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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Trabalho escravo, rumo à barbárie


Constituição e legislação ordinária existem, antes de tudo, por uma razão: dotar a sociedade de patamar civilizatório mínimo, que leve em consideração liberdade e igualdade

[no final deste POST a Íntegra da Portaria  nº 1.129/2017]

Vivemos um momento institucional inédito no Brasil. A imprensa tem destacado que o governo concentra todos os seus esforços para convencer deputados a rejeitar o prosseguimento de ação penal ajuizada no STF. A última vítima desses esforços é o combate ao trabalho escravo. 


A Portaria nº 1.129/2017 é mais uma grave iniciativa para enfraquecer o combate ao trabalho escravo em nosso país. No seu primeiro artigo, ela viola o Código Penal e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho, ratificadas pelo país, modificando o conceito de trabalho escravo e condicionando sua ocorrência à restrição da liberdade física de ir e vir, requisito inexistente na definição prevista em nossa legislação. O escravo não é apenas o trabalhador acorrentado e enclausurado, mas também aquele que dorme com animais e com eles compartilha sua comida e bebida, tendo violada a sua dignidade.


A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao condenar o Estado brasileiro (no caso“Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde”), deixou claro que a ocorrência da escravidão nos dias atuais prescinde da limitação da liberdade de locomoção. A Corte afirmou que o trabalho escravo contemporâneo ocorre quando um homem exerce sobre o seu semelhante, direta ou indiretamente, um dos “atributos do direito de propriedade”, o que inclui a “posição de vulnerabilidade da vítima” e a “exploração”.


A Portaria restringe a atuação dos auditores fiscais do Trabalho ao estabelecer a observância dos aludidos conceitos em todas as fiscalizações procedidas pelo Ministério do Trabalho, inclusive para fins de inclusão do nome de empregadores na lista suja do trabalho escravo. Em um só artigo, busca aniquilar a atuação dos auditores e esvaziar a relação dos nomes constantes no cadastro de empregadores que se valem do trabalho escravo.

A atuação do Ministério Público se fundamenta na Constituição, nas convenções internacionais de direitos humanos ratificadas pelo Brasil e na lei. O Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal continuarão a atuar com base nos preceitos existentes; ou seja, aquele que explora mão de obra análoga à de escravo poderá ser réu em ações civis e penais promovidas pelo Ministério Público e ser condenado, mas os auditores fiscais do Trabalho não poderiam lavrar autos de infração com base nos mesmos fatos.



A Portaria não pode produzir efeitos no mundo jurídico. Tudo será feito pelo Ministério Público para que sua nulidade seja pronunciada de plano. A Constituição e a legislação ordinária existem, antes de tudo, por uma razão: dotar a sociedade de um patamar civilizatório mínimo, que leve em consideração a liberdade e a igualdade. Obstar o combate ao trabalho escravo equivale a renunciar a essas premissas.


Nunca, em hipótese alguma, o princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República, poderá ser usado como moeda de troca para obtenção de vantagens em disputas políticas, administrativas ou criminais.


[O Blog Prontidão Total é radicalmente contrário a qualquer forma de escravidão do ser humano;
É nossa posição que qualquer forma de exploração do ser humano - seja no trabalho escravo em fazendas, ou de mulheres na prostituição, de crianças, quer vendendo balinhas no sinal ou pedindo esmolas - deve ser punida de forma extremamente rigorosa de modo a ser fator que desestimule sua prática.
Além de penas pecuniárias pesadas - que podem ir até mesmo ao confisco do local da exploração ou da guarda do material necessário à exploração  - os envolvidos (incluindo os em posição de comando e os que de alguma forma colaborem para prática tão vil) devem ser punidos com pena privativa de liberdade em regime fechado e sem direito a progressão.
Mas, alguns pontos da Portaria 1.129/2017 podem e devem ser aproveitados, especialmente aqueles que exigem maior atenção da fiscalização na coleta de provas.
São pontos importantes, que fortalecem a acusação - ter sempre em conta que defendemos penas realmente severas (privativas de liberdade combinadas com pecuniárias) e que para aplicação destas, sem que o criminoso seja beneficiado com recursos muitas vezes meramente protelatórios, é conveniente dispor o Estado  de provas sólidas.
E nos dias atuais, com tantos recursos tecnológicos são provas fáceis de obter, desde que existe legislação que obrigue a fiscalização a se empenhar em tal coleta.]

Fonte: Cristiano Paixão, Maurício Ferreira Brito e Tiago Muniz Cavalcanti são membros do Ministério Público do Trabalho e integrantes da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo


Portaria MTB Nº 1129 DE 13/10/2017

Publicado no DO em 16 out 2017 
 
Dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos do artigo 2-C da Lei nº 7998, de 11 de janeiro de 1990; bem como altera dispositivos da PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11 de maio de 2016.

O Ministro de Estado do Trabalho, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, e
Considerando a Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957;
Considerando a Convenção nº 105 da OIT, promulgada pelo Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966;
Considerando a Convenção sobre a Escravatura de Genebra, promulgada pelo Decreto nº 58.563, de 1º de junho de 1966;
Considerando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992; e
Considerando a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, bem como a Lei 10.608, de 20 de dezembro de 2002,

Resolve:
Art. 1º Para fins de concessão de beneficio de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, nos termos da Portaria MTE nº 1.153, de 13 de outubro de 2003, em decorrência de fiscalização do Ministério do Trabalho, bem como para inclusão do nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, considerar-se-á:
I - trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade;
II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria;
III - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade;
IV - condição análoga à de escravo:
a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária;
b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico;
c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;
d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho;

Art. 2º Os conceitos estabelecidos no artigo 1º deverão ser observados em quaisquer fiscalizações procedidas pelo Ministério do Trabalho, inclusive para fins de inclusão de nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016.

Art. 3º Lavrado o auto de infração pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, com base na PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, assegurar-se-á ao empregador o exercício do contraditório e da ampla defesa a respeito da conclusão da Inspeção do Trabalho de constatação de trabalho em condições análogas à de escravo, na forma do que determina a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 e a Portaria MTE 854, de 25 de junho de 2015.
§ 1º Deverá constar obrigatoriamente no auto de infração que identificar o trabalho forçado; a jornada exaustiva; a condição degradante ou a submissão à condição análoga à de escravo:
I - menção expressa a esta Portaria e à PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016;
II - cópias de todos os documentos que demonstrem e comprovem a convicção da ocorrência do trabalho forçado; da jornada exaustiva; da condição degradante ou do trabalho em condições análogas à de escravo;
III - fotos que evidenciem cada situação irregular encontrada, diversa do descumprimento das normas trabalhistas, nos moldes da Portaria MTE 1.153, de 14 de outubro de 2003;
IV - descrição detalhada da situação encontrada, com abordagem obrigatória aos seguintes itens, nos termos da Portaria MTE 1.153, de 14 de outubro de 2003:
a) existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel;
b) impedimento de deslocamento do trabalhador;
c) servidão por dívida;
d) existência de trabalho forçado e involuntário pelo trabalhador.
§ 2º Integrarão o mesmo processo administrativo todos os autos de infração que constatarem a ocorrência de trabalho forçado; de jornada exaustiva; de condição degradante ou em condições análogas à de escravo, desde que lavrados na mesma fiscalização, nos moldes da Portaria MTE 854, de 25 de junho de 2015.
§ 3º Diante da decisão administrativa final de procedência do auto de infração ou do conjunto de autos, o Ministro de Estado do Trabalho determinará a inscrição do empregador condenado no Cadastro de Empregadores que submetem trabalhadores a condição análoga às de escravo.

Art. 4º O Cadastro de Empregadores previsto na PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho, contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.
§ 1º A organização do Cadastro ficará a cargo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), cuja divulgação será realizada por determinação expressa do Ministro do Trabalho.
§ 2º A inclusão do empregador somente ocorrerá após a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração ou do conjunto de autos de infração.
§ 3º Para o recebimento do processo pelo órgão julgador, o Auditor-Fiscal do Trabalho deverá promover a juntada dos seguintes documentos:
I - Relatório de Fiscalização assinado pelo grupo responsável pela fiscalização em que foi identificada a prática de trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes ou condições análogas à escravidão, detalhando o objeto da fiscalização e contendo, obrigatoriamente, registro fotográfico da ação e identificação dos envolvidos no local;
II - Boletim de Ocorrência lavrado pela autoridade policial que participou da fiscalização;
III - Comprovação de recebimento do Relatório de Fiscalização pelo empregador autuado;
IV - Envio de ofício à Delegacia de Polícia Federal competente comunicando o fato para fins de instauração.
§ 4º A ausência de quaisquer dos documentos elencados neste artigo, implicará na devolução do processo por parte da SIT para que o Auditor-Fiscal o instrua corretamente.
§ 5º A SIT poderá, de ofício ou a pedido do empregador, baixar o processo em diligência, sempre que constatada contradição, omissão ou obscuridade na instrução do processo administrativo, ou qualquer espécie de restrição ao direito de ampla defesa ou contraditório.

Art. 5º A atualização do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo será publicada no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho duas vezes ao ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro.
Parágrafo único. As decisões administrativas irrecorríveis de procedência do auto de infração, ou conjunto de autos de infração, anteriores à data de publicação desta Portaria valerão para o Cadastro após análise de adequação da hipótese aos conceitos ora estabelecidos.

Art. 6º A União poderá, com a necessária participação e anuência da Secretaria de Inspeção do Trabalho e da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Trabalho, observada a imprescindível autorização, participação e representação da Advocacia-Geral da União para a prática do ato, celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ou acordo judicial com o administrado sujeito a constar no Cadastro de Empregadores, com objetivo de reparação dos danos causados, saneamento das irregularidades e adoção de medidas preventivas e promocionais para evitar a futura ocorrência de novos casos de trabalho em condições análogas à de escravo, tanto no âmbito de atuação do administrado quanto no mercado de trabalho em geral.
§ 1º A análise da celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial deverá ocorrer mediante apresentação de pedido escrito pelo administrado.
§ 2º O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial somente poderá ser celebrado entre o momento da constatação, pela Inspeção do Trabalho, da submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo e a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado na ação fiscal.

Art. 7º A Secretaria de Inspeção do Trabalho disciplinará os procedimentos de fiscalização de que trata esta Portaria, por intermédio de instrução normativa a ser editada em até 180 dias.

Art. 8º Revogam-se os artigos 2º, § 5º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11 e 12 da PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, bem como suas disposições em contrário.

Art. 9º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA



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