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sábado, 20 de junho de 2015

A maldição do ano eleitoral

A ligação direta entre as contas irregulares do governo federal em 2014 e as eleições presidenciais é o fator político que pode desencadear um processo de impeachment contra a presidente Dilma. O nexo de causalidade está na programação financeira e no contingenciamento, previstos nos artigos 8º e 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois tratam de competência privativa da Presidente da República.
 
Os Decretos de abertura de crédito, assinados pela Presidente, estão em flagrante afronta à lei orçamentária. O artigo 15 da LRF diz tratar-se de despesa não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público, criando as condições para a tipificação do crime no artigo 359 do Código Penal. 


Nesse ponto, o relatório do ministro Augusto Nader, e o parecer do Ministério Público de Contas se encontram com a ação penal que a oposição impetrou junto ao Ministério Público. No Artigo 10, alínea 4, da Lei de Responsabilidade Fiscal está dito: Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária: 4 – Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.
No Artigo 11, alínea 3, explicita-se: São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: 3 – Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

 
Os partidos de oposição recorreram a Rodrigo Janot, procurador-geral da República, com um pedido de ação penal contra Dilma com base nos Artigos 299 e 359, alíneas “a” e “c” e “d”, do Código Penal, nos quais se definem como crimes as seguintes práticas: Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (…)”.
Artigo 359 c: Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa. 

Artigo 359 d: Ordenar despesa não autorizada por lei. 
 
É importante ressaltar, argumentam consultores do TCU, que as 'pedaladas' foram na verdade instrumento para fraudar a programação financeira e o cronograma mensal de desembolso. Ao omitir pedidos de créditos suplementares cujas despesas se confirmaram em 2014, repetindo o padrão de 2013, fica clara a intenção de não incluir tais créditos de despesas obrigatórias na programação financeira para parecer, artificiosamente, haver fôlego financeiro e fiscal para realizar mais despesas discricionárias, que são aquelas que os governos gostam de realizar em ano eleitoral, como os investimentos, pois isso dá voto.


Também é importante ressaltar que a LRF não é uma lei eleitoral. Mas como as finanças públicas são essenciais para implantar políticas, a LRF traz regras duras e específicas para final de mandato, exatamente para aquele que tem a chave do cofre nas mãos não a use de forma a desequilibrar o pleito, gastando o que tem e o que não tem para se reeleger ou, se não se reeleger, deixar uma dívida astronômica e insustentável para o sucessor.


Para evitar isso, a LRF tem regras que impedem contratação de pessoal nos últimos 180 dias do mandato (artigo 21), impede assunção de obrigação financeira de abril a dezembro do ultimo ano de mandato sem deixar disponibilidade de caixa para pagar os restos a pagar (artigo 42) e tem regras mais rígidas para coibir operação de crédito por antecipação de receita no último ano de mandato (artigo 38), instrumento este que foi usado antes da LRF para alavancagem eleitoral pelos gestores. E voltou a ser usado agora.
Para completar o rol de medidas com vistas a garantir o equilíbrio fiscal, o que é um grande desafio em ano eleitoral, a LRF proibiu, definitivamente, o uso de bancos para custear os governos (artigo 36 - as tais pedaladas), prática comum nas décadas de oitenta e noventa. 


Está registrada na história a famosa frase do ex-governador Orestes Quércia que, ao eleger Luis Antonio Fleury em 1990, desabafou: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”.
A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira, atesta: “O triste é assistir a União incorrendo, 15 anos após, nas práticas que a levaram a promover o maior ajuste fiscal da história e criar as condições para editar a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000. Muito triste, muito caro para sociedade. Fiscalizo o cumprimento da LRF há 15 anos, de 2000-2004 no TCE-RJ, de 2004 até hoje no TCU, e nunca vi a União chegar a uma situação fiscal como a do ano passado. É sem dúvida, a primeira vez na história da Lei de Responsabilidade Fiscal."


Fonte: Merval Pereira - O Globo
 

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