbas de obras públicas foi exposto episodicamente. Era como se todo mundo soubesse que o bicho tinha quatro patas, orelhas imensas e tromba, mas achava-se que o elefante era bonitinho. Era, mas não deixava de ser um elefante, daqueles que comem 125 quilos de folhagem (verdinha) por dia.  A manada do PMDB comeu a lavoura do Rio, jantou no Alain Ducasse de Mônaco, quebrou o estado e fechou os restaurantes populares. O doutor era a peça reluzente e modernosa de uma máquina que sobrevive, intacta.  Cabral está em Bangu por corrupção porque demofobia não é crime. Para muita gente, é virtude.


Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista